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Angola e o povo judaico

Angola: a Terra Prometida 20-08-2005 | Fonte: Expresso No início do século XX, o movimento sionista chegou a negociar a instalação em Angola do Estado de Israel. O projecto mereceu a aprovação unânime do Parlamento português, foi mantido em lume brando até à década de 30 e ainda incomodou o regime de Salazar. Mas, como o planalto de Benguela não era o destino sonhado por milhões de judeus, a ideia acabou por ser definitivamente abandonada. Há 57 anos, os israelitas celebraram a criação de um Estado independente na Palestina, o destino sonhado por milhões de judeus durante séculos de tortura e privações. Mas, surpreendentemente, no início do século XX o movimento sionista pretendeu fazer da colónia portuguesa de Angola a Terra Prometida. A criação de um Estado judaico no Planalto de Benguela teve aprovação parlamentar, originou expedições, inspirou a mediação de Franklin D. Roosevelte captou o interesse do regime de Oliveira Salazar. Os mentores da criação de um Estado israelita nem sempre tiverem em mente a Terra Prometida como local de destino. Fruto da perseguição aos judeus a que se assistiu na Europa no início do século XX, outras zonas do mundo para além do Médio Oriente, como o continente americano ou africano, foram contempladas como possível local de refúgio. Contempladas e negociadas. Foi o caso da colónia portuguesa de Angola, um dos locais discutidos ao mais alto nível para o estabelecimento do que seria o embrião de um futuro Estado judaico. A ideia foi abordada pela primeira vez em 1886, pelo israelita português S. A. Anahory, mas só viria a ganhar contornos políticos depois da proclamação da República, quando um israelita de origem russa, W. Terlo, fez campanha entre os elementos dominantes da sociedade portuguesa por uma colonização em Angola de judeus expulsos da Rússia. Em 1912, o deputado Manuel Bravo fez chegar um projecto-lei ao Parlamento português, onde foi aprovado por unanimidade. De acordo com um artigo da autoria do investigador da Universidade de Cardiff, Ansgar Schäfer, publicado na revista «História», o projecto-lei, a que se deu o nome de «Projecto Bravo», «previa uma colonização israelita no Planalto de Benguela numa área com a extensão de cerca de 45.000 km2», o que, curiosamente, corresponde a mais do dobro da área que tem hoje o Estado de Israel. Segundo o investigador, este projecto continha uma série de concessões generosas, como a oferta de terrenos a famílias de imigrantes israelitas e a isenção de taxas alfandegárias e impostos para os materiais ou transportes relacionados com a colonização. O «Projecto Bravo» teve um grande acolhimento no Parlamento e para se transformar em lei teria ainda de ser aprovado pela segunda câmara, o Senado, tal como previsto pela Constituição, o que veio a acontecer em 29 de Junho de 1913. Contudo, entre a elite israelita não houve grande entusiasmo, acabando o projecto por ser recusado pela Jewish Territorial Organisation (ITO), uma organização fundada em 1904 por Israel Zangwill cujo objectivo principal era a procura de um refúgio para o povo judeu em qualquer região do mundo. Para Esther Mucznik, dirigente da Comunidade Israelita de Lisboa, esta «foi uma iniciativa interessante e surpreendente mas demasiado irrealista para chegar a pôr em prática». Em declarações ao EXPRESSO, afirmou: «A história apontava que a instauração de um Estado judaico só poderia acontecer na Palestina, caso contrário não aconteceria nunca». Mas, há quase um século, as reticências eram menos radicais. A ITO organizou ainda uma expedição à região sob a orientação do cientista inglês J.W. Gregory apesar de existirem à partida várias reservas, nomeadamente o facto de as concessões de terrenos serem limitadas apenas a colonos individuais e de poucos recursos e a dimensão territorial ficar aquém da desejada. Gregory fez uma avaliação mista da sua expedição. Se, por um lado, considerou que a colonização não seria facilmente sucedida, embora a qualidade dos terrenos fosse superior aos da Palestina, por outro declarou que «todo o Portugal está subtilmente saturado de simpatias raciais subconscientes e essa combinação de judeus e portugueses em Angola é uma mistura mais natural do qualquer outra» como se pode ler em A Colonização do Planalto de Benguela de J. Rodrigues. Quatro factores concorreram, entretanto, para o malogro deste empreendimento histórico. Em primeiro lugar cresceu a oposição interna àquilo que poderia vir a ser a criação de um Estado judaico em território português. Foram exigidas várias alterações ao projecto inicial, como a condição de o colono ter de se tornar português para usufruir dos terrenos ou a cláusula que exigia o uso da língua portuguesa nas escolas públicas e correspondência oficial. Por outro lado, a ITO debatia-se com falta de meios para aplicar o projecto, não tendo conseguido encontrar entidades dispostas a financiar esta colonização. Em terceiro, uma questão legal impediu que o projecto se transformasse em lei, em concreto, a aprovação conjunta das duas câmaras, o que nunca aconteceu. O derradeiro obstáculo foi o rebentar, pouco tempo depois, da I Guerra Mundial, um conflito que em Agosto de 1914 colocava Portugal ao lado do Reino Unido e seus aliados. --- A questão, já muita antiga, ganhou agora nova actualidade porque o livro "Do Mapa Cor de Rosa à Europa do Estado Novo", lançado há semanas por Álvaro Henriques do Vale, na Chiado Editora, lhe dedica muitas páginas. Foi por isso que decidi recordar aqui o muito que, ao longo de décadas, se tem escrito sobre o assunto, pois que poderá ainda existir quem nunca tenha dado grande importância a semelhante temática.

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