20.9.13
Síria: O tempo é de esperança
Depois das intervenções do Papa Francisco e de outras entidades, chegou-se em meados de Setembro ao consenso de que a via negocial é bem preferível à intervenção musculada para acabar com o conflito na Síria. Damasco aceita desfazer-se das armas químicas; e assim se evita, por agora, o pior. O tempo é de esperança.
Jorge Heitor
A Comissão de Inquérito das Nações Unidas que trata das violações dos direitos humanos na Síria declarou no dia 11 de Setembro que os civis continuavam a pagar o preço da ausência de conversações substanciais para se negociar o fim do conflito, que nestes dois últimos anos e meio já causou a morte de perto de 100.000 pessoas e desalojou de suas casas mais de seis milhões.
O relatório daquela comissão pormenorizou as chacinas e outros assassínios, cometidos impunemente por todas as partes em confronto. Um número indeterminado de homens, mulheres e crianças desapareceu, pelo que se sentiu a necessidade urgente de se acabar com as hostilidades e de se voltar à mesa das negociações, de modo a encontrar uma solução política.
Já antes disso, o Papa Francisco promovera uma jornada de jejum e de oração para que os acontecimentos não se precipitassem, com um ataque norte-americano e francês a alvos sírios; e escrevera ao Presidente russo, Vladimir Putin, solicitando-lhe que interviesse no sentido de se procurar resolver tão grande drama, que estava a ameaçar envolver numerosos países.
Dois milhões de refugiados
As agências humanitárias têm vindo a falar de dois milhões de refugiados sírios que chegaram a outros países, a juntar aos quatro milhões deslocados internamente, temendo que muito pior se poderia tornar a situação se
realmente o Presidente norte-americano, Barack Obama, tivesse dado ordem, logo na primeira quinzena de Setembro, para se atacar a Síria, com todo o apoio do seu homólogo francês, François Hollande.
Perante o forte sentimento pacifista de uma grande parte da opinião pública europeia e norte-americana, Obama, Prémio Nobel da Paz, recuou; adiou a votação do assunto no Congresso, onde se arriscava a ser derrotado, e aceitou dar uma oportunidade à diplomacia, como lhe era pedido pelo Papa e pela Rússia.
Washington mostrava-se particularmente determinado a avançar depois de, no dia 21 de Agosto, um ataque com gás químico ter causado numa zona de Damasco a morte de centenas de pessoas (algumas fontes chegaram a falar de 1.400). Só que, Moscovo disse que o ataque não teria sido da responsabilidade do Presidente Bashar al-Assad, mas sim das forças que o combatem, entre as quais se encontram extremistas estrangeiros, nomeadamente ligados à Al-Qaeda.
Assad transige
Encostado à parede, sob a ameaça de mísseis norte-americanos, o Presidente sírio prometeu divulgar os locais onde tem depositadas armas químicas e assinar até a convenção internacional contra o uso de tais armas, de modo a que não se arraste esta imensa tragédia humana.
As armas deverão agora ser destruídas ou retiradas do país até meados de 2014, segundo um acordo assinado entre os Estados Unidos e a Rússia.
O secretário-norte-americano de Estado, John Kerry, divulgou no dia 14 de Setembro um documento segundo o qual Damasco entregaria daí a uma semana uma lista completa de todas as suas armas químicas.
Se a Síria não cumprir aquilo a que se comprometeu, o acordo poderá ser reforçado por uma resolução das Nações Unidas, apoiada pela ameaça de sanções ou pela força militar.
A coligação de forças que combate o Presidente Assad rejeitou de imediato o acordo negociado entre Washington e Moscovo, pois estava ansiosa porque os norte-americanos lançassem um ataque militar, que ficou assim em suspenso, pelo menos pelos tempos mais próximos.
No sábado 14 de Setembro as Nações Unidas anunciaram que dentro de um mês, ou seja em 14 de Outubro, a Síria adere à Convenção que proíbe as armas químicas.
Até Novembro, os EUA e a Rússia vão examinar dezenas de locais onde os sírios poderão ter armazenado armas químicas, de modo a que as mesmas venham a ser destruídas até meados do próximo ano.
Entretanto, para se ver bem que não se trata de uma guerra de bons contra maus, surgiram listas de crimes cometidos por grupos da oposição, como execuções, raptos e ataques a bairros civis. A culpa está dos dois lados: ela é tanto do Partido Baas como dos islamistas que o enfrentam; pelo que dos dois lados deveriam ser dados passos no sentido de uma desejável reconciliação.
Ao fim e ao cabo, um ataque limitado às forças sírias, em Setembro, como se chegou a admitir, não iria acabar com o conflito na Síria, mas poderia sim envolver os Estados Unidos numa guerra muito complexa, na qual se enfrentam interesses de países como Israel, a Turquia e o Irão.
Defender a necessidade de acção e, ao mesmo tempo, manter a acção limitada a determinados objectivos tem sido a atitude quase insustentável de Barack Obama, desde o fim de Agosto, não se sabendo muito bem por quanto tempo mais seria possível o Presidente norte-americano continuar assim na corda bamba, com a sua popularidade a diminuir, por não se perceber muito bem o que queria ou em que sentido exacto é que iria avançar.
Obama no labirinto
Há dois anos Obama disse que Assad teria de partir, tal como tiveram de partir Saddam Hussein e Muammar Khadafi. E nunca se percebeu com toda a clareza qual a espécie de ataques que ele tem tido em vista, ao mesmo tempo que se ia especulando que ao enfraquecimento do Presidente sírio se poderia suceder o caos, com limpeza dos alauítas e de outras minorias, nomeadamente a cristã.
Obama, que fez 48 anos no dia 11 de Setembro, declara-se admirador da política externa do primeiro Presidente George Bush, na altura em que caiu o Muro de Berlim e a União Soviética se desintegrou; nomeadamente pelo facto de ele não ter feito grandes pronunciamentos nessa altura, deixando essencialmente que os acontecimentos falassem por si.
Por seu turno, Assad vê-se a si próprio como o último bastião da resistência contra o terrorismo islamista, dizendo que o que quer é uma Síria forte e unificada, sem Irmãos Muçulmanos nem Al-Qaeda. E surge ao olhos de uma série de observadores como o mal menor, de entre os potenciais males que por ali
existem ou se poderão instalar.
Diálogo Washington-Moscovo
A partir de 12 de Setembro reuniram-se em Genebra o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, na presença de um representante as Nações Unidas e da Liga Árabe, de modo a tentar resolver as divergências existentes entre Washington e Moscovo quanto à melhor maneira de resolver o problema sírio.
Enquanto isto, a oposição a Assad ia dizendo que, mesmo sem o recurso a armas químicas, ele é senhor de um vasto arsenal de armas convencionais, pelo que as matanças iriam prosseguir, com um balanço final bem superior a 100.000 mortos.
O grande feito do Papa Francisco, do Governo italiano e de outras instâncias que entraram em cena no início de Setembro foi evitar, pelo menos a curto prazo, que os acontecimentos se precipitassem, quando algumas televisões já diziam estar por dias um lançamento de mísseis norte-americanos contra alvos sírios.
As intervenções da Santa Sé e a recusa do Parlamento britânico em autorizar o Governo de Sua Majestade a participar num bombardeamento de alvos sírios suspenderam o ímpeto inicial de Barack Obama e de François Hollande, que poderia ter levado Assad e alguns dos seus aliados, como o Irão, a retaliarem, atacando Israel, a Turquia e talvez até mesmo alvos em países ocidentais.
(artigo a sair em Outubro na revista comboniana Além-Mar)
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