Raúl M. Braga Pires, em Rabat (www.expresso.pt)
Sábado, 11 de fevereiro de 2012
A 11 de Fevereiro do ano passado, os egípcios viram-se livres de 29 anos e 4 meses de Hosni Mubarak como Presidente. Às 18h locais, o Vice-Presidente, por 13 dias, Omar Suleiman, anúncia a queda do Raíss (Presidente em árabe), como era conhecido e tratado por todos, incluindo os seus homólogos e, mesmo pela imprensa anglófona e francófona.
Os acontecimentos de há um ano atrás e de há mais tempo, nunca obedeceram aos de uma Primavera de Libertação dos Povos, neste caso o egípcio. De uma forma breve, poderá dizer-se que ao saber-se que Hosni Mubarak não seria o candidato presidencial nas eleições de Setembro de 2011, data há muito marcada, os sectores político, económico e militar dividiram-se em três facções. Os jovens "empresários de sucesso" do Partido Nacional Democrata, liderados pelo ultra-liberal Gamal Mubarak, ávidos de privatizações, às quais se opunham os militares, já que isso lhes iria comprometer uma série de esquemas económicos que lideram, uns de forma oficial e outros de forma oficiosa. Por outro lado, Gamal não chegou a terminar o Serviço Militar Obrigatório, o que aos olhos dos militares o coloca sem apelo nem agravo na categoria de "menino do papá".
Por seu turno, o candidato dos militares sempre foi o General Omar Suleiman, que a partir de 1993 se torna no Director do Serviço de Inteligência Geral Egípcio (SIGE), o qual geria pessoalmente o dossiê Processo de Paz Israelo-Palestiniano há mais de 10 anos. O Daily Telegraph cotou-o como "um dos directores de serviços de inteligência mais poderosos do Mundo" e em 2009, a revista Foreign Policy classificou-o como o Director de um Serviço de Inteligência mais poderoso do Médio Oriente, à frente do Director da Mossad, Meir Dagan.
Do lado dos jovens do Movimento 06 de Abril, surgia um Mohammed El-Baradei que tentava uma alteração constitucional que permitisse uma candidatura presidencial a um independente. Este "namoro" relativamente recente entre estes jovens herdeiros do movimento de contestação política Kefaya (Basta), de 2005, faz sentido, já que os mesmos recebiam desde 2008 formação no exterior, desta feita na Sérvia, junto do Movimento Estudantil Otpor (Resistência), liderado por Srdja Popovic, o qual seguia à risca as ideias do académico americano Gene Sharp, cuja cartilha advoga a não violência e a desobediência civil, como única forma de derrubar regimes despóticos. O Otpor, ferramenta fundamental no derrube de Slobodan Milosevic, é financiado pelos dinheiros da Open Society Foundations de George Soros.
De registar que já em 2008, membros do 06 de Abril foram detidos no aeroporto do Cairo, aquando do regresso de viagens efectuadas aos Estados Unidos da América. Ou seja, os serviços de informação egípcios, já estavam ao corrente do que se passava praticamente desde o início, sendo que o único facto espontâneo que aconteceu na "Primavera Árabe" egípcia, foi a imolação de Mohamed Bouazizi na Tunísia! Estava tudo preparado para acontecer em 2011 ao longo das margens do Nilo, mas de facto, lá mais para o verão, aproveitando inclusivamente um Ramadão quente em pleno Agosto.
Um ano passado, os acontecimentos no Egipto tomam cada vez mais as dimensões e caracteristicas de um golpe de estado militar e não da libertação de um povo, embora seja esta maioria, silenciosa até há um ano, que enche as ruas e mantém a esperança e quiçá a ilusão de que comanda os acontecimentos.
Os factos que apontam nesse sentido, são os seguintes:
Após a queda de Mubarak, para o poder não cair na rua, naturalmente que fica nas mãos dos militares, através do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), encabeçado pelo todo-poderoso Marechal Mohamed Hussein Tantawi, Ministro da Defesa de Mubarak durante 20 anos. A Constituição foi suspensa e o CSFA garantiu a realização de um referendo à Constituição, reduzindo o número e o período de mandatos presidenciais. O mesmo foi efectuado a 19 de Março, aprovando as alterações por uma maioria de 77,27%. No entanto, o poder não foi entregue aos civis passado 6 meses, conforme o CSFA tinha dito quando assumiu o poder. Os cairotas foram continuando a encher Tahrir, numa espécie de exercício de correcção de tiro, exigindo mais mudanças e mais rápidas. Por exemplo, civis continuam a ser julgados por tribunais militares ainda hoje, um ano depois.
Em Setembro, populares invadiram a Embaixada de Israel no bairro de Giza, no Cairo, perante a passividade das autoridades. O Embaixador, família e restantes diplomatas e funcionários, foram evacuados de emergência para o aeroporto, deixando o país nessa mesma madrugada.
Em Outubro, surge a equação 1027 palestinianos libertados por Gilad Shalit. Se em Setembro o CSFA estava a dar um sinal de que faz sentido manter o poder, pois caso contrário será o caos, em Outubro foi Israel que deu um sinal claro de que precisa de um Egipto forte e estável e que só o concebe com os militares no poder. Uma vez mais o Processo de Paz Israelo-Palestiniano a vir ao de cima, bem como os Acordos de Camp David de 1978, que garantem a paz entre o Egipto e Israel e pelos quais o antecessor de Mubarak foi assassinado, o Presidente Anwar Al-Sadat, em 1981.
A 28 de Novembro inicia-se o longo processo das eleições legislativas, sendo a surpresa o resultado do partido salafista Al-Noor (A Luz, O Brilho), financiado com dinheiros sauditas, o que é o mesmo que dizer, com autorização americana. Este facto pode parecer contra-natura, mas teve como objectivo colocar o Partido Liberdade e Justiça (PLJ) da Irmandade Muçulmana no mainstream, fazendo deste parte da solução e não do problema e, por outro lado, o CSFA ao apresentar a frio os 70% de assentos parlamentares conquistados pelos islamistas (24% Al-Noor e 46% PLJ), garante todas as justificações e mais algumas de que é necessário manter a rédia curta e a maioria das prerrogativas, face a esta escalada, que aliás se andava a evitar há praticamente 30 anos. É para isso que servem as ditaduras.
É desta forma que se chega aos 74 mortos do dia 01 de Fevereiro no jogo de futebol de Port Said, cidade também ela simbólica, já que é a cidade do Canal do Suez, acesso estratégico entre o Mediterrâneo, o Mar vermelho e o Oceano Indíco. Por aqui passam cerca de 17 mil navios por ano, sendo que 20% transportam petróleo e 5% gás natural liquefeito. Pomo de discórdia desde 1956 entre árabes, israelitas, britânicos e franceses após o anúncio de nacionalização levado a cabo por Gamal Abdel Nasser, o que se prolongou para as guerras entre árabes e Israel de 1967 e 1973. A leitura deste jogo de futebol entre o Al-Masry e o Al-Ahly e do que aconteceu antes, durante e depois do mesmo, só pode ser política, enquadrando-se no roteiro do CSFA, de demonstrar a absoluta necessidade da sua manutenção no topo da pirâmide.
Uma consequência mais imediata da actual situação no Egipto, o qual voltou aos confrontos, à tensão e sente que está longe de ver o seu processo terminar, é o de provavelmente virem a realizar-se eleições presidenciais ainda antes do verão. Por outro lado, um pólo de equilibrio consequente deverá passar pela eleição de um Presidente civil e cooperante com os militares, o qual poderá ser Amr Mussa, figura conceituada dentro e fora do país. Mussa terá provavelmente já ganho esta eleição na "sexta-feira da raiva" de 28 de Janeiro do ano passado, quando esteve em Tahrir juntamente com o seu povo, enquanto Mohammed El-Baradei dava entrevistas aos canais de televisão internacionais, do jardim de sua casa.
O truque deverá ser o de manter os militares na gestão do dossiê do Processo de Paz Israelo-Palestiniano e o de negociar com estes algumas privatizações que não os incomodem muito.
http://aeiou.expresso.pt/maghreb--machrek=s25484#ixzz1m4Lxuwf5
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário