3.12.12
Bissau: lágrimas por um país desfeito
As contradições da luta pela independência e da afirmação de um Estado continuam hoje em dia bem vivas na Guiné-Bissau – quase 40 anos decorridos sobre o assassínio de Amílcar Cabral, o homem que melhor defendeu essa independência.
Jorge Heitor, na revista Além-Mar, dos missionários combonianos
A situação actual das populações guineenses é verdadeiramente «preocupante», pelo que a Igreja Católica, se bem que muito pouco representada por aquelas bandas, quando comparada com o Islão e com o animismo, tenciona lançar em breve uma «iniciativa de diálogo a nível nacional», conforme noticiou em Novembro a Agência Fides.
O bispo de Bissau, D. José Camnate na Bissign, disse à saída de uma audiência com o presidente de transição reconhecido pelas Forças Armadas, Manuel Serifo Nhamadjo, que o melhor caminho para resolver os problemas internos e abrir perspectivas de futuro seria sentar à mesma mesa representantes de todas as sensibilidades.
As palavras são sábias; só que já por mais de uma vez se verificou que nem toda a gente está disposta ao diálogo, nem sequer a ter em conta as opiniões dos outros. Há quatro décadas que se encontra adiado o sonho de um país independente e em paz, onde os Guineenses se começassem a desenvolver.
Há quatro décadas que se espera, até agora em vão, um país melhor. O golpe de 12 de Abril deste ano, um dos tantos a que a Guiné-Bissau tem assistido, afastou para o exílio, em Portugal, o presidente que se encontrava em funções interinas, Raimundo Pereira, e o primeiro-ministro que se candidatara à Presidência da República, Carlos Gomes Júnior (vulgo Cadogo Júnior).
Uma pobreza avassaladora
A manobra golpista de Abril, que impediu uma segunda volta das eleições presidenciais, na qual Cadogo Júnior iria enfrentar o antigo presidente Kumba Ialá, convertido ao Islamismo, aumentou ainda mais a extrema pobreza do pequeno país e das suas gentes, que pertencem a uma série de grupos étnicos, não tendo desenvolvido ainda uma forte consciência nacional. «Ninguém sabe por quanto tempo é que poderá durar o isolamento político-diplomático da Guiné-Bissau. E quem pagará as consequências desta nova crise são os doentes, as crianças, as mulheres e os velhos», disse o bispo de Bissau, impotente perante tanto sofrimento.
Nem as Nações Unidas, nem a União Africana, nem a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) reconhecem o actual estado de coisas, com um presidente de transição e um Governo impostos pelos militares que deram o golpe de Estado. Apenas a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), de que fazem parte, entre outros, o Senegal, a Costa do Marfim, a Nigéria e o Burkina Faso, tolera um regime que é tutelado pelo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, general António Indjai, em clara associação com o antigo presidente Kumba Ialá.
Autoridades no exílio
O primeiro-ministro deposto Carlos Gomes Júnior disse durante o mês de Novembro, em Lisboa, que já apresentou a sua recandidatura à liderança do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e que gostaria de participar no congresso agendado para Janeiro; mas que ninguém acredita que se possa realizar nessa data.
«Desde que sejam criadas condições de segurança para que as pessoas se possam expressar livremente, tenho todas as condições para voltar para o meu país», disse Carlos Gomes Júnior. Só que não há de forma alguma condições de segurança, numa terra onde os militares associados ao narcotráfico exercem todo o poder e não aceitam de forma alguma submeter-se a autoridades civis.
Prometeram há tempos os golpistas que procurariam marcar eleições para Abril de 2013, a substituir as que este ano eles não permitiram que chegassem ao fim. Mas a verdade é que não há dinheiro para a organização de novo processo eleitoral, dentro dos próximos quatro meses. Ninguém acredita que elas se possam efectuar antes da próxima estação das chuvas, que começa em Maio.
«Quando os políticos são espancados e são proibidas manifestações nas ruas, não estamos num Estado de direito. Nós queremos é repor a Guiné-Bissau no Estado de direito que existia antes de 12 de Abril, em que existia liberdade e condições para qualquer cidadão se expressar livremente», disse Cadogo Júnior.
Bissau é uma cidade onde raramente existe energia eléctrica, onde falta a água canalizada e onde o Hospital Central Simão Mendes não apresenta um mínimo de condições, faltando inclusive medicamentos.
Diálogo de surdos
Tal como a Igreja Católica, também o primeiro-ministro exilado reconhece que «só com o diálogo se podem conseguir resultados concretos» na resolução da crise da Guiné-Bissau. Diálogo esse que nunca houve no país, desde que em 24 de Setembro de 1973 o PAIGC proclamou unilateralmente a independência, nas colinas de Madina do Boé, onde mantinha uma actividade de guerrilha.
Quando aquele partido começou a exercer realmente o poder, depois do 25 de Abril de 1974, perseguiu os guineenses que tinham estado a combater ao lado das autoridades coloniais. E em 1980 o ramo guineense da mesma formação política começou a perseguir os naturais de Cabo Verde, tornando impossível que os dois territórios caminhassem lado a lado, num desenvolvimento paralelo, como era desejo do engenheiro agrónomo Amílcar Cabral.
Depois disso, já foram assassinados o presidente João Bernardo Vieira, diversos chefes do Estado-Maior-General e muitas outras pessoas, numa série de ódios e de crimes que têm sido cometidos com toda a impunidade. Contraditoriamente, a primeira colónia portuguesa que no século passado proclamou unilateralmente a sua independência é agora a mais infeliz de todas, permanecendo refém tanto de umas Forças Armadas ditatoriais como de uma forte corrente de narcotráfico que por ali passa, no caminho entre a América Latina e a Europa.
Militares assustadores
Como têm vindo a explicar pessoas como o jornalista António Aly Silva, a Guiné-Bissau está refém de militares que assustam, torturam e matam guineenses, sempre tendo resistido até agora a todos os programas, nomeadamente da União Europeia e de Angola, para as reestruturar e reduzir. São alguns milhares de homens que, em muitos casos, pegaram nas armas quando eram adolescentes, antes do 25 de Abril, e depois disso nunca mais as largaram, até agora, quando têm 55 e mais anos. E homens, algo mais novos, que com esses se formaram, sempre dentro da mentalidade de que o poder está nos quartéis e não na Assembleia da República ou nos tribunais.
É a cultura da mais completa impunidade, reforçada agora com a presença no país de dezenas de narcotraficantes latino-americanos, que circulam sem restrições e até têm tanto pistas de aterragens como ilhas desabitadas onde podem desembarcar os seus produtos.
«Ajudem o povo da Guiné-Bissau!», pediu o já referido jornalista Aly Silva, que mantém o blogue Ditadura do Consenso. «Não abandonem o povo guineense», acrescentou, referindo que numa só semana dez pessoas foram assassinadas, muitas vezes depois de torturadas.
O clima ali é de verdadeiro terror; e por isso tantos cidadãos guineenses têm fugido para Portugal e outros países. Basta ver a quantidade deles que enchem normalmente o Largo de São Domingos, em Lisboa, e as suas imediações. Basta ler os sítios especializados em assuntos africanos para se saber o quanto a Guiné-Bissau é um dos territórios onde mais se sofre.
Algumas datas da vida guineense
Proclamação unilateral da independência em Madina do Boé: 24 de Setembro de 1973.
Reconhecimento formal da independência da Guiné-Bissau por Portugal: 10 de Setembro de 1974.
Fuzilamento público de pessoas acusadas de colaboração com as autoridades coloniais portuguesas: 10 de Março de 1976.
Morte do primeiro-ministro Francisco Mendes (Chico Té) num acidente de viação, que se presume ter sido provocado: 7 de Julho de 1978.
Golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 depõe o presidente Luís Cabral, suspende a Constituição e a Assembleia Nacional e cria o Conselho da Revolução. Ruptura com Cabo Verde.
Alegada tentativa de golpe de Estado e conspiração contra a segurança do Estado que culminou na condenação à morte de Paulo Correia, 1.º vice-presidente do Conselho de Estado, Viriato Pã, procurador-geral da República, e oficiais de etnia balanta: 17 de Outubro de 1985.
Levantamento militar comandado pelo brigadeiro Ansumane Mané dá origem à guerra civil de 1998/1999, que acaba com a rendição do presidente Nino Vieira.
Vitória do Partido da Renovação Social (PRS) nas legislativas de Novembro de 1999, terminando a hegemonia do PAIGC.
Eleição de Kumba Ialá como presidente da República: 16 de Janeiro de 2000.
Morte violenta do general Ansumane Mané: 30 de Novembro de 2000.
Golpe de Estado organizado pelo CEMGFA, general Veríssimo Seabra, derruba o presidente Kumba Ialá: 14 de Setembro de 2003.
Vitória relativa do PAIGC nas legislativas, Carlos Gomes Júnior à chefia do Governo: 28 de Março de 2004.
Assassínios do general Veríssimo Seabra e do seu adjunto tenente-coronel Domingos Barros: 6 de Outubro de 2004.
Nino Vieira regressa à presidência da República, em Julho de 2005, acabando por ser assassinado em 2 de Março de 2009.
Assassínio dos políticos Baciro Dabó e de Hélder Proença: 5 de Junho de 2009.
Malan Bacai Sanhá, candidato do PAIGC, derrota nas presidenciais Kumba Ialá: 26 de Julho de 2009.
Falecimento do Presidente Malam Bacai Sanhá em Paris. Raimundo Pereira, presidente da Assembleia Nacional Popular, assume interinamente a Chefia de Estado: 9 de Janeiro de 2012.
Primeira volta das presidenciais antecipadas, em que o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior obtém 49 % e Kumba Ialá 23 %: 18 de Março de 2012.
Tomada do poder pelos militares, para que já não houvesse segunda volta: 12 de Abril de 2012.
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