17.9.15

Burkina: Quando Compaoré capitulou

O Presidente do Burkina Faso (Terra dos Ho­mens Íntegros), Blaise Compaoré, suspeito de em 1987 ter tido responsabilidade na morte do seu antecessor, Thomas Sankara, queria alterar a Constituição, de modo a que no próximo ano se candidatasse a mais um mandato, como o têm feito tantos déspotas por esse mundo fora, nomeadamente no continente africano. Quando o povo daquela região do Sahel se agitou contra tal hipótese e saiu à rua, em “marcha triun­fal”, como se diz no hino nacional, que é da autoria de Sankara, um campeão das esquerdas africanas, Com­paoré pediu que ao menos o deixassem tranquilo até ao fim do seu actual mandato, em 2015. Mas era já tarde. Os presidentes Barack Obama e François Hollande tinham-no advertido recentemente contra as tentativas de revisão constitucional, no sentido de se perpetuar no poder, como um qualquer Mugabe ou outros políticos que têm vindo a cair no descrédito geral. Ele não os ouviu. Os militares agitaram-se e Blaise Compaoré demitiu-se, partindo para um exí­lio dourado em Yamossoukro, capital administrativa da vizinha Costa do Marfim, instalando-se numa residência de luxo colocada à sua disposição pelo Presidente Alassane Ouattara, que tem afinidades étnicas com o Burkina Faso, país outrora conhecido como o Alto Volta. Declarando o poder vago, em vez de o passar a um presidente do Senado ou da Assembleia, como seria a regra constitucional, Compaoré permitiu a tomada do poder pelas Forças Armadas, que assim sequestraram a vontade popular, deturpando o sentido da revolta. A União Africana não gostou do curso dos acon­tecimentos e deu aos militares duas semanas para passarem o testemunho a um Governo provisório constituído por civis, decorrendo nesta altura con­versações para que isso possa vir a acontecer. Oxalá tudo acabe em bem. “O horizonte de felicidade” de que também se fala no hino nacional burkinabe ainda está muito longe, continuando o país a ser um dos mais pobres do mundo. Apesar de se saber que tem reservas de ouro, continua a viver essencialmente da agri­cultura. Um país que formalmente tem como religião principal o islamismo e em segundo lugar um bom contingente de católicos, mas que ao fim e ao cabo ainda se encontra fortemente dominado por práticas animistas, no interior de uma África que por muitos retoques que leve ainda conserva os seus valores culturais próprios, não muito diferentes hoje do que eram há 60 ou 70 anos. Os povos do Burkina Faso, dos Camarões e do Chade, entre outros que têm vindo a ser governados por autocratas, que desconhecem o que seja uma democracia verdadeiramente representativa, querem a liberdade e o progresso que lhes têm sido negados. Depois do egípcio Hosni Mubarak, do tunisino Ben Ali, do líbio Muammar Kadhafi e do burkinabe Blaise Compaoré, também o camaronês Paul Biya e o chadiano Idris Déby Ito terão de partir, porque é essa a vontade dos respectivos povos, porque é esse o sentido da História. A lógica e os bons costumes não são de molde a que uma mesma pessoa governe durante mais de 25 anos, seja como primeiro-ministro seja como Presi­dente da República; ou numa sucessão destas duas funções, como nos casos de Paul Biya e de Robert Gabriel Mugabe. Em Moçambique, por exemplo, Joaquim Alberto Chissano e Armando Emílio Guebuza compreende­ram muito bem que não se poderiam eternizar como presidentes. Na África do Sul, Mandela deu o exemplo supremo, cingindo-se a um só mandato. É agora tempo de a lição ser devidamente aprendida em Angola, na Guiné Equatorial, no Zimbabwe, nos Camarões, no Chade e no Congo. Jorge Heitor, no CORREIO DA MANHÃ, de Maputo – 06.11.2014

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