Na 7ª Cimeira da CPLP em Lisboa em Julho de 2008, Portugal assumiu a presidência desta organização para os próximos dois anos. Nesta cimeira, os chefes de Estado e de Governo dos oito Estados membros “reiteraram o seu compromisso para com a Democracia, o Estado de Direito, o respeito pelos Direitos Humanos e pela Justiça Social”, princípios também consagrados nos estatutos da comunidade lusófona. Ao mesmo tempo, realçaram “a necessidade de prosseguir a aproximação à Guiné Equatorial, enquanto Observador Associado da CPLP, privilegiando a difusão e o ensino da Língua Portuguesa no país e a promoção de um relacionamento bilateral económico e comercial, traduzindo a vontade política de apoiar a integração do país na Comunidade.” É óbvio que os dois compromissos sejam incompatíveis, pois, na realidade, desde sempre a Guiné Equatorial tem representado exactamente o oposto da democracia, do Estado de direito e do respeito pelos direitos humanos e pela justiça social. Desde Teodoro Obiang Nguema, que chegou ao poder nesta ex-colónia espanhola em 1979, ao derrubar o seu tio Francisco Macías Nguema, através de um golpe de Estado sangrento, o seu regime despótico tem sido conhecido por ser um dos mais repressivos e corruptos em África. Obiang, na altura do golpe chefe da guarda presidencial de Macías, acabou com o regime de terror do seu predecessor que desde 1968 tornara a Guiné Equatorial em uma das ditaduras mais violentas de África, mas manteve o poder despótico, a corrupção excessiva e as violações dos direitos humanos. Em 1991 o regime de Obiang, o segundo líder africano que há mais tempo está no poder, introduziu formalmente o multipartidarismo, contudo, as eleições nunca foram consideradas livres e justas. O clã de Obiang e o seu Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE) têm sempre exercido o monopólio absoluto sobre a vida política e económica do país.
Desde a descoberta de petróleo nas suas águas territoriais nos anos de 1990 a Guiné Equatorial tornou-se o terceiro maior produtor de petróleo na África subsariana, actualmente com um PIB per capita equivalente ao da Itália. A riqueza petrolífera ainda reforçou o poder político do clã que controla o pequeno país desde 1968. Por outro lado, apesar da riqueza petrolífera, 77% da população contínua viver abaixo do limiar da pobreza. A Guiné Equatorial é o país com a maior diferença entre a posição do PIB per capita (nº 28) e a do Índice do Desenvolvimento Humano (nº 118). No ranking da corrupção da Transparência Internacional o país ocupa o 168º lugar numa lista de 180 países.
Não admira que, nos últimos anos, o regime equato-guinense tenha pago milhões de dólares a escritórios de advogados norte-americanos por campanhas publicitárias numa tentativa de melhorar a sua imagem no exterior. Porém, na realidade, desde 2004, quando Obiang solicitou a integração da Guiné Equatorial como Estado membro na CPLP, o seu regime não deu sinais de mudanças significativas. Ao contrário, em Maio 2008, dois anos depois da admissão da Guiné Equatorial com primeiro observador associado da CPLP e dois meses antes de Obiang ter participado na Cimeira em Lisboa, o PDGE e os seus aliados obtiveram 99 dos 100 assentos na Câmara dos Representantes do Povo. Nas eleições presidenciais de Novembro de 2009, Obiang foi reeleito para mais um mandato de sete anos com 95.4% dos votos, um resultado típico de um regime ditatorial. Em Abril de 2010, a Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas (EITI) expulsou a Guiné Equatorial devido ao não cumprimento do compromisso assumido com esta organização internacional para a promoção de transparência em países ricos em recursos naturais. O país foi o único de 17 países cujo pedido de prorrogação do prazo para a implementação das medidas de transparência exigidas pela EITI foi rejeitado. Em 15 de Junho a UNESCO suspendeu um prémio baptizado com o nome de Obiang, depois de uma onda de protestos internacionais contra o prémio com o nome do ditador corrupto. Num relatório publicado em 2009 a Human Rights Watch concluiu que “o governo da Guiné Equatorial não apenas falhou em reduzir a corrupção endémica, mas também geriu mal consistentemente a sua riqueza de receitas petrolíferas”. Além disso, “na década passada, o governo fez progresso muito limitado relativamente aos direitos cívicos e políticos”. Neste ano, a Open Society Justice Initiative do investidor George Soros resumiu num relatório sobre a corrupção na Guiné Equatorial que “ao controlar os sistemas político, económico e legal – e utilizando este controlo para se enriquecer – o grupo de Obiang criou uma cleptocracia quase perfeita. Raramente tão poucos têm roubado descaradamente tanto.”
Não obstante disso, durante a presidência portuguesa a CPLP e os seus Estados membros intensificaram as relações com a ditadura em Malabo. Domingos Simões Pereira, o secretário executivo da CPLP, defende a integração da Guiné Equatorial com o argumento que os outros Estados membros também não cumpriam os princípios políticos da organização. Esta argumentação não apenas minimiza os princípios da própria comunidade, mas também nega completamente que, ao contrário da adesão da Guiné Equatorial, no caso dos actuais membros da CPLP não houve nenhuma escolha, pois estes são Portugal e as suas ex-colónias, onde o português sempre foi língua materna ou língua oficial respectivamente. Também a língua portuguesa, o principal critério da pertença à CPLP, é mal tratada no contexto da adesão da Guiné Equatorial, onde as línguas oficiais são o castelhano e o francês, introduzido em 1998, porém, sem quaisquer consequências práticas.
Para poder ser estado membro da CPLP, a Guiné Equatorial tem de introduzir o português como terceira língua oficial. No caso do regime despótico de Obiang, esta introdução faz-se simplesmente por decreto presidencial, um procedimento impensável num país democrático. Parece mais do que duvidoso que esta imposição numa ditadura corrupta possa contribuir para a afirmação da língua portuguesa no plano internacional, como alguns defensores do português como “língua global” querem fazer crer. Seria exactamente o mesmo, se o presidente Malam Bacai Sanhá de repente decretasse o castelhano como língua oficial da Guiné-Bissau, país de Simões Pereira. Parece absurdo e bizarro tentar dar a esta imposição ditatorial do português como língua oficial na Guiné Equatorial alguma credibilidade pelo envio de professores de português, como fez a diplomacia portuguesa, pois nenhum país se torna falante de uma língua através do seu ensino nas escolas. Basta ver a posição do francês na Guiné Equatorial doze anos depois da sua imposição como segunda língua oficial para não se fazer qualquer ilusão relativamente ao português neste país de língua castelhana. Também o prometido financiamento do português como língua de trabalho nas Nações Unidas pela ditadura de Obiang não pode prestigiar o português perante a comunidade internacional.
A CPLP alega razões históricas que justificariam a adesão da Guiné Equatorial, visto que as ilhas de Annobón e Bioko (ex-Fernão Pó), que fazem parte do seu território, pertenciam formalmente a Portugal até 1778. Contudo, durante 300 anos, Fernão Pó, nunca foi colonizado por Portugal e a minúscula ilha de Annobón (17 km²) foi apenas povoada com escravos africanos. De facto, o país que, além da Espanha, tem realmente laços históricos com a Guiné Equatorial é a Grã-Bretanha, pois foram os britânicos que em 1827 colonizaram Fernão Pó e fundaram a capital Malabo, muito antes da colonização efectiva do território por Espanha. O principal motivo da aproximação da CPLP da Guiné Equatorial não tem nada a ver com história nem língua, mas sim com o potencial económico deste pequeno país africano de apenas 600.000 habitantes. Em 2011 o país organizará a cimeira da União Africana e em 2012 realizará, junto com o Gabão, o Campeonato Africano das Nações, dois eventos que prometem aumentar os investimentos em infra-estruturas. Não admira que também empresas portuguesas e brasileiras queiram participar nas oportunidades de negócio que o pequeno país oferece. Espera-se que a integração na CPLP lhes facilite a competição com outras empresas estrangeiras pelos contratos milionários com o regime em Malabo.
Em 23 de Julho, a 8ª Cimeira da CPLP em Luanda vai tomar uma decisão sobre a adesão da Guiné Equatorial como membro de pleno direito o que depende da aceitação unânime por todos os oito Estados membros. A solicitação de Obiang já tem o apoio dos países-membros africanos que também esperem beneficiar da riqueza da Guiné Equatorial. São Tomé, por exemplo, já anunciou que está a negociar com Malabo um crédito de €50 milhões, cerca de cinco vezes o montante que Portugal paga anualmente a esta ex-colónia. Resta saber se Portugal e Brasil, dois países que se livraram da ditadura em 1974 e 1985 respectivamente, estarão também disponíveis a ignorar os próprios princípios políticos da CPLP para aceitar a ditadura de Obiang no seio da comunidade lusófona. Uma vez integrada na CPLP qualquer influência sobre o regime ditatorial na Guiné Equatorial é impossível, visto que um outro princípio desta comunidade é a não-ingerência nos assuntos internos de cada Estado.
Gerhard Seibert
Investigador em Estudos Africanos 17 Junho 2010
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