24.11.08

Uma entrevista a Xanana Gusmão

Xanana e Portugal:

Jorge Heitor (JH): Com que estado de espírito é que o primeiro-ministro Xanana Gusmão chega este mês a Lisboa?

XG: Com a natural emoção de revisitar um país amigo, com o qual temos laços muito especiais e com a esperança e o propósito de poder fortalecer as relações bilaterais que nos ligam, e reforçar a histórica e fraterna amizade entre os nossos povos irmãos.

Politica externa de Timor-Leste:

JH: Continua a desejar dar-se bem com todos os países, sejam eles a Austrália, Portugal, a Indonésia, a China, a Coreia do Sul, a Malásia ou Cuba?

XG: Desde o início da nossa existência como Estado soberano, que temos vindo a cultivar uma politica de amizade e de cooperação com vários países e, em especial, com base nos imperativos geográficos e históricos, designadamente com a Austrália, Indonésia e Portugal.
Não podemos negligenciar também as relações que temos vindo a manter com outros países que tanto tem contribuído para a reestruturação física e material de Timor-Leste, e também para a consolidação da sua democracia. Essa contribuição tem-se manifestado das mais variadas formas, com apoio financeiro e institucional e o desenvolvimento de projectos concretos no território timorense. Este Governo irá, por isso, promover uma estreita aproximação e reforçar o relacionamento já adquirido com algumas das grandes potências, como é o caso da China, do Japão, dos Estados Unidos da América, mas também com outros países que têm, igualmente, demonstrado grande generosidade com Timor-Leste, como é, o caso de Cuba, Brasil, Correia do Sul, Tailândia, Malásia, Filipinas, Nova Zelândia, Noruega, Irlanda, Reino Unido e a própria Comissão Europeia.

O que feito durante um ano e meio da Governação:

JH: Que balanço é que faz da sua governação?

XG: Quando nós chegámos ao Governo herdámos diversos problemas para resolver, sendo os mais prementes o problema dos IDP’s e o dos Peticionários. No início deste ano enfrentámos ainda a pior crise que o país sofreu, depois da independência, que foi o duplo atentado de 11 de Fevereiro. Conseguimos encontrar solução e finalmente ultrapassar todos esses problemas. Em termos gerais, o balanço é, pois, bastante positivo.

IV Governo Constitucional irá cumprir a legislatura até 2012:

JH: Espera chegar ao fim da actual legislatura?

XG: Preenchemos todos os requisitos para cumprir a legislatura até 2012. Do ponto de vista Constitucional, O Presidente da República convidou a coligação dos partidos políticos que integram a Aliança para Maioria Parlamentar (AMP) para formar IV Governo Constitucional a fim de garantir a estabilidade legislativa nacional. Em termos políticos e institucionais, estamos a garantir a maioria parlamentar, o que significa estar fora de questão uma crise institucional.
A nível da Governação, tem-se verificado nos últimos meses o aumento da segurança na nossa comunidade, e as pessoas já começaram a sair à noite, o que não acontecia antes. Conseguimos resolver os problemas pendentes que herdámos do anterior governo, como o caso dos Peticionários e dos deslocados Internos.

Em suma, o IV Governo Constitucional, reúne todas as condições para cumprir o mandato até ao fim da legislatura. Mas, reconhecemos a dimensão dos problemas que ainda temos pela frente, os quais estamos a tentar resolver.

Conceber uma nova paradigma sobre as Forças da Defesa e Segurança:

JH: Está a reformular e a modernizar as forças armadas e policiais?

XG: A constituição das Forças Armadas e Segurança e, particularmente, as Forças da Defesa, resultou de um estudo feito pelo King´s College, cujas recomendações deram origem à constituição das Forças Armadas e de Segurança de Timor-Leste.

As forças de Defesa, estão a ser reformuladas através do Plano 2020, que é um plano e concebido por Timorenses e para Timorenses, segundo o qual, as Forças Armadas vão complementar os três ramos até 2020. A materialização do Plano 2020, passará por implementar, durante cinco anos, os seguintes vectores: Primeiro - revisão das Leis sobre as Forças da Defesa, a Lei de Segurança Nacional, a Lei de Defesa, a Lei do Serviço Militar, a Lei orgânica das F-FDTL e o Estatuto de Polícia Militar.

Segundo - o Plano passará ainda pela construção das Infra-estruturas, através da cooperação com os países amigos. Com a República Popular da China, que vai construir Quartel-General para as F-FDTL, 100 casas para os oficiais, um paiol e armazéns, bem como e a compra de dois Navios. Com a Austrália, desenvolvemos uma cooperação com “Defence Cooperation Program (DCP)”, através da construção do Centro do Formação Especial.

Terceiro - no plano do desenvolvimento dos Recursos Humanos, atribuímos bolsas de estudo para os militares que frequentaram os seus estudos da Universidade Nacional de Timor-Leste (UNATIL). No ano passado, 60 militares fizeram exames de admissão à Universidade e apenas conseguiram entrar 30. E continuamos com o mesmo programa para ano lectivo 2008/9.
Temos ainda a cooperação bilateral com os países que têm protocolos assinados com Timor-Leste, incluindo Portugal, no sentido de incrementar os recursos humanos das Forças Armadas Timorenses.

Quarto - a cooperação Civil-Militar, isto é, a contribuição das Forças Armadas para o desenvolvimento nacional, como actuar em situações de emergência, como desastres naturais, construção de estradas e a interacção entre os militares e a população.

Quinto e último vector - melhorar os salários das Forças Armadas. Inicialmente, um soldado ganhava 85$ mas, neste momento,já recebe 170 $, incluindo subsídios para transporte e alojamento. E elevar também os salários do Chefe Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMFA) e do Chefe Estado-Maior, para o mesmo nível salarial de um ministro e secretário de Estado. Ao nível da progressão na carreira, esta foi dividida em duas partes - a promoção regular e a especial.

O problema da segurança:

JH: Entende que Timor-Leste é hoje um território mais seguro e estável do que o era há ano e meio ou dois anos?

XG: Estou certo que assim é. Verificamos que, em termos da segurança, Timor-Leste progrediu bastante, neste ano. Em vésperas da comemoração do 17º ano aniversário do Massacre de Stª. Cruz, um grupo cultural de Jovens ensaiou durante duas semanas todos os dias até à meia-noite. Desde o mês de Maio até Novembro, organizámos vários eventos culturais, concertos musicais, com a actuação de artistas estrangeiros e nacionais, e mobilizámos as multidões para assistir aos concertos, sem que se tivessem registado quaisquer incidentes.
Ao nível da segurança, trabalhamos conjuntamente com a UNPOL, ISF (Força Internacional para Estabilização) e com as nossas Forças da Defesa e Segurança. Segundo o relatório oficial, registaram-se grandes progressos em termos de segurança.

O Petróleo e o interesse Nacional:

JH: Sempre tencionam avançar com a construção de um oleoduto para solo timorense, de modo a serem vós a processar grande parte do petróleo do Mar de Timor?

XG: A nossa política é a de trazer o pipeline do Greater Sunrise para Timor-Leste. Este é o compromisso político do IV Governo Constitucional, através do Programa do Governo aprovado pelo Parlamento Nacional, sobre a viabilidade de trazer o oleoduto para Timor-Leste. Encomendámos um estudo duma equipa mista, composta por nacionais e internacionais, um estudo técnico e cientifico, e os seus impactos económicos, sociais e ambientais para Timor-Leste. De facto, temos vontade política de defender os interesses nacionais e de trazer o pipeline do Greater Sunrise para Timor-Leste, suportada por argumentos técnicos e científicos.

JH: Os lucros que vierem a ser obtidos com o Fundo do Petróleo darão para alfabetizar e alimentar toda a população?

XG: O relatório do Banco Mundial, FMI e Centro de Estatística de Díli, efectuaram um estudo sobre o índice da Pobreza Nacional em Timor-Leste, nos últimos cinco anos, segundo o qual esta tem aumentado desde 2003 até 2007. Com base nas recomendações desse estudo, temos que mudar a politica do petróleo. Mudar, no sentido de fazer politica com objectivo de responder às necessidades da nossa população, para erradicar a fome e diminuir a pobreza e melhorar também o sistema de educação, bem como melhorar as condições de vida em geral e as acessibilidades.

O problema dos deslocados Internos:

JH: Ainda há no país pessoas a viver com condições precárias; deslocados das suas residências tradicionais?

XG: O problema dos deslocados internos foi incluído no programa do Governo como uma das prioridades emergentes do IV Governo Constitucional. Consideramos o problema dos deslocados, ou IDP’s (sigla em Inglês), como parte dos problemas de segurança, particularmente em Díli. Consolidar a segurança em Díli e em todo o País, garantindo o regresso aos seus lares, daqueles que se encontram numa situação grave de carácter humanitário, em campos de acolhimento, proporcionando os meios necessários para que possam refazer as suas vidas. Até à data, conseguimos reintegrar os deslocados através dos programas implementados pelo Ministério da Segurança e Solidariedade Social (MSSS) para resolver esse problema. E fechamos todos os campos de IDP’S, faltando apenas o campo de refugiados em Hera (a oeste de Díli).O governo continuar a acompanhar o processo de retorno dos deslocados aos seus locais de residência a fim de garantir toda a segurança necessária.

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