22.7.12

Mais Síria de Raúl M. Braga Pires

O atentado na manhã da passada quarta-feira dia 18, na chamada Célula de Crise do regime sírio, estabelece a "Hora Zero" de um novo patamar atingido pelo conflito, certamente aquele que marcará o fim do regime da família Assad, o qual perdura desde 1971. O atentado, em si, para além das perdas significativas (Ministro da Defesa, do Interior, Vice-Ministro da Defesa, Conselheiro Militar do Vice-Presidente, Chefe da Segurança Nacional e mais, prováveis 34 oficiais superiores, que um jornalista holandês diz ter visto, mortos, no Hospital Militar de Damasco), demonstra pura e simplesmente que as fileiras militares estão irreversivelmente infiltradas, quer se tenha tratado de um atentado suicida, quer se tenha tratado d'engenho explosivo colocado no local certo, para explodir à hora certa. Certamente uma consequência da deserção do General Manaf Tlas, ex-Comandante da Guarda Repúblicana e intimo de Bashar Al-Assad. Ao decidir-se atacar esta Célula de Crise, decidiu-se atingir o centro nevrálgico do último estádio do processo d'análise das informações recolhidas e da construção de cenários e d'opções d'acção apresentadas ao Presidente, o qual toma a decisão derradeira. Dos "Quatro Magníficos" que morreram no próprio dia do atentado, destaca-se Assef Chaoukat, que para além de Vice-Ministro da Defesa, era também cunhado e figura muito próxima de Bashar Al-Assad. Segundo certos analistas, era este homem que tinha um ascendente indiscutivel no seio desta célula e junto do Presidente também, fazendo do próprio uma figura crucial no processo de tomada de decisão. Com um golpe desta dimensão, a cabeça mais visível do regime fica pura e simplesmente privada d'informação. Deserções Por outro lado, o clima de paranóia e de desconfiança nos corredores do poder, nas fileiras militares, nos serviços d'informação e entre a população pró-regime, deve ter também atingido um nível para lá do insustentável, o que certamente favorecerá mais deserções. Esta é uma das chaves para se perceber por quanto mais tempo é que o regime se vai aguentar. Ou seja, tem-se assistido a deserções, mas nunca se assistiu a deserções em massa. Fontes turcas indicam a entrada no seu território, na noite posterior ao ataque bombista, de 700 militares do exército regular sírio, do qual também se contabilizaram 1 Brigadeiro e mais 20 oficiais, dos quais 4 são coronéis. A confirmar-se e a continuarem a este ritmo, serão estes homens que poderão dar informações e consistência aos rebeldes, para ocuparem de forma definitiva pontos chave na capital e derrubarem o regime. Território Libertado Outra chave decisiva para a resolução do problema é a libertação de certas partes do território. Nunca houve benghazis na Síria, ou seja, zonas controladas pelos rebeldes, como na Líbia, que lhes permitisse um ponto de partida para a conquista, bem como um ponto de refúgio, d'apoio médico e logístico. Acontece que isso se começa a verificar, sobretudo na província d'Idlib, a norte, visível nas celebrações após o atentado. 48 horas após todos estes acontecimentos, os rebeldes conquistaram vários postos fronteiriços, sobretudo com o Iraque e Turquia, mas também com a Jordânia. Estes postos têm estado sob disputa nas últimas horas, sendo certo que alguns já foram reconquistados pelo regime. Turquia, Iraque e Jordânia fecharam as suas fronteiras com a Síria, sendo que uma das questões que se levanta de momento e que vai dar que falar no futuro mais próximo, são os postos fronteiriços iraquianos em território autónomo curdo, bem como os postos fronteiriços turcos, em território de maioria curda. Recordo que um dos bloqueios no seio do Conselho Nacional Sírio (CNS), desde há 16 meses, foi o facto de os seus membros curdos imporem aos restantes o compromisso de assumirem a criação de um Curdistão sírio autónomo, no pós-regime. Foi também para apaziguar estes ânimos que o curdo Abdelbasset Sida foi eleito Presidente do CNS a 09 de Junho, bem como para o pós-regime não ter à cabeça um sunita apoiado pela Irmandade Muçulmana. Os curdos, certamente que não perderão oportunidade de fazer deste o seu momento. Um outro detalhe importante que ainda não se tinha verificado até à passada quarta-feira e que agora é uma realidade, são os ataques bem sucedidos às esquadras de polícia, respectivo roubo e destruição. O mesmo foi verificado em estações do correio, por exemplo. Estes são pequenos detalhes que nas outras revoluções da "Primavera Árabe", se verificaram logo no início das insurreições. Na Síria, só agora se começam a verificar, o que nos dá a dimensão de como os acontecimentos de quarta-feira poderão rapidamente conduzir ao fim do regime. Capital Económica Aleppo, no norte, não muito longe d'Idlib, embora a primeira na província d'Halab, tem concentrado as atenções desde o início da revolta. É nesta cidade industrial e comercial que se concentram as grandes fortunas do país, bem como aqueles que têm sustentado o regime até então. É também o centro económico das trocas com a Turquia, servindo de porta d'entrada e saída de bens, através da auto-estrada internacional que liga Damasco a Aleppo e posteriormente à fronteira com a Turquia. Aleppo também acolheu algumas dezenas d'empresários iraquianos da zona de Mosul, durante a última Guerra do Golfo, os quais acabaram por aí se estabelecer e melhorar o nível de vida das populações locais, o que não passou despercebido ao poder central, o qual investiu ainda mais na região, canalizando projectos e oportunidades de criação de mais emprego. A importância económica d'Aleppo é de tal forma, que poderá decidir de forma crucial o desiquilibrio da balança para qualquer um dos lados. Não foi por acaso que quando se iniciaram as demonstrações públicas d'apoio ao regime, Aleppo surgiu à cabeça, demonstrando um apoio massivo. Na verdade, os seus empresários e comerciantes receberam subsídios do Estado e publicidade aos seus negócios nos media públicos para o fazerem, mas este detalhe também é bastante significativo da importância da cidade. É aqui, que neste preciso momento decorrem os confrontos mais ferozes, após as tropas regulares terem expulso os insurgentes do centro da capital. Armas Químicas No próprio dia do atentado, a Casa Branca demonstrou a sua preocupação pelas movimentações e manuseamento detectados nos paióis d'armas químicas. Ou seja, o regime fez deslocar armas químicas da períferia para o centro, deixando no ar a possibilidade de as utilizar em desespero de causa, mais do que estar a efectuar uma movimentação táctica, para as proteger de cairem nas mãos erradas, nomeadamente a Al-Qaeda. Há, de facto, esse risco, que não é d'hoje, havendo ainda outro, o de ser entregue aos operacionais do Hezbollah, braço armado do regime iraniano no Libano e aliado do regime sírio. Esta hipótese, provocou já uma reacção do Ministro da Defesa israelita, Ehud Barak, o qual disse que não tolerará qualquer tentativa d'aproximação de qualquer grupo que considera terrorista, a este tipo d'armamento. Uma intervenção israelita neste conflito, reportaria o mesmo para um outro patamar regional, nada desejável. No entanto, esta preocupação americana, é também uma mensagem para o regime sírio, dizendo que o mesmo está sob um escrutíneo apertado, quer seja por satélite, quer por drones. Onde está o Presidente? Rumores indicam que a sua família já se encontra em Moscovo, o que não foi desmentido, ao contrário, da informação de que o próprio Bashar Al-Assad já lá estaria também. Supõe-se que terá dado posse ao novo Ministro da Defesa, o General Fahad Dgasim Al-Faridg em Lattakia, cidade mediterrânica, na região das montanhas alaouitas, onde pelo nome se percebe porque é que o Presidente e o seu séquito se sentirão mais seguros. A grande novidade, no entanto, é a seguinte: Enquanto toda a gente perguntava pelo Presidente Assad, eis que surge em público o Vice-Presidente Farouq Al-Sharaa, no funeral de 3 dos "Quatro Magníficos", assumindo um protagonismo denunciador duma mudança que ainda não se tornou clara, mas que o será a breve trecho. A solução à iémenita poderá estar em curso, mas outra das consequências do atentado à Célula de Crise, é a de que a mudança de regime não poderá ser pacífica. Imaginando que o Presidente abdica de todos os poderes a favor do Vice-Presidente e segue para o exílio, nem o facto d'Al-Sharaa ser sunita o segurará. Há 16 meses que o povo grita Ach3ab iurid iskat a'nizam, o que significa "O Povo quer a queda do Regime". Nada mais. Factor Ramadão O Ramadão, momento de reflexão, é também um momento d'apelo à solidariedade, ao esforço e ao sacrifício. Sobretudo para os rebeldes, é também um momento d'apelo à memória, já que há um ano atrás não estavam sózinhos na sua luta libertadora. Com eles estavam líbios e iémenitas. Tendo estes 2 últimos regimes sido derrotados (o Iémen está do avesso, o qual abordarei em breve), há o sentimento duma inevitabilidade histórica, de que este será o ano sírio. Nesse sentido, os recentes acontecimentos, na própria semana em que se inicia o mês sagrado, são naturalmente considerados como um sinal divino. Ambos os lados estão a dramatizar o discurso no sentido da derradeira batalha, após o atentado, o qual terá certamente eco nos corações de todos, facto decisivo para o futuro do conflito. Nações Unidas A insistência russa em vetar uma resolução das Nações Unidas, como aconteceu pela terceira vez no passado dia 19, 24 horas após o atentado no centro de Damasco, significa que os russos fizeram rapidamente as contas e perceberam que ainda há possibilidades de se protelar por mais algum tempo o inevitável. É de Junho a notícia de que novas notas impressas na Russia chegaram a Damasco para combater o déficit. Várias agências dizem que o regime tem ainda dinheiro para pagar mais um ano d'ordenados, sobretudo a militares e polícias. Os israelitas dizem que há condições para se aguentarem mesmo dois. Veremos. Quanto à China, também veta pelas razões descritas no texto anterior, mas caso a Russia s'abstenha, fará o mesmo, já que não quererá assumir o ónus na totalidade e, vice-versa. No dia seguinte, 20 de Julho, foi aprovada por unanimidade, também no Conselho de Segurança, a extensão da Missão d'Obervadores por mais um mês. O derradeiro. Não faria sentido retirar estes homens do terreno, sobretudo agora que tudo se poderá resolver a qualquer instante, podendo mesmo assumir de forma oficiosa e d'improviso, por breves momentos que seja, uma outra qualquer missão. Há pelo menos 300 homens de tropa avançada e de boina azul, por mais 30 dias no terreno. Ler mais: http://expresso.sapo.pt/maghreb--machrek=s25484#ixzz21LRnjJvg

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