18.7.12
A Síria, segundo Raúl M. Braga Pires
Na semana em que começa o Ramadão, uma nova Resolução das Nações Unidas vai hoje, quarta-feira, a votos no Conselho de Segurança, com base no Capítulo VII. A Resistência síria também procedeu a uma forte ofensiva em vários bairros de Damasco, a capital.
Esta também é uma semana de ressaca após se ter verificado mais um massacre em Traimseh, província de Hama (12.07, 200 mortos) e das deserções do General Manaf Tlas, Comandante da Guarda Repúblicana e intimo de Bashar Al-Assad e do Embaixador Nawaf Fares, creditado em Bagdade, Iraque. Fares, o primeiro diplomata sénior a virar as costas ao Presidente Assad, deu uma informação preciosa numa entrevista à Aljazeera, ao dizer que o processo de tomada de decisão está completamente concentrado no Presidente, mas que os generais que o rodeiam não lhe estão a disponibilizar a informação toda, fornecendo mesmo por vezes, informação que não é a correcta, o que nos transporta para um cenário de provável golpe palaciano em curso. O mesmo faz todo o sentido, na medida em que a solução menos má, na qual a comunidade internacional trabalha, é a de uma saída de cena da família Assad "à iémenita". Ou seja, a família deixa o poder e recolhe tranquilamente a um provável exílio na Russia, ou no Irão, enquanto que um governo provisório e de unidade nacional toma as rédeas dos destinos do país.
Compreende-se ainda melhor a aposta nesta solução, aquando da eleição do curdo Abdelbasset Sida para a liderança do Conselho Nacional Sírio, a 09 de Junho passado, em substituição do sunita Burhan Ghalioun, apoiado pela Irmandade Muçulmana síria. Para além de se querer evitar uma Síria sunita radical no pós-regime, que certamente procederá a uma caça às bruxas, potenciando o sectarismo religioso, o círculo mais próximo d'Assad, alaouita, também quer garantir a sua própria sobrevivência física e enquanto comunidade. No fundo, são estes cerca de 12% da população que mais experiência têm na gestão da coisa pública síria, administrativa, de segurança e militar e, que muita falta farão na construção da Nova Síria. Parece que os erros cometidos no Iraque, não serão aqui replicados.
Por outro lado, Israel não poderá ter mais um Estado declaradamente inimigo nas suas fronteiras. Já tem um Líbano com o Hezbollah a norte e o Egipto com a Irmandade Muçulmana e os salafistas a sul. Não quer isto dizer que Israel e a Síria d'Assad sejam amigos, mas que uma das consequências da "Primavera Árabe" é a total perda de previsibilidade do que irá acontecer já hoje e amanhã. Insustentável.
A entrada dos revoltosos no centro da capital, também acontece num momento em que Hillary Clinton efectua a primeira visita ao Egipto já em plena II República, bem como a Israel, onde debateu o nuclear iraniano. Este facto é de crucial importância, já que antes de seguir para Moscovo esta semana, Kofi Annan passou antes por Teerão e por Bagdade, numa mensagem clara de que quer que o Irão e o Iraque (onde as tensões sunitas/xíitas se vão resolvendo à bomba) sejam incluidos no processo da "solução menos má" referida no 2º parágrafo. Mohamed Elbaradei, enquanto Director-Geral da Agência Internacional d'Energia Atómica, disse uma vez que "o Irão não é um burro, logo, não deverá ser tratado como tal". Isto a propósito da "política do pau e da cenoura", muitas vezes advogada e colocada em prática, para casos sem solução à vista, os quais se vão protelando no tempo, como é o caso das negociações sobre o nuclear iraniano.
Ao mesmo tempo que tudo isto acontece, rebeldes no centro de Damasco, Clinton no Egipto e em Israel, Annan em Moscovo, Ban ki Moon, Secretário-Geral das Nações Unidas, também se encontra em Pequim e, já agora, o Embaixador sírio creditado em Rabat, é convidado a abandonar o reino, o que entretanto já efectuou.
Plano de 6 Pontos de Kofi Annan
Não estou d'acordo quando se diz que o mesmo se trata dum fracasso total. De facto, foi incompletamente colocado em prática e a espaços, durante a primeira semana d'implantação. Depois disso passou a letra morta. No entanto, é este mesmo plano que permitiu a entrada e permite ainda a permanência de 300 observadores das Nações Unidas, os únicos estrangeiros com alguma liberdade de movimentos no país, os quais estão a criar uma base de dados e a proceder à recolha de provas sobre os acontecimentos diários no terreno. Ou seja, certamente dentro dum ano, estaremos a ouvir/ler relatos destes observadores em pleno Tribunal Penal Internacional, aquando do julgamento de elementos da hierarquia militar e policial do regime, das milicias que actuam a soldo deste, ou do próprio Bashar Al-Assad, já que no cenário do golpe palaciano, nunca será de excluir a hipótese da entrega da cabeça do Presidente numa salva de prata, acto redentor para todos/as aqueles/as que agora o rodeiam.
O prorrogação desta missão, ou não, será votada pelo Conselho de Segurança na próxima sexta-feira, dia 20 de Julho. O que falhou redondamente até aqui, foi este plano não prever a aplicação de sanções, perante o seu não cumprimento. Será esse o coelho que Annan terá que tirar da cartola, para garantir a continuidade da missão. Ou talvez não, já que o mesmo tem vindo a responder desde 12 d'Abril aos seus criticos duma forma muito pragmática e honesta. "Quem tiver uma solução melhor, que faça o favor de a apresentar". Até hoje, esta tem sido a 2ª melhor solução. A 1ª ainda não foi inventada.
Posição da Russia
Num cenário d'insitência por parte da comunidade internacional sobre o Capítulo VII, sobretudo o artigo 41º, das Nações Unidas, a Russia responde com pragmatismo da Real Politik. Em primeiro lugar há duas questões que são inegociáveis para os russos, os negócios/investimentos e o Porto maritimo de Tartus, a "duas braçadas" do Canal do Suez e dos estreitos de Dardanelos e de Bósforo, único posto militar que possui fora da ex-União Soviética. Quanto a negócios, os contratos d'armamento ascenderam nos últimos anos ao valor de 4 mil milhões de dólares pagos pelos sírios, tendo como contrapartida um investimento russo que já atingiu os 20 mil milhões de dólares, estando de momento, por exemplo, a ser construida uma refinaria de gás pela empresa Stroytransgaz. Caso o poder mude de mãos na Síria, muito provavelmente os russos serão afastados deste palco, por interesses muito mais próximos da Turquia, das monarquias do Golfo e do Ocidente.
Por outro lado, há que perceber mais 3 factores importantes. Em 1º, o cenário é de Guerra Fria no Médio Oriente e há que tomar uma posição, escolher um lado. No sentido da Grande Estratégia regional, o que se passa na Síria é o cenário onde são projectadas as tensões locais entre sunitas e xíitas, entre otomanos e persas, entre sauditas e iranianos, entre islamistas e laicos, agora também com um "minúsculo" Qatar a agigantar-se. Portanto, deste ponto de vista, trata-se de uma questão de credibilidade, o posicionamento russo, já que foi sempre através do parceiro sírio que entrou no Mundo Árabe. Em 2º lugar, os russos pura e simplesmente não confiam nos europeus e nos americanos. O exemplo do que aconteceu dias depois da aprovação da Resolução 1973 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Março de 2011, a propósito da Líbia, ainda não foi devidamente digerido pelo Kremlin, o que nos transporta para a 3ª razão. Ou seja, a Russia de Putin, precisa de marcar a diferença relativamente à Russia de Medvedev. O Artigo 41º, poderá na prática conduzir precisamente a uma situação semelhante à da Resolução 1973, já que sanções que não incluam o uso da força armada, mas que incluam uma total ou parcial interrupção de relações económicas e de comunicação por terra, mar, ar, correio, telégrafo, rádio, ou outros meios, poderá logo de seguida degenerar na criação duma zona de exclusão aérea.
Posição da China
A China lê os acontecimentos da seguinte forma. A queda do regime de Bashar Al-Assad será um primeiro passo, para numa lógica dominó, de seguida cair o regime dos Ayatollahs no Irão. Faz sentido e não andará muito longe das contas efectuadas pelos estrategas americanos, sobretudo após a "Primavera Persa" ter falhado nas presidenciais de 2009, onde o candidato reformista Mir-Hossein Mousavi Khameneh, o grande opositor do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, ter sido derrotado, muito provavelmente fruto de fraude. O "Movimento Verde", de protesto e constituido após o desfecho eleitoral, continua em lume brando, aguardando pelo melhor momento para emergir. Ora as razões da China também são simples. O petróleo que compra ao Irão, constitui "apenas" 20% daquilo que consome na totalidade e não se pode dar ao luxo de os dispensar, num cenário dominó, conforme referido e, sobretudo num momento em que já outros 20% do seu consumo total lhe faltam, após a partição do Sudão, há já um ano.
Guerra Civil
Parece uma questão semântica, mas não o é. A 12 de Junho, Herve Ladsous, Chefe da Missão d'Observadores das Nações Unidas na Síria, surpreendeu meio Mundo ao afirmar que já não havia dúvidas de que o país tinha mergulhado num estado de guerra civil. A outra metade do Mundo não ficou espantada com a afirmação, nem com o facto de se evitar classificar o conflito sírio como tal. As razões são simples, já que o facto alteraria completamente as regras do jogo. As leis da guerra passariam a vigorar, tendo que se respeitar as Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais, aqueles que são hoje considerados como criminosos e terroristas passariam a ter o estatuto de legitimos combatentes, legitimando também o uso de material de guerra mais pesado, de parte a parte. A Revolução, deixava de o ser. A pior das situações para os sírios e para a região, em oposição à opção "mal menor à iémenita".
Em rigor, o actual status quo interessa a todos. Até mesmo aos sírios, por incrível que pareça!
Raúl M. Braga Pires http://expresso.sapo.pt/maghreb--machrek=s25484#ixzz20zBweTBm
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário