2.11.07

O que nos disse o Presidente Ramos-Horta

Duas semanas antes da sua visita oficial a Portugal, de 14 a 16 de Novembro, o PÚBLICO colocou ao chefe de Estado timorense uma série de perguntas, a que ele respondeu por escrito, abordando tanto as relações bilaterais como a presente situação no seu país.

Qual é o significado da viagem que efectua a Lisboa?

É a minha primeira visita oficial a um país europeu e, como não podia deixar de ser, é a Portugal, dada a enorme importância das relações entre Timor-Leste e Portugal. Os que me conhecem sabem o que sinto e penso em relação a Portugal e aos portugueses, um sentimento de muita amizade, gratidão sincera, realismo e pragmatismo.
Gratidão pelo muito que Portugal e os portugueses fizeram por nós ao longo de muitos anos, e pelo muito que ainda estão a fazer por Timor--Leste. Realismo pela imposição da geografia: Portugal está longe da nossa região, os interesses estratégicos de Portugal são na Europa, tem as suas limitações e prioridades, e o actual interesse de Portugal e dos portugueses por Timor-Leste pode diluir-se no tempo. A distância não perdoa. Pragmatismo porque Timor-Leste tem em Portugal o seu melhor amigo e aliado na Europa. Logo, Timor-Leste deve cuidar muito da relação com Portugal.

Portugal e a Indonésia são alguns dos países com que conta?

Temos investimentos portugueses consideráveis em Timor-Leste. O TimorTelecom é um investimento estratégico vital, como é óbvio. Há outros investimentos, mas modestos. Somos um país do Sueste asiático e as nossas atenções estão viradas para a nossa região, sendo de destacar as relações com a Indonésia e a Austrália, dois vizinhos incontornáveis. A maior parte do nosso comércio é com Indonésia, Austrália, Singapura, China, etc.

A alfabetização da maioria da população é um objectivo viável a curto ou médio prazo?

A alfabetização de toda a população só pode ser um objectivo a longo prazo, isto é, de uns dez a 20 anos. Com a cooperação de Portugal, Brasil e Cuba estamos a fazer um grande esforço nesse sentido. Temos excelentes equipas de professores portugueses, brasileiros e cubanos. Cuba está a apoiar-nos muito na alfabetização de adultos, foi o primeiro programa inaugurado por mim como primeiro-ministro. A vertente mais importante, dominante, da cooperação com Cuba é na área da saúde. Temos uns 600 jovens a cursar Medicina em Cuba e mais de 100 a estudar sob a mão amiga de professores médicos cubanos. Além disto temos perto de 200 médicos cubanos a trabalhar em Timor--Leste, colocados em todos os distritos e subdistritos do país.

O inglês poderá vir a ser uma das vossas línguas oficiais, a par do tétum e do português?

O inglês e o bahasa indonésio são duas línguas de trabalho estipuladas na Constituição. Temos que investir mais no seu ensino. Elevar o seu estatuto para línguas oficiais? Não descarto esta possibilidade, mas careceria de um parecer de linguistas e pedagogos, de muito debate, para pesarmos todas as vantagens e desvantagens de tal opção. Acredito que devemos dar às gerações actuais e futuras instrumentos de comunicação e acesso à informação, à ciência e à tecnologia, e isto é mais facilmente feito através do inglês. O bahasa indonésio é também muito importante pelo simples facto de que uns 50 por cento do povo ainda fala o indonésio, pelo facto dessa língua ser falada por 250 milhões de pessoas na Indonésia, 30 milhões na Malásia. É sobretudo uma língua que já faz parte da nossa história, das nossas vidas, da nossa cultura.

Estes últimos meses têm sido ou não de acalmia?

De uma maneira geral, no plano de segurança, a situação em todo o país está muito mais calma. Depois dos eventos tristes e trágicos de Agosto (para não falarmos da situação que se vivia no ano passado, que foi bem mais trágica), graças ao esforço concertado da UNPOL (polícia das Nações Unidas), da GNR, da nossa polícia e das Forças de Segurança Internacionais, a situação estabilizou rapidamente. As nossas Forças de Defesa desempenharam um papel cívico extremamente importante no apaziguamento dos ânimos. O brigadeiro-general Taur Matan Ruak, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, foi incansável, um verdadeiro homem de Estado e de paz, ajudou-me imenso com os seus homens a remover obstáculos nas estradas, a realizar diálogos, a fazer mediação. A maior parte da nossa polícia também se portou muito bem. A liderança da Fretilin de igual modo ajudou na tranquilização. Mas a situação continua precária. Não se pode dizer com demasiado optimismo que está tudo resolvido. O Estado é novo, recente, logo necessariamente frágil, e é preciso muita prudência e paciência quando se quer resolver certas situações mais complexas.

O principal partido actualmente na oposição está a conseguir coexistir razoavelmente com a aliança governamental?

A liderança da Fretilin continua a dizer que a minha decisão em convidar a Aliança da Maioria Parlamentar (AMP) é inconstitucional e logo o IV Governo liderado pelo nosso irmão Xanana é ilegal. Convidei--os a levar o caso ao Tribunal de Recurso, mas ainda não tiveram a coragem de o fazer. A liderança da Fretilin pode também iniciar um processo de impeachment do Presidente pela via do Parlamento, se realmente acredita que cometi um acto inconstitucional. Mas a base da Fretilin tem sido mais pragmática do que certa liderança. Exemplo disso é Suai, onde também a Fretilin obteve a maioria. Ali a liderança regional da Fretilin disse claramente em reunião pública comigo: "Uma vez tomada uma decisão pelo Presidente da República, nós acatamos. Não questionamos. Aqui em Suai todos os partidos estão a colaborar". Isto está a acontecer em todos os outros distritos. Acabo de me reunir com todos os administradores dos três distritos e subdistritos de Baucau, Lautém e Viqueque e todos em uníssono comprometem-se a trabalhar com o Presidente da República e com o Governo, porque dizem: "Nós somos da Fretilin, mas somos servidores do Estado."

Como é que vê os pedidos para o afastamento do procurador-
-geral da República?

Longuinhos Monteiro foi reconduzido por mais quatro anos, pelo então Presidente da República, pouco antes do término do seu mandato. Não tenho razões de força maior para o substituir.

Existe alguma novidade no caso do major Alfredo Reinado e no dos ex-peticionários?

O Governo estabeleceu um grupo de trabalho liderado pelo secretário de Estado para a Segurança, Francisco Guterres, para resolver os dois casos pela via do diálogo. Ele é altamente experiente em resolução de conflitos. Tem um mestrado pela Universidade de Uppsala (Suécia) e um doutoramento pela Universidade Nacional da Austrália em Resolução de Conflitos. Além disso é assistido pelo Centro para o Diálogo Humanitário, de Genebra (Suíça), e por uma organização não governamental timorense. Com paciência e prudência, vamos fechar estes dois dossiers. O caso de Alfredo Reinado prende--se com a justiça, embora esteja ligado também à questão dos peticionários e aos eventos de 28 de Abril de 2006.
Jorge Heitor

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