18.10.10

Uma Bélgica sempre à beira do abismo

A mais recente tentativa de resolver a crise política que se arrasta na Bélgica desde as legislativas antecipadas de 13 de Junho parece hoje votada ao fracasso, depois de os partidos de língua francesa terem rejeitado uma proposta da Nova Aliança Flamenga (N-VA).

“Fabula acta est” (a peça acabou), disse em latim o presidente do N-VA, Bart De Wever, quando esta manhã entrava para uma reunião do seu partido independentista, que ganhou as eleições na Flandres, região setentrional da Bélgica.

Ao falar assim, teatralmente, o “clarificador” indicado pelo rei Alberto II, lamentava a reacção dos partidos francófonos ao seu texto de compromisso; e confirmava estar tudo, uma vez mais, na estaca zero.

De Wever, um corpulento político de 39 anos, que disse não ter dormido na noite passada, vai às 17h00 locais (16h00 em Lisboa) declarar ao monarca a sua decepção com a reacção dos francófonos com um documento de 48 páginas para o futuro do país.

“Acta est fabula” foram as últimas palavras do imperador romano César Augusto no seu leito de morte, no ano 19 da era cristã. E a elas recorreu hoje enfaticamente o truculento De Wever quando desejou explicar à imprensa que falhara na sua tentativa de um compromisso entre as pretensões flamengas e as preocupações dos valões, que são os belgas de língua francesa.

“Não compreendo”, disse por seu turno o chefe da bancada parlamentar do N-VA, Jan Jambon, referindo-se à forma liminar como os três partidos francófonos haviam rejeitado o roteiro para uma coligação de sete partidos.

Nesta altura, os diferentes líderes políticos belgas ainda não conseguiram formar novo Governo desde as eleições de Junho, nas quais o N-VA obteve o maior número de lugares, com a sua defesa da devolução crescente dos poderes federais às três regiões do país: a flamenga, a valã e a de Bruxelas.

Os partidos francófonos vêem nas propostas de Bart de Wever um risco de dissolução da periclitante unidade nacional, com a consequente proclamação da independência da Flandres, onde vive 60 por cento de toda a população.

Hoje foi o último dos 10 dias da “missão de clarificação” de que o rei dos belgas encarregara o líder do N-VA; mas os socialistas francófonos foram da opinião de que ele não conseguira com o seu projecto ultrapassar os obstáculos existentes.

O jornal flamengo “De Morgen” já considerou que uma nova ida às urnas é cada vez mais provável, nesta altura em que a Bélgica está a necessitar de um Governo efectivo para conter um dos mais elevados índices europeus de dívida em relação ao Produto Interno Bruto. Prevê-se mesmo que essa percentagem da dívida suba 100 por cento durante o próximo ano, se bem que a administração em funções esteja a procurar ganhar tempo.

Os políticos francófonos, que representam 40 por cento dos 10,5 milhões de belgas, começaram a alertar há já algum tempo para os riscos de partilha do país derivados da radicalização da vaga independentista da Flandres, que é mais rica do que a Valónia ou a região da capital, Bruxelas.

Jorge Heitor

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