30.6.08

África continua a tolerar Mugabe

Os dirigentes africanos ontem reunidos na cimeira de Sharm El-Sheik, no Egipto, manifestaram-se pouco permeáveis aos apelos do antigo Presidente sul-africano Nelson Mandela e de outros estadistas internacionais para que dissessem claramente que os resultados da segunda volta das presidenciais no Zimbabwe “não são legítimos”; e preferiram aparentemente recomendar ao Presidente Robert Mugabe que encete conversações com a oposição.
Os observadores da própria União Africana (UA), dos parlamentos africanos e da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) reconheceram que as eleições da semana passada não respeitaram os padrões exigidos; mas mesmo assim a maioria dos líderes reunidos em cimeira não aceitou as exigências ocidentais de sanções. Nem sequer a de um grupo de reflexão que, além de Mandela, reunia o anterior secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, o antigo Presidente norte-americano Jimmy Carter e a antiga Presidente irlandesa Mary Robinson.
A voz do imobilismo foi expressa pelo decano dos chefes de Estado africanos, o gabonês Omar Bongo, há 41 anos no poder: “Mugabe foi eleito, prestou juramento e está aqui connosco. Portanto, é Presidente, não se lhe pode pedir mais. Fizeram eleições e creio que as ganhou. Os africanos são capazes de decidir por si próprios. Acolhemos Mugabe como um herói”.

Pretória quer um compromisso
Estas afirmações feitas à AFP e à emissora francesa RFI poderão ser conjugadas com o apelo sul-africano a um Governo de unidade entre a ZANU-Frente Patriótica e o Movimento para a Mudança Democrática (MDC), de Morgan Tsvangirai, que ficou à frente na primeira volta das presidenciais mas não aceitou ir à segunda, devido à violência do regime. Ou ainda com o reconhecimento pelo primeiro-ministro etíope, Zeles Menawi, de que terá de haver “alguma espécie de negociações”.
Mugabe está habituado a ser aplaudido de pé nas reuniões africanas, onde se sentam pessoas como o coronel líbio Muammar Kadhafi, há 39 anos no poder, ou o próprio anfitrião desta última cimeira, o egípcio Hosni Mubarak, que há 27 anos sucedeu ao assassinado Anwar Al-Sadat. E por isso medo não teve qualquer pejo de comparecer em Sharm El-Sheik, horas depois de tomar posse para o seu sexto mandato.
Jorge Heitor

8.6.08

"La Dolce Vita" da senhora Mugabe

Grace Marufu Mugabe, antiga secretária de 44 anos que desde 1996 é casada com o Presidente do Zimbabwe, levantou a semana passada 80.000 dólares (50.845 euros) do banco central do seu país para fazer compras em Roma, enquanto o marido participava na cimeira da FAO sobre a fome no mundo, escreveu ontem o jornal sul-africano The Cape Argus.
A nova loucura despesista da primeira dama, numa altura em que milhões de compatriotas seus estão a viver no estrangeiro por não encontrarem emprego no Zimbabwe, enfureceu mesmo alguns dos altos funcionários do banco, que falaram de uma atitude “desumana”, refere o artigo.
É conhecimento geral que a antiga Rodésia necessita de todo o dinheiro que for possível para adquirir alimentos e outros bens essenciais, mas a primeira dama prefere gastar as reservas nacionais nas criações de grandes costureiros; e até mesmo em sapatos, como acontecia com a filipina Imelda Marcos. “Tenho os pés muito estreitos, de modo que só calço Ferragamo”, explicou recentemente Grasse, a propósito da sua predilecção pelas colecções do italiano Salvatore Ferragamo.
A forma muito especial de a ex-secretária de Mugabe ter assinalado a cimeira mundial contra a fome verificou-se alguns meses depois de, em Janeiro, ter levantado 100.000 dólares (63.557 euros) para ir de férias com o marido e os três filhos até à Tailândia e à Malásia, tendo-se chegado entretanto a especular que este último destino poderia um dia vir a ser o lugar de exílio para o casal, se a isso fossem obrigados pelas circunstâncias.
Cada uma das deslocações do Presidente e da sua mulher, 40 anos mais nova, significa um grande saque no Tesouro zimbabweano, com o pormenor de que Grace ainda está a beneficiar de uma cotação muito especial: 30.000 dólares zimbabweanos por cada dólar norte-americano, enquanto no mercado paralelo são já necessários pelo menos 1.500 milhões de dólares nacionais para se obter um só dólar dos Estados Unidos.
A mulher cujo casamento com o líder da ZANU-Frente Patriótica ficou a marcar o resvalar do país para o abismo é já conhecida ironicamente como a “primeira compradora” da nação, em vez de primeira dama, dizendo-se até que ela é uma das pessoas mais influentes do regime. E já lhe chegou a ser atribuída a afirmação de que o candidato presidencial do Movimento para a Mudança (MDC), Morgan Tsvangirai, jamais irá ocupar a State House, sede do poder.
Em Roma, enquanto Mugabe ouvia debater a melhor forma de se acabar com a fome no mundo, Grace, nos intervalos das compras, ocupava uma suite de 890 euros diários no Ambasciatori Palace Hotel, em Via Veneto. Era “La Dolce Vita”.
J.H.

7.6.08

Não deitem foguetes quanto a Obama

Não é por metade do seu sangue ser africano que um indivíduo é melhor ou pior do que os outros. Só o futuro e as suas acções é que o irão dizer

Jorge Heitor

E de repente o mundo pretendeu acreditar em milagres: que um “negro” iria ser Presidente dos Estados Unidos da América e que de aí em diante tudo iria ser diferente, para a América, a África e o Mundo. Ilusões, puras ilusões, miragens, digo eu.
Nem o indivíduo em causa é negro, mas simplesmente mestiço, nem de modo algum está garantido que em Novembro venha a ganhar as eleições, mesmo que ao longo dos últimos meses as sondagens o tenham colocado algumas vezes à frente do republicano John McCain.
Barack Hussein Obama (que irónico que seria ver um Hussein na Casa Branca, depois de George W. Bush ter derrubado Saddam!) nasceu nas ilhas do Hawai, em pleno Pacífico Norte, filho de uma norte-americana do estado do Kansas e de um cidadão do Quénia, aparentado com a família Odinga, cujas ambições presidenciais são de há muito conhecidas.
Barack, o menino bonito, foi aos seis anos para a Indonésia, terra de todos os perigos, e voltou em 1971 para o Hawai, terra de flores e ananazes, havendo-se inclusive deliciado na adolescência, segundo dizem, com umas passas de marijuana e de cocaína, para se integrar devidamente na civilização ocidental, conhecida desde a segunda metade do século passado pelo seu consumo de drogas.
No ano de 1983, há 25 anos portanto, Barack Hussein, pequeno e relativamente belo, cor de chocolate, licenciou-se em Ciências Políticas, ramo das Relações Internacionais, na Universidade de Columbia, estado de Nova Iorque. Tudo nos conformes, como qualquer outro rapaz norte-americano que pretendesse singrar no campo da política. E foi para Chicago, a cidade dos gangsters, do Al Capone, onde trabalhou para grupos religiosos que ajudavam os pobres do estado do Illinois, no chamado Midwest dos Estados Unidos. Da África, nem um sinal, nem uma visita, tanto quanto se saiba.

Direito, pois claro

Barack Hussein Obama andou de 1988 a 1992 a estudar Direito, na Universidade de Harvard, e tornou-se aí o primeiro mestiço (eles costumam dizer afro-americano) a presidir à revista jurídica do local, como se estivesse predestinado a dar mais justiça ao mundo.
Depois, na década de 90, uma vez mais em Chicago, no seu Illinois de adopção, ele leccionou e trabalhou com advogado dos direitos cívicos, até entrar para o Senado estadual, de onde em 2004 transitaria para o nacional, ou federal, numa autêntica marcha triunfal que nos leva a perguntar se não teria tido os deuses a protegê-lo.
Em 2003 foi um dos que se opôs à invasão do Iraque pelos Estados Unidos da América, que ainda hoje lá estão e que lá pretendem continuar durante muito tempo mais, mediante acordos secretos que Bush tem vindo a negociar para deixar de pés e mãos atados quem lhe vier a suceder.
Obama tornou-se uma mania de muita gente, no seu país e não só, como se ele fosse um novo messias, o Redentor dos povos com sangue africano. Era fotogénico e dava boas capaz de revista.

Atenção ao Darfur

Barack Hussein Obama tem falado da violação dos direitos humanos no enorme Darfur, por parte das autoridades sudanesas, já visitou os refugiados dessa terra que foram para o vizinho Chade; e pediu à Administração Bush que se dignasse fazer mais alguma coisa no sentido de parar com a carnificina.
Quanto ao conflito entre Israel e a Palestina, chegou a julgar-se que seria mais amigo dos palestinianos do que outros políticos norte-americanos; mas mal o escolheram para candidato formal do Partido Democrata veio dizer que Jerusalém é toda ela uma unidade e que é integralmente israelita, sem qualquer respeito pelos anseios e pelas reivindicações árabes. Quem pretende singrar na corrida à Casa Branca tem sempre de ter em conta o peso de mais de cinco milhões de judeus que há nos Estados Unidos, quase tantos como no próprio Estado de Israel.
Muitas vezes, uma pessoa que se vê à beira de conseguir um alto cargo, ou que o consegue, transige, deixa de parte muitos sonhos da juventude, varre as promessas para debaixo do tapete. E é disso que eu tenho medo em relação a este rapaz Obama, este que alguns gostariam de ver como o menino maravilha vindo ao mundo para resgatar tantos dos pecados da grande nação norte-americana.

Irão e Síria

Barack Hussein tem defendido o diálogo com Teerão a propósito do programa nuclear iraniano, bem como conversações com a Síria e a Coreia do Norte, outros países de que Washington não gosta mesmo nada. Mas terá ele experiência suficiente para levar por diante uma política de abertura, no caso de vir a ser eleito. Ou ficará esmagado pelos compromissos que entretanto terá de estabelecer, com os poderosos círculos norte-americanos de interesses que em última análise decidem quem é que fica ou não na Sala Oval.
Vocês acreditam que o voto nos Estados Unidos é livre e universal e que 80 ou 90 por cento da população vai às urnas determinar quem é que a há-de governar? Olhem que não é bem assim. A abstenção costuma ser muito grande e a tão apregoada democracia, que se quer ensinar a todo o mundo, por vezes não é totalmente levada à letra na terra do Tio Sam.
Bem prega frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz. E todo o fervor democrático que encontramos nas palavras de um George W. Bush, de um Bill Clinton ou de um John McCain nem sempre é aplicado a 100 por cento, restando portanto ver se com um jovem que seja mestiço isso será muito diferente.
Os sonhadores vêem nele um indivíduo pronto para mudar a América e o mundo, para reinventar tudo. Mas eu prefiro ver e crer, como São Tomé, de modo que não vos garanto desde já que Barack Hussein Obama venha a ser no próximo mês de Novembro eleito Presidente dos Estados Unidos da América do Norte. Nem que, na hipótese de o ser, tenha condições para uma presidência excepcional. Convém não deitar foguetes antes de tempo, pois a Humanidade já sofreu muitas desilusões.

5.6.08

Há 10 anos a ONU alertou para a fome no Sudão

Mais de um milhão de pessoas estavam há 10 anos ameaçadas de fome no Sudão, pelo que a ONU reconheceu oficialmente o facto, chamando assim a atenção para o que estava a acontecer no Sul do país, onde a maioria da população é cristã ou animista, sentindo-se discriminada pelas autoridades muçulmanas de Cartum. O extraordinário aumento de esfomeados levou então o Programa Alimentar Mundial (PAM, agências nas Nações Unidas) a solicitar uma extraordinária operação de apoio às pessoas mais em risco nas “zonas de fome”, onde os Médicos Sem Fronteiras já mantinham centros especiais para alimentação de crianças esqueléticas. Perto de 100.000 pessoas acabaram por morrer nessa fome de 1998 no Sul do Sudão, uma região que hoje em dia continua a suscitar grandes preocupações, depois de o movimento de libertação que a representa, o SPLM, ter denunciado no último trimestre de 2007 que não estava a ser devidamente cumprido o acordo de paz assinado em 2005 com o Governo federal. Novos avisos de fome voltaram ao longo dos anos a ser feitos pelo PAM e entretanto os problemas sudaneses complicaram-se ainda mais com a luta na parte ocidental do país, o Darfur, de onde centenas de milhares de pessoas já tiveram de fugir para o vizinho Chade. Segundo a Amnistia Internacional, os conflitos entre diferentes milícias continuaram ultimamente a verificar-se no Sul do Sudão, muitas vezes com morte ou rapto de civis. JH