29.9.15

Bissau: Ano 43

Guiné-Bissau, ano 43 A Guiné-Bissau entrou no dia 24 de Setembro no seu quadragésimo terceiro ano como país independente, mas a instabilidade é tal que o Presidente da República, José Mário Vaz, nem sequer teve oportunidade de se deslocar logo a seguir à Cimeira das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável. Vaz, que está a ser altamente contestado, desde que há sete semanas afastou o Governo de Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, fez-se representar pelo embaixador guineense na ONU, João Soares da Gama, que pediu aos parceiros e doadores para, apesar de tudo, implementarem as medidas de apoio ao país que no mês de Março haviam sido decididas durante uma mesa redonda efectuada em Bruxelas. Acontece, porém, que os compromissos da comumidade internacional tinham sido assumidos dentro do pressuposto de que a Guiné-Bissau estava a ir agora por um bom caminho, depois das eleições gerais do ano passado, com as quais se procurara ultrapassar os efeitos nefastos do golpe de 2012. O bom caminho foi sol de pouca dura, uma vez que o Presidente José Mário Vaz não se conseguiu entender com a Assembleia Nacional Popular e com o Governo, apesar de as três entidades se encontrarem nas mãos do PAIGC, o partido que no dia 24 de Setembro de 1973 proclamou unilateralmente a independência, nas Colinas do Boé. O embaixador João Soares da Gama afirmou na ONU que a Agenda 2030 é essencial "para um país que tem estado em instabilidade durante muito tempo" e que a mesma agenda se encaixa no plano de desenvolvimento estratégico da Guiné-Bissau durante os próximos 10 anos, programa esse designado "Terra Ranka". Só que, depois da queda do Governo de Domingos Simões Pereira e da tentativa inglória do Presidente para promover um Governo entregue a um dissidente do PAIGC, Baciro Djá, ficou claramente em causa o objectivo de "uma reviravolta, após décadas de pobreza e instabilidade". Nesta altura, o Governo da Guiné-Bissau encontra-se nas mãos de um dos elementos mais velhos do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o engenheiro agrónomo Carlos Correia, que já por três vezes no passado desempenhou idênticas funções. Era então Presidente da República João Bernardo Vieira, "Nino". Cabe agora à equipa de Carlos Correia, devidamente apoiada pelo chefe do seu partido, Domingos Simões Pereira, tentar conseguir "uma transformação positiva", segundo foi dito na ONU pelo embaixador João Soares da Gama. Mas, sabendo nós o que sabemos, de tantas esperanças adiadas, ao longo dos primeiros 42 anos de vida da Guiné-Bissau como estado independente, custa-nos a acreditar cegamente que este quadragésimo terceiro ano, em que ora entrámos, seja finalmente o do arranque para a estabilidade política, o desenvolvimento e até mesmo a preservação da grande biodiversidade que existe por aquelas bandas. Hoje, como há seis ou sete anos, fala-se de "uma grande reforma da Justiça, Defesa e Segurança, bem como de uma modernização das instituições do Estado". Tudo isto são palavras muito bonitas, para se dizerem nas conferências internacionais ou na Assembleia Geral das Nações Unidas. Mas daí até à consolidação das práticas democráticas vai uma distância maior do que aquela que medeia entre Lisboa e Bissau. O caso guineense foi nestes últimos dias debatido na ONU entre o secretário-geral Ban Ki-moon e o Presidente português, Aníbal Cavaco Silva, ambos aparentemente esperançados em que haja paz e coesão social na Guiné-Bissau, de modo a que um dia, sabe-se lá quando, se possa enfim alcançar o tão sonhado desenvolvimento económico de um território que até agora tem estado, indubitavelmente, entre os 15 ou 20 mais pobres do planeta em que vivemos. Esta entrada no ano 43 da vida da Guiné-Bissau foi ainda assinalada, entre outras iniciativas, pelo lançamento, pelas Edições Corubal, do livro de poemas "Desesperança no Chão de Medo e Dor", de Tony Tcheka, pseudónimo do jornalista António Soares Lopes Júnior. A palavra "desesperança", no título desta colectânea, como anteriormente a expressão "(Des)feitos da Guiné", utilizada em 2012 pelo embaixador português Francisco Henriques da Silva, dizem-nos bem do inconseguimento que tem sido a trajectória do povo guineense, desde o assassínio de Amílcar Cabral e da proclamação unilateral, e quiçá prematura, de uma independência que fora idealizada em moldes bem diversos. "Ficámos na desesperança dos cantos/desmembrados/no espaço oco à espera do nada", lê-se a meio de um dos poemas de Tony Tcheka, enquanto prossegue a "espera da herança proclamada". Jorge Heitor

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