10.9.15

Bissau: Um "não Estado"

GUINÉ-BISSAU - UM "NÃO ESTADO" Muitos familiares, amigos, conhecidos e correspondentes do FB perguntaram-me por que razão, tendo eu um razoável conhecimento do país e das suas gentes, não tinha escrito uma linha sequer sobre a actual situação na Guiné-Bissau. Bom, em primeiro lugar, não tenho o dom da futurologia, nem disponho de bolas de cristal ou de cartas de "tarot"; em segundo lugar, as minhas opiniões estão dadas em obras anteriores e não me desvio um milímetro do que que já disse, até porque não há razões para tal; em terceiro lugar, não quero deitar mais achas para a fogueira e receio que as minhas palavras possam ser mal interpretadas e alvo de indignadas críticas. Mas se me pedem a minha opinião - e faço-o com sinceridade -, aqui vai de uma forma sintética: A meu ver e como já o escrevi em obras anteriores (“Crónicas dos (des)feitos da Guiné”, Almedina, Coimbra, 2012; “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau”, Fronteira do Caos, Porto, 2014; “Guerra na Bolanha – De estudante, a militar e diplomata”, Âncora Editora, Lisboa, 2015) não existem verdadeiras estruturas políticas e administrativas na Guiné-Bissau que permitam aos transitórios detentores do Poder político controlar o território, nem assegurar os serviços públicos basilares e, muito menos, equilibrar o domínio político omnipresente do exército, herança da luta de libertação e que se perpetuou no tempo. A bem dizer, deparamos com uma verdadeira ausência de Estado. Acrescentaria que a ascensão ao Poder, pelo menos até uma data bem recente, só era viável com a aprovação tácita das Forças Armadas e no entendimento de que o poder civil, sufragado ou não nas urnas, não interfere com o poder militar, que é totalmente autónomo. Esta debilidade sistémica encontra-se na raiz das crises políticas permanentes, dos repetidos golpes de Estado, da instabilidade político-social e da proliferação de redes criminosas, com ligações ao narco-tráfico. Infelizmente – e estas palavras são muito duras, mas não as mastigo - sou forçado a constatar que, na Guiné-Bissau, a miséria é generalizada, o tribalismo constitui uma ameaça prenhe de riscos e, a nível de muitos dirigentes políticos, sobretudo no passado recente, investidos de funções de mando, a corrupção e o nepotismo imperam. O país transitou de Estado frágil para Estado falhado para hoje se assumir, na prática, como um não-Estado, ou seja um Estado meramente virtual, uma vez que os reais atributos de Estado, tal como os definem os manuais de ciência política, não se lhe aplicam. Para não cair no pessimismo mais sombrio, espero que os futuros dirigentes da Guiné-Bissau: consigam, efectivamente, retirar o país do pântano em que se afundou e que construam o Estado que não existe há mais de 40 anos. FRANCISCO HENRIQUES DA SILVA, embaixador (publicado no FB)

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