25.1.17

Gâmbia: Os impactos na Guiné-Bissau

A imagem não foi escolhida ao acaso e espelha desde logo a importância dos acontecimentos em Banjul e do efeito, pela proximidade, que poderá ter na vizinha República da Guiné-Bissau (RGB). Para quem ainda não está sintonizado/a com o assunto, Yahya Jammeh, Presidente da agora República Islâmica da Gâmbia durante os últimos 22 anos, perdeu as eleições presidenciais em Dezembro de 2016 para o seu oponente Adama Barrow. Ainda durante a noite eleitoral, à medida que os resultados iam confirmando a vitória de Barrow, Jammeh aceitou publicamente a derrota, dizendo também que se retiraria para a sua quinta, em Kanilai, sua tabanka natal e que se dedicaria à agricultura. Uns dias depois deu o dito por não dito e disse que não aceita(va) os resultados, recusando-se desde então a abandonar a Presidência. (Entretanto a crise e o impasse já terminaram, já que Yahya Jammeh já se retirou para o exílio na Guiné-Equatorial. O “destempo” da publicação deve-se a uma avaria no PC, do qual fui privado 3 dias).
Esta tomada de posição fez soar os alarmes da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e não só, que de imediato foram enviando Chefes de Estado a Banjul, capital da Gâmbia, para convencer o Presidente Jammeh a sair e aceitar exílio na Nigéria (líder da CEDEAO), Mauritânia, Qatar e Marrocos (não membros da CEDEAO). A CEDEAO ameaçou intervir militarmente, caso o resultado das eleiçõoes não fosse aceite, mas também deu o dito por não dito e, finalmente, certamente por pressão da Nigéria, voltou à palavra inicial, colocando 7 mil tropas da Nigéria, Senegal, Mali, Gana e Togo, na curta fronteira entre a Gâmbia e o Senegal.
Adama Barrow tomou posse como novo Presidente, na Embaixada da Gâmbia em Dakar, no passado 19 de Janeiro, data limite dada pela CEDEAO a Yahya Jammeh, para abandonar a Presidência, ou seria retirado à força. Há notícias de que estas tropas já estarão em território gambiano, a postos para repor a legalidade constitucional no país, mas até este momento vive-se um impasse, sendo certo que o ex-Presidente já viu a sua Vice—Presidente abandonar o cargo, bem como o seu CEMGFA celebrar nas ruas, a tomada de posse do novo Presidente. Ou seja, encontra-se cada vez mais isolado e com o Exército partido ao meio entre as étnias Djola e Mandinga, por culpa de Jammeh, que já nesta fase de tensão final ameaçou matar pessoalmente todos os militares mandingas nas fileiras, caso se colocassem do lado de Barrow. Do ponto de vista étnico, vale a pena acrescentar que o ex-Presidente Jammeh é Djola e o novo Presidente Barrow é filho de mãe Mandinga e de pai Fula, o que também dá esperanças aos gambianos que o futuro poderá passar por um desejado período de “políticas não étnicas”, o contrário do que Jammeh fez nos últimos anos.
POR QUE É QUE A CRISE NA GÂMBIA INTERESSA À LUSOFONIA?
Desde já recorro de novo à imagem que ilustra o texto, mas também poderia ter colocado uma que mostra a estrada, desde Bissau a Banjul, uma distancia menor de 300 km. A proximidade é o maior problema, de tal forma, que Luís Vicente, um luso-guineense, profundo conhecedor das realidades e dependências da RGB, prioriza o Porto de Banjul, como principal ponto de abastecimento da RGB, o que em caso de conflito, terá de imediato repercussões neste país lusofono. Outra consequência imediata e que já está a acontecer, é uma vaga de refugiados no sentido do sul do Senegal e norte da RGB, sendo já 45 mil os deslocados registados pelas Nações Unidas e, neste ponto, o Professor Eduardo Costa Dias (ISCTE), certamente o melhor especialista português na África Ocidental, alerta para o perigo de uma vaga futura de refugiados, ser um atractivo para o estabelecimento de mais traficantes de droga em Bissau e arredores, enquanto aproveitam o caos regional para se esconderem e prosperarem.
Quanto às tensões étnicas, Costa Dias desvaloriza o cenário de um efeito dominó em direcção à RGB. O efeito de contágio seria, na opinião deste Académico, via Felupes/Djolas da Gâmbia e Casamansa, assunto ao qual já iremos.
Jorge Heitor Jornalista/Africanista, com profunda experiência na RGB reforça o facto de a RGB ter sempre tido políticos nascidos, criados ou com laços familiares na Gâmbia, como foi o caso de Iaiá Camará, vice-presidente de Nino. Os felupes do Norte da RGB e os djolas gambianos são afins. José Mário Vaz (JOMAV), Presidente da RGB tem tido em Jammeh um grande sustentáculo, pelo que com a saída deste ficará mais frágil. Em complemento, Luís Vicente reforça a ideia da influência da figura do Presidente Jammeh, na actual crise constitucional na RGB, já que a grande reviravolta do PRS, após o regresso dos seus líderes da Gâmbia, na sequência do convite formulado por Yahya Jammeh para resolução do conflito político que opunha o Presidente JOMAV e o PAIGC, onde consta que foram assumidos compromissos políticos e até financeiros. Quem andou a financiar o próprio governo de Baciro Djá, uma vez que o orçamento nunca chegou a ser aprovado na Assembleia da República? Questiona Vicente! E, conclui que o grupo dos 15 teve muito mais impacto quando regressou da Gâmbia e a partir daí os problemas políticos intensificaram-se de uma tal forma que ainda hoje se sentem os resquícios dessa batalha terrível que está a destruir as esperanças do povo guineense. Quer queiramos ou não, os problemas da Gâmbia têm um forte impacto na Guiné-Bissau em todos os sentidos, nomeadamente, social, económico e religioso. No que se refere à componente Social, na medida em que já assistimos a fuga da população gambiana com destino à RGB e ao Senegal, o que criará maiores dificuldades ao país, uma vez que não oferece condições para dar suporte às suas populações quotidianamente, sendo agora confrontado com um “BOOM” de refugiados gambianos.
CONSEQUÊNCIAS DA SAÍDA DE JAMMEH
Já se sabe, como disse anteriormente, que o agora ex-Presidente Yahya Jammeh, se encontra exilado na Guiné-Equatorial, país membro da CPLP, para onde levou 11 milhões de dólares dos cofres gambianos. Em primeiro lugar e, desde já, assinalar o silêncio do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, que sobre este assunto (o roubo deste dinheiro e consequente exílio de Jammeh num país membro da CPLP). É nestas ocasiões que se afirmam as lideranças destes projectos multilaterais e sempre competitivos. Mas o silêncio não é apenas português, é geral, no seio da nossa Comunidade Lusófona. Aliás, não creio ter visto este assunto passar na Media portuguesa, em semana de tomada de posse do 45º Presidente americano.
Jammeh saiu, mas não significa que fique quieto, voltando a Jorge Heitor, este refere que Jammeh tem a sua base tribal e, ao que consta, grandes depósitos de armas na fronteira da Gâmbia com a Casamansa, pelo que poderia retirar-se para aí e desenvolver uma guerrilha, incendiando todo esse território. Se o escorraçarem de Banjul, ele poderá tornar-se o padrinho da guerrilha separatista da Casamansa, afectando muito naturalmente toda a faixa setentrional da Guiné-Bissau, a começar por Varela e São Domingos. Não foi “para aí” (Kanilai, na fronteira sul da Gâmbia, hipótese aventada aquando do impasse), mas foi para a Guiné Equatorial, de onde poderá manipular os acontecimentos, agora com os seus milhões e os de Obiang, que todos consideramos um outsider e que poderá ver aqui uma hipótese de influenciar e condicionar ainda mais a relação de poderes no seio da CPLP e CEDEAO.
Tudo isto ganhará chão ideológico, caso o Presidente legitimo Adama Barrow, afilhado político do Presidente do Senegal, Maki Sall (étnia Fula), esteja sugestivo aos avanços deste para reactivar o acordo que estabeleceu a Senegâmbia entre 1982 e 1989, uma Confederação que uniu instituições comuns entre a Gâmbia e o Senegal, bem como promoveu uma integração dos aparelhos militar e de segurança de ambos países. Esta será também uma forma de o Senegal se afirmar regionalmente e fazer face aos avanços nigerianos no seio da CEDEAO, apresentando-se como garante da paz no Senegal, Gâmbia, RGB e até mesmo Mauritânia, Mali e Marrocos, já que as consequências regionais serão imprevisíveis de um conflito baseado em diferenças étnicas e, neste caso, numa transferência de território e soberania, que a propaganda fará sempre passar como alienação definitiva e não transferência coordenada e revogável.
Neste sentido e, em conclusão, aponto para um cenário de potencial conflito entre 2 projectos, o da Senegâmbia, apaziguador (e também de certa forma consensual entre a sofrida população gambiana que manifestou “apenas” querer paz e segurança, nos últimos dias), já que pretende ter mão no dividido Exército Gambiano, fruto desta querela Constitucional e, o projecto de uma Gâmbia-Casamansa, disruptivo e vingativo, liderado à distância pelo ex-Presidente Jammeh (o qual arrisca ser perseguido pelo TPI, promessa de campanha do seu sucessor Barrow), que apostará num quanto pior melhor e que em muito afectará a RGB, tanto na anexação de parte do seu território norte (Varela e S. Domingos) e mesmo interior norte (Oio e Bafatá), como nas tensões étnicas entre Djolas gambianos e Felupes bissau-guineenses que, por muita afinidade que exista entre ambos, tudo muda quando se alteram fronteiras.

Volto ainda ao Professor Costa Dias, como nota final que sugeriu o seguinte, Uma boa pergunta será também saber como estão a reagir os tradicionais apoios de muçulmanos radicais na Mauritania, Mali, Burkina-Faso e mesmo Médio Oriente, a Jammeh. Sobre este capítulo, assinalo a permanente atenção que a Qatari Al-Jazeera deu a este impasse, em véspera e no próprio dia da tomada de posse do novo Presidente americano, com constantes “directos” a partir de Dakar, com direito a enviado especial, demonstrativo das simpatias que o Golfo tem pelo homem que em Dezembro de 2015, fez da Gâmbia a 5ª República Islâmica do Planeta Terra (as outras são o Paquistão, o Irão, a Mauritânia e o Afeganistão).

Raúl M. Braga Pires (CINAMIL),

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