28.9.13
"O estranho universo paralelo da Alemanha"
Martin Wolf, do Financial Times
27/09/13
O notável resultado eleitoral de Angela Merkel confirma a chanceler alemã como figura política dominante na
Alemanha e na Europa. Parte-se do princípio que terá a zona euro que pretende: uma Alemanha em ponto
grande.
O notável resultado eleitoral de Angela Merkel confirma a chanceler alemã como figura política dominante na
Alemanha e na Europa. Parte-se do princípio que terá a zona euro que pretende: uma Alemanha em ponto grande.
As palavras de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, são elucidativas: os profetas da desgraça estavam
errados e "o mundo deveria rejubilar com os sinais positivos que a economia da zona euro tem dado de forma quase
contínua nos últimos tempos". Se a recessão e o desemprego em massa são sinais de sucesso, então, o ajustamento
na zona euro é uma grande vitória. Schäuble acusa os críticos de viverem num "universo paralelo". Pessoalmente
prefiro isso a viver no seu universo.
Em que ponto está a zona euro? A taxa de desemprego é de 12%. O PIB no segundo trimestre ficou 3% abaixo do
pico anterior à crise e 13% abaixo da tendência anterior à crise. Os valores do PIB no último trimestre foram
inferiores ao pico registado antes da crise: menos 7,5% em Espanha, 7,6% em Portugal, 8,4% na Irlanda, 8,8% em
Itália e 23,4% na Grécia. A retoma é fraca em todos estes países e a taxa de desemprego preocupante: 12% em Itália,
13,8% na Irlanda, 16,5% em Portugal, 26,3% em Espanha e 27,9% na Grécia. Não fosse a emigração e estes números
seriam ainda piores. O caso irlandês pode servir de alerta - voltou a ser competitivo e gere um excedente na balança
de transacções correntes (BTC). Apesar disso, o PIB está estagnado há quatro anos.
No terrível Verão de 2012, o Banco Central Europeu (BCE) prometeu fazer "o que fosse necessário" para salvar o
euro. Pouco depois, anunciou a entrada em vigor do programa OMT, que consiste na compra de dívida pública dos
países vulneráveis em mercado secundário por parte do BCE. Por um lado, serviu para acalmar os mercados, por
outro, para a zona euro ganhar tempo. No entanto, não resolveu os problemas subjacentes.
Que problemas são esses? Antes de mais, é preciso sair da actual confusão. Segundo, concluir as reformas
necessárias a longo prazo. As actuais transferências orçamentais não são nem desejáveis nem exequíveis. Mais. São
precisos melhores mecanismos de segurança para soberanos e bancos no longo prazo. Se a zona euro não deixar os
estados membros recuperarem a saúde económica ao fim de um período de tempo razoável, tudo isto será
puramente académico.
É viável? Se a filosofia da Alemanha não mudar, "não". Como ficou claro no discurso de Schäuble, a procura não
consta da análise. Ora, uma economia de grande dimensão com um excedente estrutural da BTC elevado não se
limita a exportar produtos, também exporta falência e desemprego, em particular se o correspondente fluxo de
capital for constituído por dívida de curto prazo. O facto de os novos desequilíbrios macroeconómicos não
reconhecerem o papel da fraca procura interna na Alemanha é especialmente esclarecedor. O valor a partir do qual o
excedente da BTC é motivo para preocupação é de 6% do PIB, independentemente da dimensão do país. A média
alemã é precisamente de 5,9%.
A zona euro está a tentar transformar-se numa Alemanha em ponto grande. O aumento da produtividade e a quebra
na procura combinadas conduziu as economias vulneráveis ao equilíbrio externo. Entretanto, a Alemanha está a
redireccionar os seus excedentes para fora da zona euro. A BTC da zona euro passou de uma situação deficitária
para excedentária - 304 mil milhões de euros - entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo trimestre de 2013.
Embora isso ajude a resolver os problemas internos da zona euro, também exporta falência.
A tentativa de exportar as suas dificuldades através de uma "política de empobrecimento do vizinho" é inconsistente
com as obrigações da zona euro no âmbito do G20. Mas não só. Peca igualmente por duas razões. Primeiro, a zona
euro é demasiado grande para que as exportações possam ser o motor do crescimento, como tem feito a Alemanha.
Segundo, a moeda vai provavelmente valorizar ainda mais, esmagando novamente as economias menos
competitivas. Pelo que pude perceber nada disto é relevante no universo de Schäuble. A zona euro poderia ser um
sucesso não fosse esta filosofia. Vai sobreviver? Ninguém sabe. É assim que deve ser conduzido o projecto mais
ambicioso da Europa? Não.
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