30.8.15
Bissau: Preocupante impasse político
A crise política guineense foi abordada num trabalho de João Manuel Rocha, do PÚBLICO:
Mais de duas semanas depois de o
Presidente, José Mário Vaz, ter demitido
o Governo liderado por Domingos
Simões Pereira, e mais de uma
semana após ter nomeado um novo
primeiro-ministro, a Guiné-Bissau
permanecia ontem num impasse político
que preocupa quem conhece a
história do país, pontuada por golpes
de Estado e violência política. A hierarquia
militar prometeu às Nações
Unidas que se manterá à margem da
crise, mas a incerteza permanece.
“É estranho que tenha sido nomeado
um primeiro-ministro há uma
semana e a isso não tenha sucedido
a formação de um Governo. Significa
que está a haver dificuldades em encontrar
gente para isso”, considera
Xavier Figueiredo, director do África
Monitor, uma newsletter sobre países
africanos lusófonos.
Os olhares estavam ontem virados
para o PRS (Partido da Renovação
Social), segunda principal força política,
que reuniu a sua comissão política.
Um membro do órgão partidário
disse à agência guineense ANG que
seria decidido viabilizar, ou não, um
executivo chefiado por Baciro Djá.
Dirigentes do partido, incluindo
o presidente, Alberto Nambeia, e o
secretário-geral, Florentino Mendes
Pereira, regressaram na sexta-feira da
Gâmbia, onde se deslocaram a convite
do Presidente Yahya Jammeh, um
“amigo próximo” de José Mário Vaz,
segundo o jornal The Standard, que
poderá ter tentado convencê-los a
viabilizar uma solução de Governo.
A meio da semana, fontes da rádio
Voz da América em Bissau indicavam
que Florentino Pereira, ministro da
Energia do executivo demitido, se
manteria fi el aos compromissos com
Simões Pereira e teria o apoio de uma
clara maioria dos 41 deputados do
PRS. Mas Nambeia teria dado o seu
apoio à decisão de José Mário Vaz de
demitir o Governo.
A emissora noticiou também movimentações
de bastidores do campo
presidencial junto de deputados
do PAIGC, que tem 57, e da suposta
difi culdades do primeiro-ministro
as “incompatibilidades de relacionamento
institucional” com o primeiroministro.
Numa entrevista ao jornal
cabo-verdiano Expresso das Ilhas, o
líder do PAIGC disse que o Presidente
não lhe explicou os motivos que o levaram
a demiti-lo e atribuiu ao chefe
de Estado “uma vontade desmedida
de chamar a si todos os poderes”.
Simões Pereira tem dito que só um
recuo do Presidente pode resolver de
forma rápida a crise e admitiu que o
PAIGC, que inicialmente insistiu no
seu nome, pode propor outros políticos
para a chefia do Governo. “Se
o problema é o relacionamento entre
o Presidente e Domingos Simões
Pereira, o PAIGC, ouvidas as suas estruturas,
tem outras soluções”, disse
numa entrevista à Voz da América.
Na ausência de uma solução negociada,
no plano das hipóteses, caso o
Parlamento mantenha a fi rmeza que
tem revelado na oposição às iniciativas
presidenciais, um Governo de
Baciro Djá chocaria com a rejeição
dos deputados e poderia levar a novas
eleições. José Mário Vaz poderia
também dissolver a Assembleia Nacional
Popular, precipitando novas
eleições. Só que a comunidade internacional
poderá não estar disposta a
pagar nova ida às urnas, pouco mais
de um ano após a última consulta.
Os apelos ao bom senso têm-se
sucedido, interna e externamente.
Uma delegação de chefes religiosos
da Igreja Católica, das comunidades
muçulmana e evangélica reuniu-se,
separadamente, com Simões Pereira
e com José Mário Vaz.
Na sexta-feira, as Nações Unidas
apelaram às forças políticas para seguirem
a via do diálogo de modo a
pôr fi m à escalada de luta pelo poder
que ameaça a estabilidade do país. O
Conselho de Segurança ouviu o representante
do secretário-geral em
Bissau, Miguel Trovoada, dizer que as
Forças Armadas se comprometeram
formalmente a manter a neutralidade
na actual crise política.
Trovoada lembrou aos membros
do Conselho de Segurança que o Governo
demitido “era inclusivo e composto
por representantes de quase
todos os partidos da Assembleia Nacional
Popular, o que lhe assegurava
uma confortável base de apoio”. “Parecia
que estavam criadas as princi-
O PRS, segundo maior partido, que tem
estado com Simões Pereira, primeiro-
-ministro demitido, estava ontem a
decidir se viabiliza outro Governo
Crise política
João Manuel Rocha
Pereira para a corrida presidencial.
O líder do PAIGC, diz, gostaria que
o candidato do partido tivesse sido
Mário Lopes Rosa, depois ministro
dos Negócios Estrangeiros. Mas no
processo de escolha do candidato
acabou por ser preponderante a ala
que no congresso tinha estado com
Braima Camará, então o principal adversário
de Simões Pereira, e um dos
principais apoiantes de Vaz.
O executivo chefiado por Simões
Pereira, líder do PAIGC (Partido Africano
da Independência da Guiné e
Cabo Verde, principal força política)
foi demitido a 12 de Agosto. A decisão
do Presidente de afastar um Governo
com apoio parlamentar alargado
e participação das principais forças
políticas guineenses foi mal recebida
pela generalidade dos partidos e das
organizações da sociedade civil.
Com os votos do PAIGC e do PRS,
o Parlamento recomendou no início
da semana passada a exoneração de
Baciro Djá, nomeado pelo Presidente
a 21 de Agosto, e pediu ao Supremo
Tribunal que se pronuncie sobre a
constitucionalidade da nomeação.
Também organizações da sociedade
civil agrupadas na Aliança Nacional
para a Paz e Democracia entregaram
na sexta-feira ao Procurador-
Geral da República uma petição em
que solicitam um pronunciamento
sobre a constitucionalidade, de que
duvidam, dos decretos presidenciais
que demitiram o Governo e nomearam
novo primeiro-ministro.
“Aversão” recíproca
Sem prejuízo de outras motivações,
Xavier Figueiredo considera que o
Presidente e o primeiro-ministro são
“duas pessoas que têm uma aversão
enorme um pelo outro” e que a sua
“rivalidade” começou a ser notada
“muito pouco tempo depois da
normalização”. Entenda-se: após as
eleições de 2014, que puseram fim
ao período de transição após o golpe
militar de 2012 e deram a vitória nas
legislativas ao PAIGC e nas presidenciais
a José Mário Vaz.
“Na Guiné-Bissau, o poder é partilhado,
com clara preponderância do
primeiro-ministro”, observa o director
do África Monitor. “A Constituição
atribui alguns poderes de acompanhamento
da política do Governo
ao Presidente e José Mário Vaz interpreta
isso de forma muito lata”.
(...)
++++ Isto é parte de um artigo que sai hoje no jornal PÚBLICO
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