5.2.15

Mário Soares visto por Marinho e Pinto

"A polémica em torno das acusações das autoridades angolanas segundo as quais Mário Soares e seu filho João Soares seriam dos principais beneficiários do tráfico de diamantes e de marfim levadas a cabo pela UNITA de Jonas Savimbi, tem sido conduzida na base de mistificações grosseiras sobre o comportamento daquelas figuras políticas nos últimos anos. Enquanto desde logo a intervenção pública da generalidade das figuras políticas do País, que vão desde o Presidente da República até ao Deputado do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, passando pelo PP de Paulo Portas e Basílio Horta, pelo PSD de Durão Barroso e por toda a sorte de fazedores de opinião, jornalistas (ligados ou não à Fundação Mário Soares), pensadores profissionais, autarcas, «comentadores» e comentadores de serviço, etc. Tudo como se Mário Soares fosse uma virgem perdida no meio de um imenso bordel. Sei que Mário Soares não é nenhuma virgem, e que o País (apesar de tudo) não é nenhum bordel. Sei também que não gosto nada de Mário Soares e do filho João Soares, os quais se têm vindo a comportar politicamente como uma espécie de versão portuguesa da antiga dupla haitiana «Papa Doc» e «Baby Doc». Vejamos então porque é que não gosto deles. A primeira ideia que se agigante sobre Mário Soares é que é um homem que não tem princípios, mas sim fins. É-lhe atribuida a frase "Em política, feio, feio, é perder". São conhecidos também os seus zigue-zagues políticos desde antes do 25 de Abril. Tentou negociar com Marcelo Caetano uma legalização do seu (e dos seus amigos) agrupamento político, num gesto que mais não significava do que uma imensa traição a toda a oposição, mormente àquela que mais se empenhava na luta contra o fascismo. Já depois do 25 de Abril, assumiu-se como o homem dos Americanos e da CIA em Portugal e na própria Internacional Socialista. Dos mesmos Americanos que acabavam de conceber, financiar e executar o golpe contra Salvador Allende no Chile, e que colocara no poder Augusto Pinochet. Mário Soares combateu o comunismo e os comunistas portugueses como nenhuma outra pessoa o fizera durante a Revolução, e foi amigo de Nicolae Ceausescu, figura que chegou a apresentar como modelo a ser seguido pelos comunistas portugueses. Durante a Revolução Portuguesa, andou a gritar nas ruas do País a palavra de ordem "Partido Socialista, Partido Marxista", mas mal se apanhou no poder meteu o socialismo na gaveta e nunca mais o tirou de lá. Os seis Governos notabilizaram-se por 3 coisas: políticas abertamente de direita, a facilidade com que certos empresários ganhavam dinheiro e essa inovação da austeridade soarista (versão bloco central), que foram os salários em atraso. Insultos a um Juiz. Em Coimbra, onde veio uma vez como Primeiro-Ministro, foi confrontado com uma manifestação de trabalhadores com salários em atraso. Soares não gostou do que ouviu (chamaram-lhe o que Soares tem chamado aos governantes angolanos), e alguns trabalhadores foram presos por polícias zelosos. Mas, como não apresentou queixa (o tipo de crime em causa exigia a apresentação de queixa), o Juiz não teve outro remédio se não libertar os detidos no próprio dia. Soares não gostou e insultou publicamente esse Magistrado, o qual ainda apresentou queixa ao Conselho Superior da Magistratura contra Mário Soares, mas sua excelência não foi incomodado. Na sequência, foi modificado o Código Penal, o que constituiu a primeira alteração de que foi alvo por exigências dos interesses pessoais de figuras públicas. Soares é arrogante, pesporrante e malcriado. É conhecidíssima a frase que dirigiu, perante as câmaras de TV, a um agente da GNR em serviço que cumpria a missão de lhe fazer escolta enquanto Presidente da República durante a presidência aberta em Lisboa: «Oh Sr. Guarda! Desapareça!». Nunca em Portugal um agente da autoridade terá sido tão humilhado publicamente por um responsável político, como aquele pobre soldado da GNR. Em minha opinião, Mário Soares nunca foi um verdadeiro democrata. Ou melhor, é muito democrata se for ele a mandar. Quando não, acaba-se imediatamente a democracia. À sua volta não tem amigos, e ele sabe-o: tem pessoas que não pensam pela própria cabeça e que apenas fazem o que ele manda e quando ele manda. Só é amigo de quem lhe obedece. Quem ousar ter ideias próprias é triturado sem quaisquer contemplações. Algumas das suas mais sólidas e antigas amizades ficaram pelo caminho quando ousaram pôr em causa os seus interesses e as suas ambições pessoais. Soares é um homem de ódios pessoais sem limites, os quais sempre colocou acima dos interesses políticos do partido e do próprio País. Em 1980, não hesitou em apoiar objectivamente o General Soares Carneiro contra Eanes, não por razões políticas, mas devido ao ódio pessoal que nutria pelo General Ramalho Eanes. E como o PS não alinhou nessa aventura que iria entregar a Presidência da República a um General do antigo regime, Soares, em vez de acatar a decisão maioritária do seu partido, optou por demitir-se e passou a intrigar, a conspirar e a manipular as consciências dos militantes socialistas e de toda a sorte de oportunidades, não hesitando mesmo em espezinhar amigos de sempre como Francisco Salgado Zenha. Confesso que não sei porque é que o séquito de prosélitos do soarismo, onde, lamentavelmente, parece ter-se incluído o actual Presidente da República, apareçam agora tão indignados com as declarações de governantes angolanos e estiveram tão calados quando da publicação do livro de Rui Mateus sobre Mário. Soares. Na altura todos meteram a cabeça na areia, incluindo o próprio clã dos Soares, e nem tugiram nem mugiram, apesar de as acusações serem então bem mais graves do que as de agora. Porque razão é que Jorge Sampaio se calou contra as «calúnias» de Rui Mateus? Dinheiro de Macau. Anos mais tarde, um senhor que fora Ministro de um Governo chefiado por Mário Soares, Rosado Correia, vinha de Macau para Portugal com uma mala com dezenas de milhares de contos. A "proveniência" do dinheiro era tão pouco limpa, que um membro do Governo de Macau, António Vitorino, foi a correr ao aeroporto tirar-lhe a mala à última hora. Parece que se tratava de dinheiro que tinha sido obtido de empresários chineses com a promessa de benefícios indevidos por parte do Governo de Macau. Para quem era esse dinheiro foi coisa que nunca ficou devidamente esclarecida. O caso Emaudio (e o célebre fax de Macau) é um episódio que envolve destacadíssimos soaristas, amigos intímos de Mário Soares e altos dirigentes do PS da época soarista. Menano do Amaral chegou a ser responsável pelas finanças do PS, e Rui Mateus foi durante anos responsável pelas relações internacionais do partido, ou seja, pela angariação de fundos no estrangeiro. Não havia seguramente no PS ninguém em quem Soares depositasse mais confiança. Ainda hoje subsistem muitas dúvidas (e não só as lançadas no livro de Rui Mateus) sobre o verdadeiro destino dos financiamentos vindos de Macau. No entanto, em Tribunal os pretensos corruptores foram processualmente separados dos alegados corrompidos, com esta peculiaridade (que não é inédita) judicial: os pretensos corruptores foram condenados, enquanto os alegados corrompidos foram absolvidos. Aliás, no que respeita a Macau só um Pais sem dignidade e um povo sem brio nem vergonha é que toleravam o que se passou nos últimos anos (e nos últimos dias) de administração portuguesa naquele Território, com os chineses pura e simplesmente a chamarem ladrões aos portugueses. E isso não foi só dirigido a alguns colaboradores de cartazes do MASP que a dada altura enxamearam aquele território. Esse epíteto chegou a ser dirigido aos mais altos representantes do Estado Português. Tudo por causa das fundações criadas para tirar dinheiro de Macau. Mas isso é outra história cujos verdadeiros contornos hão-de ser um dia conhecidos. Não foi só em Portugal que Mário Soares conviveu com pessoas pouco recomendáveis. Veja-se o caso de Betino Craxi, o líder do PS italiano, condenado a vários anos de prisão pelas autoridades judiciais do seu país, devido a graves crimes como corrupção. Soares fez questão de lhe manifestar publicamente solidariedade quando ele se refugiou na Tunísia. Veja-se também a amizade com Felipe Gonzáles, líder do Partido Socialista de Espanha que não encontrou melhor maneira para resolver o problema político do País Basco senão recorrer ao terrorismo, contratando os piores mercenários do Lumpen e da extrema-direita da Europa para assassinar militantes e simpatizantes da ETA. Mário Soares utilizou o cargo de Presidente da República para passear pelo estrangeiro como nunca ninguém fizera em Portugal. Ele, que com tanta austeridade impôs aos trabalhadores portugueses enquanto Primeiro-Ministro, gastou, como Presidente da República, milhões de contos dos contribuintes portugueses em passeatas pelo Mundo, com verdadeiros exércitos de amigos e prosélitos do soarismo, com destaque para jornalistas. São muitos desses «viajantes» que hoje sem põem em bicos de pés a indignar-se pelas declarações dos governantes angolanos. Enquanto Presidente da República, Soares abusou como ninguém das distinções honoríficas do Estado Português. Não há praticamente nenhum amigo que não tenha recebido uma condecoração, enquanto outros cidadãos, que tanto mereceram, não obtiveram qualquer distinção durante o seu «reinado». Um dos maiores vultos da resistência antifascista no meio universitário, e um dos mais notáveis académicos portugueses, perseguido pelo antigo regime, o Prof. Orlando de Carvalho, não foi merecedor, segundo Mário Soares, da Ordem da Liberdade. Mas alguns que até colaboraram com o antigo regime receberam as mais altas distinções. Orlando de Carvalho só veio a receber a Ordem da Liberdade depois de Soares deixar a Presidência da República, ou seja, logo que Sampaio tomou posse. A razão foi só uma: Orlando de carvalho nunca prestou vassalagem a Soares, e Jorge Sampaio não fazia depender disso a atribuição de condecorações. Fundação com dinheiros públicos. A pretexto de uns papeis pessoais cujo valor histórico ou cultural nunca ninguém sindicou, Soares decidiu fazer uma Fundação com o seu nome. Nada de mal se o fizesse com dinheiro seu, como seria normal. Mas não: acabou por fazê-lo com dinheiros públicos. Só o Governo, de uma só vez, deu-lhe 500 mil contos, e a Câmara de Lisboa, presidida pelo seu filho, deu-lhe um prédio no valor de centenas de milhares de contos, Nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha ou em qualquer país em que as regras democráticas fossem minimamente respeitadas muita gente estaria, por isso, a contas com a justiça, incluindo os próprios Mário e João Soares, e as respectivas carreiras políticas teriam aí terminado. Tais práticas são absolutamente inadmissíveis num país que respeitasse o dinheiro estorquido aos contribuintes pelo fisco. Se os seus documentos pessoais tivessem valor histórico Mário Soares deveria entregá-los a uma instituição pública, como a Torre do Tombo, ou o Centro de Documentação 25 de Abril, por exemplo. Mas para isso era preciso que Soares fosse uma pessoa com humildade democrática e verdadeiro amor pela cultura. Mas não. Não eram preocupações culturais que motivavam Soares. O que ele pretendia era outra coisa. Porque as suas ambições não têm limites ele precisava de um instrumento de pressão sobre as instituições democráticas e dos órgãos de poder e de intromissão directa na vida do País. A Fundação Mário Soares está a transformar-se num verdadeiro cancro da democracia portuguesa.
Artigo publicado em 2000 no Diário do Centro

Nenhum comentário: