26.9.15

Relação indefere pretensões de Sócrates

Acordam em Conferência na 9 Secção Criminal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1.No Tribunal Central de Instruçao Criminal de Lisboa, foi proferido o seguinte despacho: “Do requerimento de f Is. 14679 a 14687. Com os fundamentos constantes de fls. 14679 e ss., veio o arguido José Socrates Carvalho Pinto de Sousa, a douto punho, requer, em síntese: - A reparacao do despacho reclamado com satisfaçao imediata do requerimento de 27-02-2015, nos exactos termos au requeridos; - A libertação imediata do arguido, - Que o segredo de justiça seja declarado formalmente cessado. Termina ainda o seu requerimento, requerendo que seja ordenada a inquiricão do Senhor Director do DCIAP, Dr. Amadeu Guerra ou, certificada a conformidade do declarado pelo mandatário do arguido quanto a comunicação feita ao Senhor Procurador-Coordenador do DCIAP, em 21-11-2014. o M°P° - DCIAP, pronunciando-se sobre tal requerimento, a fls. 14717 e ss., aduz, como abaixo nos permitimo-nos transcrever: (.. “ReQuerimento de folhas 14679 e seguintes Na sequência do nosso despacho de folhas 14430 e seguintes e sob a designação, a nosso ver incorrecta, de reclamaçao vem o arguido Jose SOcrates retomar o pedido de obtencao de acesso a elementos dos autos e mesmo da realizaçao de diligência de inquirição do Sr. Director do DCIAP sob conversa telefOnica que a Defesa teria tido corn o mesmo. Acresce a argumentacão anteriormente apresentada a invocação, agora feita pelo requerente, de que o prazo de duracão normal do lnquérito já teria sido ultrapassado, pelo que pede a Defesa a cessaçao do segredo de justiça e a Iibertação do arguido. Sobre a questao do acesso a elementos processuais e mesmo sobre a pretendida inquiricao do Sr. Director do DCIAP, nada mais temos a acrescentar 1 àquilo que procurámos explicar no nosso despacho de folhas 14430 e seguintes, tanto mais quo, como efectivarnente aconteceu, nao foi o telefonema do Defensor do arguido, quo nos foi transmitido, se bern quo sem a revelaçao do estar a ser feito do estrangeiro, quo nos alterou o entendirnento de se verificar indiciado o perigo de fuga, em face e após o con hecimento dos factos que foram imputados ao arguido. Mantemos assim, a apreciação e o entendimento de que nao podem, por ora, no intoresse do sucesso da investigação, ser revelados outros documentos para além dos já abertos a consulta e a obtenção de cOpia, mais se entendendo nao ter cabimento a requerida inquirição do Sr. Director do DCIAP. No que se refere ao cumprimento da carla rogatória remetida a Suiça, abstemo-nos de comentar, por diferença de estilo, as afirmaçOes do requerente, que apenas donotam desconhecirnento sobre o acesso a informaçäo bancária e sobre Os procedimentos nocessários para a reconstituição de circuitos financeiros, em particular quando reflectidos em dezenas do contas, cujo conhecimento foi sendo sucessivamente obtido, em conjugacao corn a invostigação em curso em Portugal. Certo e que, independentemente do efectivo tempo de cumprimento da Carla RogatOria, o Cod. Processo Penal apenas reconhece uma eficácia limitada para a suspensao do prazo de duracäo do lnquérito em caso de expedicao de Carla Rogatória, polo que o pretenso prolongarnento doloso desse cumprimento em nada teria afectado o prazo normal admitido legalmente para 0 lnquérito. Quanto ao prazo normal aplicável ao presento Inquérito, o ora requerente retoma, embora não o ref ira expressamente, uma questao que já fol suscitada em sede de recurso e nesta instância, qual seja a da determinação do inhcio para a contagem do prazo quando a sujoiçao a prisão preventiva dos arguidos ocorrer ja depois do moses do investigação em lnquerito, como é natural que ocorra nestas formas de criminalidade. 0 roquerente entende, corn ofeito, aplicar Os prazos aplicáveis em caso de arguidos presos, mas retroage o inIcio da contagem do prazo a data do inIcio do lnquérito, data na qual o arguido ora roquerente não era sequer ainda suspeito nos autos. 2 Isto é, como já afirmado anteriormento nos autos, o arguido requerente pretende ver aplicado um prazo, que parte do pressuposto de haver arguidos presos, a uma fase processual em que nao havia ainda arguidos sequer constituídos. Tal questão constitui, no entanto, parte do objecto do Recurso que ainda se encontra pendente sobre a decisão de excepcional complexidade, pelo quo a essa instância superior caberá a ültima palavra. Por outro lado, tambérn já nesta instância se tomou posicao e foi profenda decisão sobre essa questão, na sequência do requerimento da Defesa de foihas 8832 e seguintes e da nossa promoção do 12 de Dozembro de 2014, folhas 8848 e soguintes, quo deram origem a decisão de folhas 8856 e seguintes, corn parte dispositiva a folhas 8867 o soguinto. Nessa decisão, de tolhas 8867, da qual nao foi intorposto recurso autOnomo, claramente se afirmou que, após a ocorréncia do urn riovo pressuposto para a definição dos prazos do duracao do lnquérito, no caso a prisão dos arguidos, so iniciava a contagem de urn novo prazo, cuja data do início seria precisamento a da verificação do referido pressuposto, não podondo 0 inIcio da contagem do urn prazo ocorrer antes do facto quo determina e dofine esso prazo — conformo se mostra escrito a folhas 8866 e acolhido na decisão do folhas 8867, parte final. Entendomos assim, quo dove o arguido, ora roquerento, ser remetido, sem mais, para aquela decisão, pelo que o prazo quo invoca se comecou apenas a correr corn a dotoncao dos arguidos, a 21-11- 2014, aproveitando a susponsao, por via da Carta RogatOria pendente, apenas ate a data da sua ofectiva devolução, na data de 4 do Foveroiro do 2015, iniciando-se desde então o prazo do urn ano, aplicável por força da oxistência de arguidos presos o nos termos do art. 276°-2 c) do CPP. Alias, nao existindo arguidos presos, atonta a excopcional cornploxidade declarada nos autos, os tipos do crime om causa e a Carla RogatOria expedida, entondemos quo seria aplicável o prazo de 18 moses, acrescido por mais 9 mesos do suspensao, num total do dois anos o trés moses, cujo decurso também ainda se não vorificou, mesmo atendendo a data em quo so iniciou o presento lnquérito. Por ültimo, mal percebemos sequer que se faça uma ligacão entre o prazo de duracão normal do Inquérito e a subsistência das medidas de coacçao, cujo prazo de vigencia se encontra inegavelmente válido, pelo que não seria sequer o pretenso atingir desse prazo normal que iria trazer implicaçöes em sede da definicao das medidas de coacçao — alias seria incongruente que se admitisse que ser válido o prazo da prisão preventiva, mas estar esgotado o prazo normal do lnquérito. Face ao exposto, promovemos: - que se indefira a pretensão do arguido José SOcrates de aceder a outros elementos dos autos, para além dos já abertos ao seu conhecimento, conforme nosso despacho de folhas 14430 e seguintes; - que se indefira a pretensão do arguido José SOcrates de inquiriçao do Sr. Director do DCIAP, face ao supra exposto e ainda ao afirmado na decisão de folhas 14430 e seguintes e ao sentido do acOrdão da Relaçao de Lisboa proferido nos autos sobre os fundamentos da prisâo preventiva do ora requerente; - se indefira a pretensão de ver declarado ultrapassado o prazo normal do Inquérito e, consequentemente, o regime de segredo de justiça na sua vertente interna, por remissão do requerente para as regras de contagem desse prazo ja definidas na decisão de tolhas 8867, por adesão a promoção que antecede; - se indefira a pretendida libertação do arguido, por decaimento, nos termos supra, do pressuposto do esgotamento do prazo normal do inquerito. (sic.) Aqui chegados, cumpre apreciar e decidir: Os presentes autos encontram-se em fase de inquérito e, cfr. estatul o n° 1 do art° 262° do CPP, este “compreende o conjunto de diigências que visam investigar a existência de urn crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recoiher as provas, em ordem a decisão sobre a acusaçãd’ (sic.). Atento o disposto nos art°s 263°, n° 1 e 267° do CPP, compete ao M°P°, na qualidade de titular da acçao penal, dirigir 0 inquérito. 4 Assim, cmpreendendo o inquerito urn conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, cabe ao M°P° - “dominus” da investigação, a sua direccao, a recolha e selecçao de prova, auxiliado pelo oPc. Em suma, e àquela entidade que, de acordo corn a estratégia definida para a investigacão em concreto, que compete determinar o modo e o tempo das diligOncias a realizar. Como é bom de ver, não tem cabimento nas competências do JIC, atenta a redacçao do art° 268° do CPP, a possibilidade de, em fase de inquérito, face ao conjunto de diligencias que visam investigar, determinar Os seus agentes, determinar a responsabilidade deles, descobrir e recolher provas e/ou determinar ou limitar o objecto dos autos. No entanto, circunscrevamo-nos ao caso concreto, designadamente a questao dos prazos. 0 prazo de duracao do inquérito é de 6 meses, caso existam arguidos presos ou sob obrigacao de permanéncia na habitaçao (art° 276°, n° 1 do CPP), sendo elevado para 8, 10 ou 12 meses, nos termos do n° 2 do referido preceito legal. Atenta a redaccao operada pela Lei 26/2010, de 30/08, o prazo a que alude o art° 276°, n° 3, al. a), ex vi do art° 215°, n° 2 e art° 1°, al. m), todos do CPP, foi elevado, pelo que, o prazo de duraçao do inquérito passou para 14 meses, por forca do disposto no art° 5° do CPP. Ademais, como consignado nos autos, ao abrigo das disposicöes conjugadas nos artigos 276°-3, al. c) e 215°, ns. 1 a 3 do CPP vigente, foi declarada a excepcional complexidade do procedimento, corn a consequente elevacao do prazo para dezoito meses, o que aqui se consigna. Certo é que, a data da prolacao de tais despachos inexistiam arguidos constituidos nos autos. Ainda em relação a especial complexidade, o TCIC louvou-se no douto AcOrdão do STJ, de 26-01 -2005, in P° 05P31 14, quando explicita que: (...) “a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidéncia estritamente juridico-processuais, mas na 5 dimensão factual do procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e revelação externa e interna do acrescidas dificuldades de investigacão, cornposicao e sequência corn refraccao nos termos e nos tempos do procedimento. A decisão sobre a verificação da especial complexidade nao depende, pois, da aplicação da Iei a factos e da integracao do elementos compostos corn dimensão normativa, nem está tributária da interpretação do normas. 0 juIzo sobre a complexidade assume-se, assim, como juIzo prudencial, do razoabilidade, de critério da justa rnedida na apreciacão 0 avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questOes do interpretação e do paliação da lei, por mais intensas e complexas, nao atingem a noção. As dificuldades do investigacOes (técnicas, com intensa utilizaçao do leges cortis da investigação), o nümero de intervenientes processuais, a deslocalizacão dos actos, as contingências procedirnentais provenientes das intervençöes dos sujeitos processuais, a intensidade do utilizaçao dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar quo urn deterrninado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial cornplexidade corn o sentido, essencialmente de natureza factual, quo a noção funcionalmente assume o art0 215°, n° 3 do CPP” (sic.) Contudo, tal questao (decisão de que declarou a especial complexidade) encontra-se pendente no Venerando Tribunal da Relacao do Lisboa, polo quo, nosto tocanto, aguardamos tal docisão. Som projuIzo, julgamos suficientemente hialino que o despacho quo declara a especial complexidade do procedirnento, subsiste, quer quanto a duração normal dos autos na fase do inquérito e por conseguinto quanto a vigência do regime de sogredo de justiça, quer sabre a duração das modidas do coaccao impostas aos arguidos, não depondondo o eteito da primoira da constituição do arguidos. Alias, o disposto no art° 276° do CPP, quanto ao alargamonto do prazo pola doclaracao do especial complexidade não so revela, a nosso ver, conflituante corn a contagem dos prazos, já quo o seu n° 4 estabeleco, dosde logo, “o prazo conta 6 se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição Em síntese, assim que declarada a especial complexidade nos autos (elevacao do prazo para 18 meses contados a partir do momento que os autos corram contra pessoa determinada) e verificada a constituicao de arguidos, in caso, sujeito a medida de coacçao de prisão preventiva, corre um novo prazo de 12 meses, atento o disposto no art° 276°, n° 2 do CPP, não se vislumbrando como se poderá contar urn prazo antes de ocorrer urn determinado facto. Quanto a Carla Rogatória referida no requerirnento do arguido, verificamos que a mesma foi expedida em 05-11-2013, pelo que, de acordo corn o disposto no art0 276°, n° 5 do CPP, atento o disposto no seu n° 3, al. a), o prazo fol suspenso pelo perlodo de 7 meses, passando a correr novamente em 05-06-201 4. Em face do sobredito, certo é que o enorme acervo documental junto aos autos, carece de aturada análise, de forma a permitir corn clareza, apreciar e compreender, para além da origem dos fundos, Os fluxos financeiros em causa, que, alias, o titular dos autos se propoe prosseguir. Não obstante o aqui referido, somos a concordar corn a douta e bern elaborada promocao supra transcrita, que aqui damos por integralmente reproduzida, não por falta de avaliação e ponderação propria da questao, mas por simples economia processual (remissão admitida pelo próprio Tribunal Constitucional — vidé Ac. TC de 30/07/2003, pro ferido no P.° 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela prôpria Relação de Lisboa, vidé Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.° 5558/04-3), aderimos aos fundamentos do titular da accão penal. Assim, atento o objecto dos autos, a complexidade de investigação destas matérias e Os elementos ja aqui contidos, que carecem, por ora, de cuidada apreciacao pelo detentor da acçao penal, mantemos no Interim a decisão ora colocada em crise, indeferindo-se as pretensöes do Requerente formulados no seu requerimento. Notitique. ***

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