25.10.15

Bissau: Zamora contra Ansumane

As forças fiéis ao Presidente guineense, Kumba Yalá, anunciaram (na quarta semana de Novembro de 2000) a entrada na base aérea de Bissalanca, reduto do general rebelde Ansumane Mané, que entretanto se retirara de lá, para destino desconhecido. O chefe de Estado e os seus ministros tinham passado a noite sob a protecção das Nações Unidas. A Igreja Católica e o corpo diplomático tentam que a situação regresse à normalidade. O porta-voz das forças militares fiéis ao Presidente da República da Guiné-Bissau, comandante Zamora Induta, anunciou ontem à tarde que as mesmas tinham conseguido entrar na base aérea de Bissalanca, principal reduto do general Ansumane Mané, que na segunda-feira se autoproclamara chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e colocara sob detenção domiciliária o legítimo titular do cargo, Veríssimo Correia Seabra.O arcebispo de Bissau, D. José Camnaté Na Bissign, o embaixador de Portugal, António Dias, e uma série de outras personalidades tentaram ao longo do dia evitar confrontos de maior entre as duas facções castrenses em conflito.A capital acordara ao som de disparos, devido ao confronto entre as tropas lealistas e as que seguiam o polémico Mané, de 60 anos, vencedor da guerra travada entre Junho de 1998 e Maio de 1999 contra o então Presidente da República, João Bernardo "Nino" Vieira. Mas a meio da manhã a situação acalmara, com indícios de que a maior parte dos militares estaria a obedecer ao general Veríssimo Seabra. À tarde ainda se ouviu alguns tiros, mas quase sempre de armas ligeiras. Depois das primeiras escaramuças, na noite de quarta-feira, o Presidente e alguns dos ministros do Executivo liderado por seu primo, Caetano Intchamá, refugiaram-se na representação local das Nações Unidas, que, tal como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), entende que a principal responsabilidade da presente situação é sobretudo do general Ansumane Mané, que já por mais de uma vez no passado ocupou as funções às quais desejou agora regressar.Em 1998, Mané constituiu uma junta militar e iniciou a guerra contra o Presidente "Nino" Vieira precisamente depois de haver sido destituído de chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, na sequência de recriminações mútuas sobre quem seriam os principais culpados pelo tráfico de armas para os rebeldes que lutam pela independência de Casamansa, no Sul do Senegal.Tendo "Nino" chamado em seu auxílio o exército senegalês, a maioria da população guineense, num assomo nacionalista, colocou-se ao lado da junta militar, que tinha precisamente como segundo homem o agora general Veríssimo Seabra. Terminada a guerra, realizaram-se eleições legislativas e presidenciais, a partir de Novembro do ano passado, para se regressar a uma legalidade constitucional, devendo os militares regressar aos quartéis. Mas Ansumane Mané nunca aceitou de bom grado que a junta deixasse de existir, antes tendo entendido que deveria ficar como uma espécie de co-presidente, sempre com uma palavra a dizer sobre tudo o que Yalá fizesse.O seu pretexto para a rebelião desta semana foi o facto de o Presidente da República ter alterado à última hora uma lista de promoções de oficiais que teria sido previamente aprovada pelas chefias militares. E teve a tarefa facilitada pelas profundas divergências que também existem entre as diversas formações políticas, com o PAIGC - pela primeira vez na oposição, em 26 anos de independência - a liderar uma forte contestação a Yalá e ao Governo de Intchamá.Mané perguntou como é que um país economicamente debilitado pode promover 10 oficiais à patente de general, o que acarreta uma grande despesa. E quando, numa reunião, ele os convidou a devolver as insígnias recebidas dias antes, os generais colocaram-nas, um a um, em cima de uma mesa na sala onde se encontravam reunidos. Foi neste contexto que Veríssimo Seabra conseguiu escapar quarta-feira da situação de residência fixa em que Mané o colocara e se desencadeou a troca de tiros entre as duas facções militares, tanto na zona da capital como na vila de Mansoa, a 60 quilómetros. Mas não há conhecimento de baixas especiais a assinalar, no balanço destas últimas 48 horas. E, tanto quanto parece, a artilharia pesada nem sequer chegou a entrar em acção."Ainda não é tarde para voltar atrás", sublinhou ontem o bispo católico de Bissau, em comunicado lido aos microfones da Rádio Nacional, para solicitar ao Presidente Yalá, ao general rebelde e a todos os militares que escutem "os gritos das multidões apavoradas" de novo em fuga para fora de suas casas, tal como aconteceu durante a guerra civil.De acordo com as notícias existentes ao princípio da noite, nomeadamente as veiculadas pela Lusa, Ansumane Mané teria sido interceptado e até mesmo desfardado por populares não muito longe da base aérea que funciona junto ao aeroporto de Bissalanca, a oito quilómetros da capital. Mas não havia confirmação de tais dados. O porta-voz do Estado-Maior declarou à RTP-África que o general rebelde deverá vir a ser julgado pelo poder judicial, provavelmente tal como os principais oficiais que o acompanharam, Buota Na Batcha e Lamine Sanhá. PÚBLICO, Novembro 2000

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