27.11.12
Escrito em Maputo: Portugal "moleque" de Angola
Portugal vira “moleque”
de Angola!
Não fosse o mundo em que vivemos hoje ("globalização"),
esta posição de Angola em relação a Portugal seria, a todos os títulos, agradável, a um excolonizado como eu, infelizmente! Repito,
o mundo em que vivemos mudou radicalmente.
Os escravos foram libertos
por convenção, o racismo
está a ser combatido quer
por via legislativa
quer por via de consciencialização,
a expressão mais alta de segregação racial,
o
APARTHEID,
deu lugar a uma nação do "arco-íris"
na
África
do Sul. Estas relações são transformadas
de dia
para
noite ou vice-versa
e todos temos de rapidamente
nos
adaptar.
A África do Sul, que criou a Comissão da
Verdade
e Reconciliação,
ainda assim se ressente das
feridas
do regime segregacionista. O famoso "Black
Cont. na pág. 8
Cont. da pág. 7
Portugal vira “moleque” de Angola!
empowment" não foi sufi ciente para sarar as feridas
profundas criadas por esse regime hediondo. Portugal,
por mais boa vontade que tenha, está inserido numa
comunidade onde existem regras de convivência e de
procedimento. Nesta comunidade, os crimes económicos
ou de branqueamento
de capitais são punidos de
forma
severa,
pelo que, em algum momento,
por mais
boa
vontade
que tenha Portugal,
as coisas irão acontecer
como mandam as regras,
independentemente
de
existirem 120 mil portugueses a trabalharem
em
Angola,
isso,
por si só, não muda as regras
do jogo,
que
é transparência
nos negócios!
Este intróito vem a propósito das declarações de
Paulo Portas, Ministro dos Negócios Estrangeiros de
Portugal, à Lusa: “o Governo português fará tudo o
que está ao seu alcance para melhorar ainda mais
as relações com Angola e não deixar que nada as
prejudique". De acordo com Paulo Portas, as relações
entre Portugal e Angola são excelentes! Paulo Portas
referiu ainda que mais de oito mil empresas exportam
para o mercado angolano e acrescentou que "inúmeros
interesses e investimentos angolanos fi
zeram
o
seu caminho e ganharam espaço muito relevante
em Portugal. Como é evidente, tudo isto é tão
importante
para os dois países que o Governo
português
fará tudo o que estiver ao seu alcance
para
melhorar ainda mais as relações com Angola
e
não deixar que nada as prejudique”.
Este exercício do Executivo de Lisboa surge em
resposta ao anúncio do Ministério Público português
através do jornal Expresso de que altos dirigentes
angolanos estão a ser investigados por suspeitas de
crimes económicos ou de branqueamento de capitais.
As referidas fi guras, segundo o mesmo jornal, são
Manuel Vicente, o general Hélder Vieira Dias e
Leopoldino Nascimento, Vice-Presidente de Angola,
Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar e Consultor
do anterior, respectivamente, restando saber o que
fará efectivamente Portugal para evitar esse referido
inquérito-crime.
Rafael Marques, um activista angolano, conhecido
por investigar casos de corrupção naquele território,
depôs em Janeiro e em Julho do corrente como testemunha
num caso de denúncia de um cidadão angolano
residente
em Portugal
e, na altura,
referiu-se a uma
longa
lista de duas dezenas
de cidadãos angolanos
com
"investimentos
e propriedades em Portugal",
acusando-os
de branqueamento
de capitais. Sendo
Rafael
Marques um cidadão angolano que denuncia
a
corrupção no seu território,
não seria mais sensato
Angola
ocupar-se
de corrigir esses casos, ao invés
de
querer
exportar problemas de um grupo de pessoas
para
um país que terá muito pouca manobra
para
"aju-
Correio da manhã dar", porque as regras são claras. Outro aspecto que
me parece relevante, a investigação de um cidadão,
tenha ele o estatuto que tiver, na minha opinião, não
deve pôr em causa as relações entre dois estados e
governos, considerando que as relações baseiam-se
no respeito mútuo.
Escrevo este artigo com duas perspectivas, a saber:
uma, de alertar aos angolanos que eventualmente
tenham adquirido propriedades e estejam a investir
em Portugal que nenhum governo os irá proteger de
acções judiciárias no quadro do espaço europeu. As
boas relações e a amizade com alguns governantes
podem adiar a execução, mas nunca impedir que
se faça justiça, de acordo com as regras da União
Europeia, onde Portugal tem a voz muito "rouca" e
dependente de outras economias mais fortes, essas
propriedades e investimentos serão revertidos a favor
desses governos um dia, por isso, é melhor ouvir a voz
do vosso concidadão no lugar de confi ar na palavra do
receptor que, certamente, será benefi ciário amanhã!
A segunda é chamar a atenção de algumas personalidades
portuguesas sobre o seu papel ambíguo na
prossecução
de relações sãs entre as antigas colónias.
Haja
o que houver,
é importante agir em função das
políticas
correctas no lugar de fazer
um paternalismo
que,
na primeira
oportunidade, descarta. A consequência
disso é mais grave
na medida em que, aí sim, serão
os
120 mil portugueses que se sujeitarão à vingança
de
quem for a perder.
Serão os oito mil empresários
cujos
negócios serão bloqueados como consequência
de
não cumprimento de algo que, à partida, estava
claro
que seria difícil conseguir.
Portugal deve desenvolver as relações com os países
em estrito respeito às convenções
internacionais
e
a demais legislação.
Portugal
não deve
afi
rmar que
esteja
"disposto
a tudo para salvaguardar relações
com Angola",
mesmo sabendo que se trata
de
uma
promessa difícil de cumprir.
A terminar, Portugal deve ter o sentido de autoestima
mesmo considerando
a fase em que atravessa,
porque,
parafraseando
a mãe do meu colega Baptista,
“quanto
mais baixar as calças mais se vê o que
pretende
proteger".
Portugal
não deve
ser moleque
de
Angola, embora
assim o desejasse!
REFLEXÃO, de Adelino Buque, no jornal Correio da Manhã, de Maputo, de 26 de Novembro 2012
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