28.10.15

Carlos Gomes Júnior e Angola

Ex-líder da Guiné recebeu 1,5 milhões de euros do empresário angolano Domingos Manuel Inglês, que está a ser investigado no caso da compra do BES Angola. A Polícia Judiciária e o Ministério Público querem saber porquê. ANTÓNIO JOSÉ VILELA E NUNO TIAGO PINTO O empresário angolano Domingos Manuel Inglês fez uma transferência de 1,950 milhões de dólares (cerca de 1,5 milhões de euros) para uma conta bancária de que é titular Carlos Gomes Júnior, o ex-primeiro-ministro da Guiné-Bissau que vive em Portugal. A operação foi comunicada por um banco à Polícia Judiciária e ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que está a investigar os movimentos financeiros do cidadão angolano no âmbito dos inquéritos que visam as denúncias do ex-diplomata e professor universitário Adriano Parreira e do negócio da venda de 24% do BES Angola (BESA). Segundo a SÁBADO apurou, as autoridades portuguesas estão há vários meses a investigar os pormenores da transacção financeira para Carlos Gomes Júnior e as eventuais relações existentes entre o político guineense, o empresário angolano e o general Manuel Vieira Dias Júnior (conhecido como Kopelipa), chefe da Casa Militar do Presidente de Angola – e um dos principais alvos dos processos que correm no DCIAP. No entanto, a PJ já sabe que o dinheiro recebido por Gomes Júnior teve origem em várias contas do BES, sediadas no Dubai, e que essas verbas chegaram a Portugal, em Julho de 2012, através de transferências internacionais que atingiram um total de 2,5 milhões de dólares (1,9 milhões de euros). Já em Portugal, os dólares entraram inicialmente em duas contas do próprio Domingos Inglês – que não respondeu às perguntas da SÁBADO até ao fecho desta edição. Para uma das contas, no banco BIG, foram enviados 400 mil dólares (305 mil euros). Mas a maior parte do dinheiro, 2,1 milhões de dólares (1,6 milhões de euros), foi depositada numa conta que o empresário abriu, nesse mesmo mês de Julho, no Montepio Geral. – Foi precisamente deste banco, onde Gomes Júnior também tem conta, que ocorreu a transferência para o ex-primeiro-ministro guineense, chegado a Portugal dois meses antes na sequência do golpe de Estado que ocorreu na Guiné-Bissau a 12 de Abril de 2012. Antes da revolta, que o chegou a deter ilegalmente durante duas semanas, Gomes Júnior tinha sido o candidato mais votado na primeira volta (à frente de Kumba Ialá) das eleições presidenciais. DURANTE A ESTADIA em Lisboa, o Governo português tem-se limitado a autorizar as renovações das autorizações de residência e a emissão de cartas de condução de Gomes Júnior e da comitiva de guineenses que fugiu dos militares golpistas. Como não pediram o estatuto de exilados – que os impediria de ter qualquer actividade política – não recebem apoios do Estado português. Além disso, Gomes Júnior também revelou que tinha meios financeiros para viver em Portugal. Segundo consta no seu currículo oficial, o ex-primeiro-ministro fundou várias empresas na Guiné-Bissau ligadas ao comércio e à distribuição de combustíveis. Em Portugal, foi sócio de duas sociedades anónimas entretanto extintas: a Trafe, Importação e Exportação, e a Soguipal, Sociedade Comercial Luso-Guineense. Tem ainda 20% da portuguesa Crustacil, Comércio de Marisco, Lda. Contactado pela SÁ- BADO, Carlos Gomes Júnior recusou-se a responder a qualquer pergunta. Já a advogada que o representa, Sofia Lelo, afirmou, por escrito, que o seu cliente “não fará qualquer comentário sobre uma possível investigação que esteja ou não a decorrer a um outro cidadão, envolvendo quaisquer transferências bancárias vindas de Angola, até porque, a existirem para a sua pessoa, tratar-se-ão de assuntos do foro pessoal e privado (…)”. No entanto, fonte próxima do antigo primeiro-ministro guineense disse à SÁBADO que o dinheiro da transferência bancária em causa poderá estar relacionado com a venda de um imóvel onde, durante vários anos, funcionou a embaixada angolana em Bissau. Depois, quando a Missang, Missão de Cooperação Técnica Militar de Angola, deixou o país, em Junho de 2012, a representação diplomática mudou-se para o edifício até aí ocupado pelas tropas e o imóvel, alegadamente de Gomes Júnior, terá passado a ser ocupado pela Bauxite Angola, Sociedade Mineira e Investimentos, SA. ESTA EMPRESA ANGOLANA de capitais públicos e privados, que a SÁBADO não conseguiu contactar até ao fecho da edição, assinou em 2007 com o governo da Guiné-Bissau um contrato de exploração de minério que tem estado envolvido em polémica. Em Março passado, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República da Guiné-Bissau considerou, segundo o parecer a que a agência Lusa teve acesso, que o contrato assinado não respeitava a legislação do país e que podia ser rescindido unilateralmente. A SÁBADO apurou ainda que, na investigação das movimentações financeiras de Domingos Inglês, a PJ identificou a transferência de 400 mil dólares (305 mil euros), realizada em Outubro de 2012, para uma conta do BCP em Lisboa de que é titular Maria Sá Sequeira – que a SÁBADO não conseguiu contactar -, mulher do general angolano Salviano Jesus Sequeira, vice-ministro da Defesa para os Recursos Naturais e membro do gabinete do Presidente José Eduardo dos Santos. Em Janeiro de 2011, dois meses antes de a Missang chegar a Bissau, Salviano Sequeira integrou uma delegação governamental angolana que esteve na Guiné a negociar os termos da missão de cooperação técnico-militar. • Sábado | Quinta, 09 Maio 2013

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