8.10.15

Bissau: Não ata nem desata

FONTE: Africa Monitor Carlos Correia – O ex-Primeiro-Ministro (PM), Domingos Simões Pereira (DSP), afastado do cargo em 12.Ago, figurava na composição do novo Governo de Carlos Correia como ministro da Presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares. Entre as reservas com que o Presidente, José Mário Vaz (JMV), acolheu nomes constantes do elenco governativo apresentado pelo novo PM, supõe-se que uma delas se referia a DSP. A sua participação no Governo, decidida numa reunião do BP/PAIGC, não mereceu pronta aceitação do próprio. Reconsiderou ante argumentos como o de que a sua presença no novo Governo se destinava a apoiar em permanência o novo PM, tendo em conta a sua experiência e conhecimento dos assuntos. Eventualmente por pressentir que JMV tenderia a apresentar reticências à sua inclusão no Governo, aceitou sob condição de uma retirada imediata do seu nome caso tal viesse a registar-se. O impasse em que o processo de formação do Governo caiu não se deveu, no entanto, apenas ao desacordo do Presidente quanto a “alguns” nomes indicados na lista. Exigiu também que as “pastas de soberania”, como convencionalmente são considerados os ministérios dos Negócios Estrangeiros, Defesa e Interior, fossem preenchidas por governantes da sua própria escolha. Sistema político potencia e agrava divergências internas 1 . O sistema político da Guiné-Bissau, de tipo semi-presidencial, é apontado em círculos governamentais de países da região como “causa” da instabilidade cíclica no país. A conclusão é partilhada por Angola, conforme sugerem recomendações de altos funcionários do seu governo no sentido de uma alteração da constituição. De acordo com análises pertinentes, a “inadequação” do sistema de governo da Guiné-Bissau está demonstrada na coexistência quase sempre difícil que todos os Presidentes tiverem com os Primeiros-Ministros. A única excepção é Kumba Yalá, que por força de factores marginais, como o seu carisma, relativizou os Primeiros-Ministros. As tensões políticas resultantes da deficiente coexistência entre os titulares dos dois cargos foram sempre tanto mais intensas quanto maior foi o potencial de choque entre ambos. Considera-se, porém, que o conflito entre o actual Presidente, José Mário Vaz (JMV) e o ex-PM, Domingos Simões Pereira (DSP), supera todos os anteriores. O mau relacionamento institucional e pessoal entre JMV e DSP começou a ser notado cerca de um mês depois de se ter iniciado a sua coabitação política. As principais discrepâncias entre ambos, em constante alastramento, são de natureza cultural, política e de personalidade. 2 . A constituição em vigor dispõe que o poder executivo cabe ao Governo. No exercício do mesmo, em especial na fase decisória, o PM é, porém, obrigado a consultar previamente o Presidente e/ou a sujeitar-se ao seu poder sancionador. A gestão desta partilha de competências tem sido uma fonte de discórdia. Entre os argumentos em que se baseia a ideia de que há necessidade de alterar a constituição de modo a prevenir e/ou limitar conflitos institucionais, avultam os seguintes: - A repartição de poderes definida na constituição é usualmente objecto de interpretações latas, ditadas pelas circunstâncias e interesses em presença. - O modelo de partilha de poderes é por si só gerador de rivalidades e competição entre o Presidente e o PM; tende a dar azo a conflitos, como é o caso, quando o PM e/ou o Presidente se movem por interesses incompatíveis com o espírito do texto constitucional ou quando as suas personalidades entram em choque. - O Presidente, como mais alta entidade protocolar, considera-se e/ou é visto como “o chefe” na cultura e em tradições afins ainda presentes nas sociedades africanas; confunde o próprio que a tal condição não correspondam plenamente poderes partilhados com o PM. Em meios governamentais e políticos de países vizinhos, em especial o Senegal, a instabilidade na Guiné-Bissau é encarada com crescente apreensão. Considera-se que pode atrair ou ser aproveitada por interesses obscuros que visam não só o país, como a região no seu conjunto. Na visão de altos funcionários angolanos, manifestada em conversas informais, DSP, na sua qualidade de líder do PAIGC, deveria promover uma revisão da constituição no sentido da alteração do sistema de governo, invocando para tal o alto desígnio de promover a estabilidade interna. 3 . Está a gerar dúvidas crescentes a ideia de que a crise política aberta há cerca de dois meses com a demissão de DSP e desenvolvimentos seguintes, tenha sido resolvida com o convite ao PAIGC (AM 966) para formar governo em lugar de outro, rejeitado pelo Supremo Tribunal (ST). Considera-se que apenas se saiu de um impasse. O ponto de vista em que se apoia o outlook segundo o qual a crise permanece latente, podendo sempre dar azo a novos afloramentos, é o de que persiste um clima de irreversíveis desconfianças e aversões entre JMV e DSP. A intenção atribuída a ambos de anular politicamente o outro é alimentada por uma afincada exploração de diferendos. O mais intrincado diferendo baseia-se na acusação de delapidação de fundos públicos feita por JMV para justificar a demissão coerciva de DSP do cargo de PM. O processo aberto no seguimento das acusações tende a dar lugar a uma batalha jurídica e política entre DSP e JMV de consequências imprevisíveis. Por iniciativa do PAIGC foi criada uma comissão parlamentar de inquérito com o fim de apurar a veracidade das acusações; paralelamente foi pedida uma sindicância à gestão dos dinheiros públicos no período 2011/2015. O estado actual do processo é o seguinte: - A comissão pediu formalmente ao Presidente elementos com base nos quais acusou o Governo de práticas de má gestão/corrupção; o PR respondeu remetendo os inquiridores para passagens de discursos públicos e outros pronunciamentos seus. - JMV sustenta que a sindicância às contas do Estado deve abranger apenas o tempo de exercício do mandato do Governo de DSP e não outros, anteriores. A ideia geral é a de que tanto a comissão de inquérito como a sindicância poderão chegar a conclusões comprometedores para JMV, podendo mesmo vir a dar lugar à abertura de um processo de impugnação de JMV. A eventualidade baseia-se em elementos como os seguintes: - JMV não dispõe de provas concludentes das acusações com base nas quais demitiu o PM. - O alargamento da sindicância às contas do Estado a um período em que JMV foi ministro das Finanças, pode vir a revelar-se comprometedor para o próprio; ocorreu então um alegado desvio de dinheiros provenientes de Angola. Em meios políticos de Bissau circulam rumores segundo os quais JMV, aparentemente influenciado pelo seu corpo de conselheiros, tenta acautelar-se de “imprevistos” resultantes de tais iniciativas por meio de processos que consistem, segundo os mesmos rumores, em tentar criar outros embaraços a DSP. ----- Enganaram-se, pois, os que julgavam que com a simples designação de Carlos Correia para primeiro-ministro a situação estava resolvida. As coisas não são assim tão simples. As coisas na Guiné-Bissau nunca são simples. E não era agora um antigo primeiro-ministro de Nino Vieira que as iria simplificar.

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