27.3.15

O espaço vital alemão, em África

(...) Face ao crescente interesse das potências europeias pela África, ao final do século XIX, tornou-se claro que Portugal deveria também definir uma nova política africana já que a crescente presença inglesa, francesa e alemã naquele continente ameaçava a tradicional hegemonia portuguesa nas zonas costeiras de Angola e Moçambique. Apesar do seu reduzido peso político internacional, Portugal mantinha grandes esperanças nos seus territórios ultramarinos, tanto mais que a independência do Brasil, em 1822, privara o País da sua mais importante colónia, obrigando-o a olhar com renovado interesse para as suas possessões africanas, onde, à semelhança do resto do continente, apenas o litoral era efetivamente ocupado. Tornou-se claro que Portugal deveria também definir uma nova política africana já que as crescentes presenças inglesa, francesa e alemã, naquele continente, ameaçavam a tradicional hegemonia portuguesa nas zonas costeiras de Angola e Moçambique. Com base no chamado «direito histórico», alicerçado na primazia da “ocupação de terras”, Portugal reclamava vastas áreas do continente africano, embora, de facto, apenas dominasse feitorias costeiras e pequeníssimos territórios ao redor destas. A partir da década de 1870, ficou claro que apenas o «direito histórico» não seria suficiente e que a presença portuguesa dependia do alargamento territorial para o interior e do correspondente controlo das possessões reclamadas. Para tal, começaram a ser organizados planos destinados a promover a exploração do interior da África. Em 1877, foi lançado um conjunto de iniciativas exploratórias, destinadas a conhecer os territórios compreendidos entre Angola e Moçambique, que levaram às famosas expedições de Serpa Pinto e de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens. O primeiro fez, entre 1877 e 1879, a ligação entre Benguela (Angola) e Durban (África do Sul). Os segundos partiram de Moçâmedes (Angola), em 1884, e atingiram Quelimane (Moçambique), cerca de um ano depois. Posteriormente, foram enviadas algumas expedições militares, entre 1885 e 1890, a fim de reclamar esses territórios à luz do princípio da «ocupação efetiva do território». O Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Vicente Barbosa du Bocage, personalidade muito ligada à Sociedade de Geografia, desejava efetivar o projeto do «mapa-cor-de-rosa», o “velho” sonho de ligar Angola a Moçambique, com a consciência de que esse plano interferia com os interesses britânicos na África Central, designadamente, com o projeto inglês, liderado por Cecil Rhodes, da construção de uma linha de caminho-de-ferro, ligando a Cidade do Cabo ao Cairo, estendendo a influência britânica, através da Bechuanalândia (atual Botswana), dos territórios da Matabelândia e da Mashonalândia (no Zimbabwé) e do Barotze (Zâmbia), até à região dos Grandes Lagos. Para a execução do seu plano, oposto ao plano realista da década de 1870, Barbosa du Bocage iniciou negociações com a França e a Alemanha, em 1886, que vieram a ser concluídas pelo seu sucessor, Henrique de Barros Gomes. Em resposta ao «mapa cor-de-rosa», a Inglaterra surpreendeu com o «Ultimato», de 11 de janeiro de 1890, exigindo a retirada das forças portuguesas desses territórios. A ação do Kaiser no período pós-Bismark Quando a Alemanha, em 1898, ouviu o Kaiser proferir a famosa frase “o futuro da Alemanha está sobre a água”, percebeu o anúncio de uma nova política externa (Weltpolitik), apoiada no desenvolvimento das marinhas de guerra e mercante, que dava a Berlim capacidades para intervir em questões internacionais, com possibilidade de obter compensações coloniais. No mesmo ano, o parlamento alemão aprovou a Primeira Lei Naval que deu início à construção acelerada de uma marinha de guerra que contribuiu para desencadear uma rivalidade naval com a Grã-Bretanha. O criador da marinha alemã de alto mar, almirante Alfred von Tirpitz, dizia, ao discursar no parlamento: “Os interesses marítimos da Alemanha cresceram de uma forma completamente inesperada desde a fundação do Império. A sua defesa tornou-se, para a Alemanha, numa questão de sobrevivência. Se se interferir ou prejudicar esses interesses marítimos, o país enfrentará a decadência, primeiro, económica e, depois, política”. À demissão de Bismark, em 18 de março de 1890, por divergências com Guilherme II, seguiu-se uma reformulação do conceito estratégico alemão. À época, a nova política externa berlinense seguiu a doutrina dos intelectuais germânicos, segundo a qual “o Mar” era um fator de poder determinante da política mundial. Segundo esta conceção geopolítica, desenvolvida essencialmente por Friedrich Ratzel, “as poderosas nações continentais teriam, necessariamente, que tornar-se também potências navais, pelo que só assim seria possível a uma nação adquirir supremacia mundial”. Ratzel introduziu também, no pensamento político alemão, a noção de “espaço vital” (Lebensraum), segundo a qual todo o Estado está “necessariamente” em luta para defender o “seu espaço”. Um grande Estado seria concebido como um ser vivo que crescia, retirando espaço aos pequenos países, que não teriam possibilidade de viver. A geopolítica ratzeliana fornecia assim o suporte ideológico justificativo da expansão territorial do Império Alemão. Por seu lado, a Liga Pangermânica defendia que só se podiam expandir as nações que possuam uma “história com raízes culturais, de valor incontestável” (kultur), pelo que as “nações dominantes”, como a Alemanha, deveriam expandir-se à custa de pequenos povos “inaptos à vida e incapazes de formar um Estado”. Esta Liga, que teve uma grande aceitação nos meios académicos e militares da Alemanha, apoiava a “colonização” como ideia cultural da «missão civilizadora do II Reich». Assim, a partir da década de noventa do século XIX, sob impulso de Guilherme II, os governos da Alemanha passaram a apoiar planos de expansão em África, estimulados pelo crescimento económico do País e pela doutrina social-darwinista, pelo que o Kaiser se sentia compelido a intervir com mais determinação em questões não europeias, mesmo que para tal tivesse de entrar em rotura, ou mesmo em conflito, com a Grã-Bretanha. A “querela luso-britânica do Ultimato” e dívida externa portuguesa Entre 1898 e 1899, tiveram lugar os incidentes conhecidos por “crise de Fachoda, quando a França e a Grã-Bretanha decidiram construir linhas de caminho-de-ferro destinadas a ligar as respectivas colónias africanas, de Dakar (Senegal) a Djibouti (Costa Oriental de África) e do Cairo (Egito) à Cidade do Cabo (África do Sul). A pequena cidade de Fachoda, situada no entroncamento das duas linhas, converteu-se em palco da confrontação. Uma expedição militar francesa chegou a Fachoda antes da volumosa força expedicionária britânica, procedente do Egipto. Os franceses tiveram de se retirar, devido à sua inferioridade numérica. A resolução deste incidente e o aumento da influência alemã na zona levaram à assinatura da «Entente Cordiale» (1904): a França reconhecia o domínio britânico no Egipto em troca do direito de atuar livremente em Marrocos e o domínio anglo-egípcio sobre o Sudão[18]. A «Entente Cordiale» constituiu uma série de acordos entre Grã-Bretanha e a França (8 de abril de 1904). Além das preocupações imediatas de expansão colonial, o acordo marcou o fim de quase um milénio de conflitos intermitentes entre as duas nações, formalizando a coexistência pacífica que já existia desde o fim das guerras napoleónicas (1815). O acordo resolveu muitos problemas de longa data. A França reconhece o controlo britânico sobre o Egito, enquanto a Grã-Bretanha é recíproca a respeito da França em Marrocos. A França desistiu de seus direitos exclusivos de pesca nas margens de Terra Nova e em troca recebeu uma indenização e territórios na Gâmbia (Senegal) e na Nigéria. A Grã-Bretanha retirou reclamações relativas ao regime aduaneiro francês em Madagáscar. Em 20 de novembro de 1889, com vista a manter os portugueses afastados da expansão inglesa na Zambézia, o governo inglês também abriu um conflito em relação aos territórios africanos sob bandeira portuguesa, alegando que “os Macololos [povo da região no Alto Zambeze] foram atacados pelo Major Serpa Pinto, depois de o Cônsul Britânico lhe ter declarado que estavam sob a proteção da Inglaterra, de que o Major com uma força de 4.000 homens, 7 metralhadoras e 3 vapores se achava em Ruo [bacia hidrográfica na margem leste do Chire] e que tinha declarado oficialmente que era sua intenção tomar posse de toda esta região até ao lago Nyassa. Avisou, além disso, as estações inglesas de Blantyre [Malawi] de que terão de colocar-se sob a proteção de Portugal ou de sofrer as consequências que poderiam resultar de assim o não fazerem. (…). George G. Petre [Ministro plenipotenciário e extraordinário do Governo britânico em Lisboa]”. Um mês depois, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Henrique de Barros Gomes, justificava que “o Governo Português organizara uma expedição de carácter puramente técnico, sem recursos de pessoal para empreender uma guerra, da qual foi dado conhecimento ao Governo de S. M. B. e a ela se referiam, em tempo, todos os jornais, incluindo, os ingleses, sem que suscitasse o mínimo reparo o local onde ela devia operar; que ao bom êxito dessa expedição se opuseram as perturbações ocorridas no Chire e, mais tarde, os boatos espalhados e os manejos no intuito expresso de a contrariar, tendo a expedição portuguesa sido, durante a ausência do Major Serpa Pinto, atacada e que (este) não atacou.” Tais acontecimentos e os correspondentes desenvolvimentos diplomáticos culminaram no “Ultimato” inglês, de 11 de janeiro de 1890, cuja querela a Alemanha se disponibilizou para mediar, através do seu embaixador na Áustria, tendo dado instruções ao seu embaixador em Londres, para dar sinal ao Primeiro-ministro britânico acerca dos interesses germânicos em África. Em face da promessa de secretismo alemão, o governo inglês aceitou a proposta alemã, que o ministro português dos Negócios Estrangeiros também viu com agrado (ou ingenuidade?), em abril de 1891. Em junho, foi assinado um do Tratado Luso-britânico, com duras exigências a Portugal. Aqui, o fator determinante, que levou Berlim a interferir, foi a Revolta de 31 de janeiro de 1891, pois a instauração do regime republicano, em Portugal, com reflexos em Espanha, podia aliar ambos Estados à França. A pretexto da situação financeira do País, o embaixador alemão em Lisboa tentou sensibilizar outras potências para uma «demonstração naval» no Tejo. Portugal, em grave crise financeira, necessitava de desenvolver os territórios africanos. Em maio de 1898, o Governo negociava um empréstimo com Londres. A Alemanha, desejosa de consolidar a sua ideia de Mittelafrika, propôs à Inglaterra um empréstimo a Portugal, em comum, garantido pelos rendimentos das alfândegas coloniais. Pois, no caso de Portugal não pagar ou em caso de queda do Império, cada país assumiria as responsabilidades por «esfera de influência». Por seu lado, a Inglaterra pretendia garantir a neutralidade da Alemanha, em África, mas esta só deixaria de apoiar os Boer com a assinatura de um acordo de “divisão” da África Austral em «esferas de influência». A 30 de agosto de 1898, ingleses e alemães assinaram três documentos: convenção sobre o possível empréstimo a Portugal; convenção secreta para a hipótese de Portugal não poder manter as suas colónias africanas ao Sul do Equador e a ilha de Timor; e nota secreta sobre concessões nas «esferas de influência». Ambos os países se comprometiam a um empréstimo comum, dividindo os rendimentos das alfândegas de Angola, Moçambique e Timor. Mas os acordos secretos não alteravam nada aos ingleses, uma vez que, pelo Tratado de 1891, estes já detinham o direito à preferência do território a Sul do Zambeze. Portugal acabou por obter o auxílio financeiro da França, o que lhe permitiu recusar aquele “presente envenenado”. Numa declaração secreta Luso-Britânica, de 14 de outubro de 1899, Portugal comprometeu-se a não deixar passar armamento e munições para o Transval e a não declarar neutralidade em caso de guerra, entre este último e a Inglaterra, garantindo esta a segurança das colónias portuguesas. Em 1912, com Portugal fragilizado pela conjuntura pós-revolucionária da Primeira República, a Inglaterra pôs em causa a aliança, iniciando uma revisão formal do acordo secreto de 1898, com a Alemanha, retomando a ideia do empréstimo mútuo. Desta vez, as promessas e facilidades oferecidas pela Inglaterra procuravam desencorajar os alemães de prosseguirem o seu programa naval, para a partilha da Ásia. Na versão alemã, o preâmbulo da Convenção deveria prevenir e obviar as “complicações internacionais de uma possível crise financeira em Portugal, mantendo a sua integridade e independência e preservando os interesses das colónias alemães e inglesas contíguas às portuguesas.” Os trabalhos para a revisão decorreram em 1913, nunca tendo sido publicado um texto final, entre outros motivos, porque a França teve conhecimento das negociações. Seguiu-se a Grande Guerra, o que impediu a conclusão do “famigerado” acordo. Por esta época e a propósito do “plano estratégico alemão”, já em 1911, na sua obra “A Alemanha e a próxima Guerra”, o general Friedrich Von Bernhardi, adepto das ideias nacionalistas extremistas da Liga Pangermânica, referia-se Portugal e às colónias, nos seguintes termos: “(…). Um desastre financeiro ou político de Portugal poderia dar-nos ocasião de adquirir parte das colónias portuguesas. Podemos inclusive supor que existem, entre Inglaterra e Alemanha, certos acordos sobre a eventual divisão das ditas colónias, ainda que não tenha sido dada publicidade aos mesmos. Se realmente existem tais acordos e se a Inglaterra estará disposta a honrá-los, quando chegar a hora, o futuro o dirá. A Inglaterra poderia até encontrar meios de tornar o convénio ineficaz, e, a dizer a verdade, após troca de informações com a Alemanha, a respeito deste ponto, sabe-se que o governo inglês garantiu a Portugal, em convénio separado, a posse das suas colónias”. O fim do império colonial alemão em África Após o eclodir das declarações de guerra, na Europa, no verão de 1914, os alemães foram perdendo as suas colónias africanas. A Togolâdia rendeu-se aos ingleses, em 24 de agosto, após terem autodestruído a estação de rádio de Kamina. Nos Camarões, no início de 1916, o comandante da «schutztruppe» ordenou a retirada das unidades alemãs, bem como dos civis, para Rio Muni, na Guiné Espanhola (atual Guiné Equatorial). No Sudoeste Africano, o último comandante da «kaiserliche schutztruppe», rendeu-se perto de Knorab, a 9 de julho, e os prisioneiros alemães foram transportados para campos de concentração perto de Pretória e, posteriormente, transferidos para Pietermaritzburg, na região oriental, a 80 km de Durban. Na África Oriental Alemã, as operações tiveram mais desenvolvimentos. Desde o início de 1914, Paul von Lettow-Vorbeck comandava, ali, as forças alemãs. Quando a guerra eclodiu na Europa, este ignorou a ordem de neutralidade e aprontou-se para combater. Por isso, evitou a ocupação de Tanga, em novembro de 1914, repelindo os ingleses. O seu plano consistia em afrontar e capturar o maior número possível de tropas britânicas, mantendo a máxima pressão sobre as forças remanescentes, para forçar a Entente a desviar o efetivo do teatro de guerra na Europa. Para minorar as perdas de pessoal, Lettow-Vorbeck evitou confrontos com forças britânicas, desencadeando ações de guerrilha no Quénia e na Rodésia. Para o efeito, aproveitou tudo o que encontrava disponível, sendo disso exemplo paradigmático a utilização do pessoal e armamento, incluindo o material de artilharia, do cruzador alemão SMS Königsberg, afundado no delta do Rio Rufiji, em 11 de julho de1915. Como a possibilidade de reforçar e manter os efetivos, por parte da Grã-Bretanha, era real e decisiva, Lettow-Vorbeck fez uma incursão para sul e atravessou o rio Rovuma, em novembro seguinte, penetrando em Moçambique, até perto da costa, entre Angoche e Quelimane, onde desenvolveu atividade operacional, durante cerca de nove meses, com ataques a guarnições portuguesas para capturar pessoal e subsistências. Reentrou no território da África Oriental Alemã, em 28 de setembro de 1918, para rumar para sudoeste, em direção a Kasama, e atacar os ingleses na Rodésia do Norte, evitando a armadilha que os britânicos, entretanto, lhe haviam preparado na África Oriental Alemã. A 12 de novembro de 1918, um dia após a assinatura do Armistício de Compiègne, tomou Kasama, que os britânicos haviam evacuado, naquela que foi a “última vitória alemã” no conflito. Daí continuou para sul, em direção ao Katanga, tendo chegado às margens do rio Chambeshi, na manhã de 14 de novembro, onde o inimigo o informou de que “a Alemanha manifestara a rendição incondicional de todas as tropas que operavam na África Oriental”. Aceitou então as instruções dos britânicos para se dirigir com as suas forças para norte, até Abercorn (Mbala) para aí formalmente se render, o que ocorreu a 23 de novembro. Conclusão De uma forma geral, a colonização dos territórios africanos, visando o monopólio do comércio internacional, não foi um processo pacífico, confrontado mais com a resistência dos povos do interior, uma vez que os do litoral, ainda não totalmente saneados dos vícios do tráfico negreiro, estavam em transição para outras atividades comerciais. Nesta conformidade, a exploração colonialista alemã assumiu fórmulas violentas de relacionamento com diferentes comunidades africanas tentando exercer uma pretensa superioridade racial e cultural sobre as maiorias nativa materialmente inferiores. A assinatura de Tratados de protetorado deveria tranquilizar o processo de ocupação, comprovando a extensão dos domínios. Porém, este formalismo provocou frequentes conflitos entre os colonizadores (na África oriental, entre alemães e ingleses, e, na África ocidental, entre franceses e ingleses), pela corrida às povoações (para “chegarem primeiro” e “venderem proteção e exclusividade de comércio”), os quais, nunca redundando em conflitos militares, foram sempre resolvidos, na Europa, pela via político-diplomática. Major-general Adelino de Matos Coelho, Revista Militar Agosto/Setembro 2014

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