14.1.15

Nigéria: Grande nau e grande tormenta

Nigéria: Grande nau, grande tormenta (artigo por mim publicado em Julho de 2013) A Federação da Nigéria, que ao longo de cinco décadas tem lutado por sobreviver como um Estado moderno, um dos primeiros da África e do Terceiro Mundo, luta agora contra a ameaça islamita que se faz sentir na sua parte setentrional, acima dos rios Níger e Benue. A imensa Nigéria, o mais populoso dos países africanos, proibiu oficialmente este mês de Junho dois grupos islamitas, avisando muito seriamente que qualquer pessoa que os ajude enfrenta um mínimo de 20 anos na cadeia, pois que os fundamentalistas são um entrave a todos os esforços para transformar a sociedade que se começou a desenvolver na década de 1960 e a economia, que se pretende próspera e integrada. O presidente Goodluck Jonathan, que conta com as boas graças dos Estados Unidos da América, proclamou o Boko Haram e o Ansaru grupos terroristas, daqueles que não são de forma alguma bem aceites nas sociedades ocidentais. O Exército, o enorme Exército da Nigéria, tem estado desde Maio envolvido numa profunda ofensiva contra os combatentes islamitas entrincheirados no Norte do país, muito em especial para os lados de Kano e do Nordeste. Desde há quatro anos, quando as esquadras começaram a ser atacadas em Maiduguri, a rebelião islamita já causou a morte a pelo menos 2000 pessoas, enlutando assim um pedaço da África que obteve a sua independência em 1960, então fundamentalmente dividido em Norte, Leste e Ocidente, tendo em Agosto de 1963 este dado origem a uma quarta unidade, o Midwest, ou Ocidente Médio. O presidente Jonathan deixou bem claro, no início de Junho, que as actividades do Boko Haram e do Ansaru são sem qualquer dúvida terroristas, como se viu em Dezembro de 2010 com o ataque a Jos e o subsequente assalto aos quartéis de Abuja. Quase que em sintonia com as palavras presidenciais, os Estados Unidos ofereceram recompensas por quaisquer informações sobre os combatentes islamitas que existem na África Setentrional e Ocidental, a começar por dados respeitantes ao paradeiro do líder do Boko Haram, Abubakar Shegau. Quatro anos de guerra Foi em 2009 que aquele grupo lançou a insurreição armada no Norte e no Centro da Nigéria, um país onde a indústria petrolífera gera diariamente milhões de euros, rivalizando com a de Angola. E no dia de Natal de 2011 uma série de ataques bombistas matou dezenas de pessoas, depois de na Páscoa de 2012 terem sido atacadas igrejas em Kaduna. Quanto ao grupo Ansaru, que é como que um derivativo ou uma sucursal do Boko Haram, começou a notar-se mais activo o ano passado, raptando e assassinando naturais da Europa e do Médio Oriente, até que o presidente Goodluck Jonathan proclamou o estado de emergência nos estados de Borno, Yobe e Adamawa, perto das fronteiras com o Níger, o Chade e os Camarões. Enquanto isto, alguns defensores dos direitos humanos têm vindo a acusar as Forças Armadas de se virarem por vezes contra pessoas inocentes, que são (sem grande fundamento) acusadas de apoiarem os fundamentalistas islâmicos. Uma das novidades deste último mês foi a descoberta, no Norte da imensa Nigéria, de um arsenal pertencente ao grupo libanês Hezbollah, o que dá bem conta de quanto os problemas do Médio Oriente e da África se encontram agora interligados, havendo uma vasta rede de cumplicidades desde a Síria ao golfo da Guiné. Três libaneses foram detidos, segundo um porta-voz militar, o brigadeiro Ilyasu Isa Abba, de acordo com o qual havia armas antitanque, entre outras, no arsenal que foi descoberto na cidade de Kano. «Se um grupo como este existe aqui, poderá muito bem apoiar alguns dos terroristas locais», sentenciou Bassey Etan, director do Serviço de Segurança do Estado de Kano. Os meandros da História As mais recentes posições do Governo de Goodluck Jonathan, dominado por pessoas do delta do Níger, muito rico em petróleo, fazem recordar as questões políticas nigerianas da década de 1990. Nessa altura, um regime militar, dirigido pelo general Sani Abacha, precisamente natural do Nordeste do país, tentou recorrer ao Exército para esmagar uma rebelião que havia no delta do Níger. Alguns observadores mais cépticos alegam que as tropas e os polícias poderão não conseguir dominar o Boko Haram e os seus aliados, antes chamando uma vez mais a atenção para as profundas divergências existentes entre um Norte muçulmano e um Sul cristão, num território que precisa de se unir e de ultrapassar as suas crises de identidade nacional se realmente desejar ter êxito na sua reivindicação de um lugar de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A cruzada contra os grupos fundamentalistas setentrionais está a deixar para segundo plano os objectivos de se conseguir tornar mais rendível a indústria nacional do petróleo e do gás natural, que ao fim e ao cabo é um dos sustentáculos de uma Nigéria que pretende controlar toda a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Os problemas da segurança, nomeadamente os derivados das questões religiosas e do fundamentalismo islamita, ameaçam os desejos de crescimento económico, essencial para que o país se solidifique como potência regional e tenha a primeira palavra a dizer em todas as questões que surjam desde a Guiné-Bissau até aos Camarões e à própria República Centro-Africana. A economia nigeriana passou de um crescimento de 7,4 por cento em 2011 para um de 6,6 por cento em 2012, o que só se poderá agravar se a agricultura não tiver condições para se desenvolver normalmente em partes do território nacional, devido aos confrontos entre o Exército e os fundamentalistas. Constelação de 36 estados Os perto de 180 milhões de Nigerianos distribuem-se por 36 Estados e têm Abuja como capital federal, sendo Lagos a maior cidade, com 11 milhões de habitantes, seguida por Kano, Ibadan e Kaduna, todas elas com mais de dois milhões de seres humanos. Um dos problemas da República Federal da Nigéria é que tem duas centenas e meia de grupos étnicos, a começar pelos Igbos, pelos Iorubas, pelos Hausas e pelos Fulas, congregando estes dois últimos grupos 29 por cento da população total e sendo muçulmanos, como o é metade da população em geral (os cristãos são cerca de 40 por cento e os animistas constituem os restantes 10 por cento). Ter 250 etnias e falar mais de 550 línguas é um grande quebra-cabeças para um dos oito países mais populosos do mundo, e no qual ainda nem sequer 63 por cento da população se encontra alfabetizada, em inglês, que é o idioma oficial. Além do petróleo e do gás natural, a Nigéria tem chumbo, minério de ferro, carvão, zinco e outras riquezas, mas também a maior população de pobres de toda a África, o que poderá contribuir para a actividade dos grupos mais radicais ou fundamentalistas. A corrupção, a má gestão, a instabilidade política e a má governação são cancros a gangrenar a sociedade nigeriana, que sofre de um elevadíssimo nível de desemprego. Até mesmo muitas pessoas com cursos acabam na rua, sem nada para fazer, pelo que por vezes se dedicam a conhecidos esquemas de burlas pela Internet, pedindo a ajuda monetária de estrangeiros para desbloquear hipotéticas fortunas herdadas de supostos parentes.

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