14.3.08

Académico da África do Sul defende "justiça restaurativa"

O catedrático sul-africano Mbulelo Vizikhungo Mzamane, que veio a Lisboa proferir uma conferência na Universidade Lusófona, declarou ao PÚBLICO que prossegue "a saga" do seu país, "baseada em dois pilares complementares, o da reconciliação e do da reconstrução".
Se Nelson Mandela foi, de 1994 a 1999, "o Presidente da reconciliação", o seu sucessor Thabo Mbeki tem vindo a ser, nestes últimos nove anos, "o Presidente da reconstrução", constituindo ambos "as duas faces de uma mesma moeda".
No entender deste crítico literário e escritor, de 60 anos, "não há nenhum período mágico" para um país saído da segregação racial se reconciliar e reconstruir, sendo antes necessário dar tempo ao tempo, com uma "justiça restaurativa, e não correctiva, em que não haja vencedores nem vencidos". Segundo Mzamane, que já leccionou na Austrália, Europa e Estados Unidos, todas as crianças vão hoje em dia à escola na África do Sul, com 10 anos de escolaridade obrigatória, a partir do pré-escolar; mas tal não significa que a qualidade do ensino seja a melhor - seis por cento dos jovens não chegam sequer ao ensino superior. O que Mzamane considera manifestamente pouco para as necessidades de desenvolvimento do país.
Aprofundar a participação
"O aprofundamento da participação de todos, sul-africanos das mais diversas origens, é que é bom para a democracia"; e isto ajuda a que se proceda a uma transformação social que será tarefa para décadas, explicou o vice-reitor da prestigiada Universidade de Fort Hare. "Muitas das nossas expectativas estão agora em que se acabe com o que era irreconciliável, optando-se por formas aceitáveis de discussão". Isto tanto no que se refere à generalidade da sociedade sul-africana, como no âmbito no próprio partido maioritário, o Congresso Nacional Africano (ANC), para o qual não vê a curto prazo qualquer alternativa, devendo continuar a representar cerca de dois terços do eleitorado.
Proceder na África do Sul a uma reforma agrária abrupta, como se fez no Zimbabwe, retirando todas as fazendas aos brancos para as distribuir pelos negros, "seria como cortar a garganta", disse Mbuelelo Mzamane, propugnando sempre o pragmatismo no processo de reversão das iniquidades herdadas do passado. Na sua óptica, as áreas-chave do países são a educação (com seis por cento do Orçamento), a saúde, a habitação e a economia, tendo sempre em conta que esta última terá de ser encarada no contexto da globalização e que depende dos preços do petróleo.
Interrogado sobre se Mbeki não poderia ter já feito mais pela democratização do Zimbabwe, respondeu: "Não somos o cowboy da África Austral. Não queremos seguir a atitude de Bush em relação ao Iraque." Jorge Heitor

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