18.4.15

Mediterrâneo, mar da Morte

Não há ainda a certeza, mas talvez 400 pessoas tenham morrido domingo passado no Mediterrâneo, a tentar a passagem da Líbia para a Itália. Não se sabe. Mas sabe-se que a guarda costeira italiana interceptou 42 navios entre domingo e segunda-feira,com 6500 migrantes clandestinos a bordo. No ano passado, entre Junho e Setembro, quando o tempo é mais favorável, terão sido 25 000 por mês. Estimava-se então que haveria na costa líbia cerca de meio milhão de migrantes à espera de barco para a Europa. A UE está perante um afluxo populacional desesperado (ver a sua geografia aqui). Podemos falar de muitos outros assuntos. Mas temos de falar também deste.
O desaparecimento da Líbia como Estado abriu um corredor por onde redes de tráfico humano, indiferentes ao sofrimento e ao perigo, empacotam massas de migrantes do Médio Oriente e de África com destino à Europa. Há quem pense que a obrigação dos países de chegada é assistir e acolher todos os que aparecem, e há quem pense, pelo contrário, que essa hospitalidade só encorajará mais saídas nos países de origem. Mas antes de chegarmos a esse debate, convinha talvez que aproveitássemos a oportunidade de reconhecer um problema autêntico, isto é, uma dificuldade para a qual não há solução fácil, e não apenas porque as opiniões de dividem. É fácil, neste tema, encalhar numa espécie de impasse, e a melhor maneira de sair dele não é chamar “racista” a quem se preocupa com a imigração, nem “traidor” a quem quer cuidar dos imigrantes. A UE não se pode permitir insensibilidades que ofenderiam os seus princípios, mas também não se pode dar ao luxo de generosidades que apenas agravariam o problema. Os imigrantes não são dispensáveis. Fazem parte da circulação de pessoas que, nos dois sentidos, caracteriza mercados abertos. Mesmo quando não qualificados do ponto de vista ocidental, os imigrantes não são os mais pobres das suas terras de origem (as viagens, clandestinas ou não, custam caro). Geralmente, aliás, tendem a ser os mais capazes. A um continente envelhecido, dá jeito o seu trabalho, o seu empreendedorismo e a sua juventude. A tolerância que cultivarmos a seu respeito é uma virtude, na medida em que atenuar paroquialismos e xenofobias. Neste aspecto, as sociedades europeias não são hoje as piores. Basta lembrar a perseguição aos imigrantes na África do Sul. Mas os números das diásporas na Europa são já suficientemente elevados para, sem alarmes, legitimar reflexões. Em 2009, os estrangeiros residentes na UE representavam 6% da sua população; em 2012, a UE recebeu 1,7 milhões de migrantes de fora da Europa. Não há garantia de que se adaptem, e por mais que contribuam, exercem também pressão sobre as infra-estruturas e outros recursos em economias que estão entre as que menos crescem no mundo. Pior: sabemos hoje que nenhum sistema de integração, por melhor que seja, pode prevenir a marginalidade e sobretudo a rejeição identitária da sociedade de acolhimento, mesmo uma ou duas gerações depois da chegada, como os jihadistas mostram. Os ódios, aliás, viajam bem: em Itália, quinze migrantes muçulmanos foram acusados há dias de terem assassinado doze migrantes cristãos que seguiam com eles no mesmo barco. Desmantelar os nossos Estados nacionais, em nome de um qualquer multiculturalismo, para supostamente melhor hospedar as diásporas, talvez não sirva senão para criar espaços povoados de tribos sem nada em comum, a não ser a desconfiança mútua. O nacionalismo deixou de ter boa imprensa. Mas as nações europeias, como base de solidariedade e cooperação entre os indivíduos, são uma aquisição demasiado preciosa, e a sua defesa não deveria ser deixada a demagogos e a populistas. É um facto que este é um problema que, na UE, parece dizer respeito sobretudo aos grandes países (Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido, que representam 66% da população da UE, concentram 77% dos residentes estrangeiros). Mas ainda não vimos tudo. As guerras e desastres do Médio Oriente e da África abriram simultaneamente vias de circulação e enormes massas de populações desabrigadas. A expansão de Putin na Europa oriental ainda pode suscitar uma vaga de refugiados. A UE não existe longe do mundo. No fundo, é esse o problema: mesmo que um dia resolvêssemos os nossos problemas, teríamos sempre os problemas dos outros. Estou a dizer que não se pode fazer nada, a não ser meditar melancolicamente sobre dilemas? Não. Pode-se fazer muita coisa, ou melhor, muitas e diferentes coisas: socorrer os acidentados nos percursos clandestinos, perseguir os traficantes, ajudar os países de origem, etc. Podemos esperar que, um dia, a estabilização e o desenvolvimento desses países normalizem os fluxos populacionais, como acabou por acontecer entre o México e os EUA, depois do êxodo mexicano dos anos 90. O que não se pode é abolir simplesmente o problema: integrar toda a gente sem dificuldades, ou fechar a porta a toda a gente sem consequências. A realidade raramente faz esse tipo de favores. A UE está perante um afluxo populacional desesperado (ver a sua geografia aqui). Podemos falar de muitos outros assuntos. Mas temos de falar também deste. O desaparecimento da Líbia como Estado abriu um corredor por onde redes de tráfico humano, indiferentes ao sofrimento e ao perigo, empacotam massas de migrantes do Médio Oriente e de África com destino à Europa. Há quem pense que a obrigação dos países de chegada é assistir e acolher todos os que aparecem, e há quem pense, pelo contrário, que essa hospitalidade só encorajará mais saídas nos países de origem. Mas antes de chegarmos a esse debate, convinha talvez que aproveitássemos a oportunidade de reconhecer um problema autêntico, isto é, uma dificuldade para a qual não há solução fácil, e não apenas porque as opiniões de dividem. É fácil, neste tema, encalhar numa espécie de impasse, e a melhor maneira de sair dele não é chamar “racista” a quem se preocupa com a imigração, nem “traidor” a quem quer cuidar dos imigrantes. A UE não se pode permitir insensibilidades que ofenderiam os seus princípios, mas também não se pode dar ao luxo de generosidades que apenas agravariam o problema. Os imigrantes não são dispensáveis. Fazem parte da circulação de pessoas que, nos dois sentidos, caracteriza mercados abertos. Mesmo quando não qualificados do ponto de vista ocidental, os imigrantes não são os mais pobres das suas terras de origem (as viagens, clandestinas ou não, custam caro). Geralmente, aliás, tendem a ser os mais capazes. A um continente envelhecido, dá jeito o seu trabalho, o seu empreendedorismo e a sua juventude. A tolerância que cultivarmos a seu respeito é uma virtude, na medida em que atenuar paroquialismos e xenofobias. Neste aspecto, as sociedades europeias não são hoje as piores. Basta lembrar a perseguição aos imigrantes na África do Sul. Mas os números das diásporas na Europa são já suficientemente elevados para, sem alarmes, legitimar reflexões. Em 2009, os estrangeiros residentes na UE representavam 6% da sua população; em 2012, a UE recebeu 1,7 milhões de migrantes de fora da Europa. Não há garantia de que se adaptem, e por mais que contribuam, exercem também pressão sobre as infra-estruturas e outros recursos em economias que estão entre as que menos crescem no mundo. Pior: sabemos hoje que nenhum sistema de integração, por melhor que seja, pode prevenir a marginalidade e sobretudo a rejeição identitária da sociedade de acolhimento, mesmo uma ou duas gerações depois da chegada, como os jihadistas mostram. Os ódios, aliás, viajam bem: em Itália, quinze migrantes muçulmanos foram acusados há dias de terem assassinado doze migrantes cristãos que seguiam com eles no mesmo barco. Desmantelar os nossos Estados nacionais, em nome de um qualquer multiculturalismo, para supostamente melhor hospedar as diásporas, talvez não sirva senão para criar espaços povoados de tribos sem nada em comum, a não ser a desconfiança mútua. O nacionalismo deixou de ter boa imprensa. Mas as nações europeias, como base de solidariedade e cooperação entre os indivíduos, são uma aquisição demasiado preciosa, e a sua defesa não deveria ser deixada a demagogos e a populistas. É um facto que este é um problema que, na UE, parece dizer respeito sobretudo aos grandes países (Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido, que representam 66% da população da UE, concentram 77% dos residentes estrangeiros). Mas ainda não vimos tudo. As guerras e desastres do Médio Oriente e da África abriram simultaneamente vias de circulação e enormes massas de populações desabrigadas. A expansão de Putin na Europa oriental ainda pode suscitar uma vaga de refugiados. A UE não existe longe do mundo. No fundo, é esse o problema: mesmo que um dia resolvêssemos os nossos problemas, teríamos sempre os problemas dos outros. Estou a dizer que não se pode fazer nada, a não ser meditar melancolicamente sobre dilemas? Não. Pode-se fazer muita coisa, ou melhor, muitas e diferentes coisas: socorrer os acidentados nos percursos clandestinos, perseguir os traficantes, ajudar os países de origem, etc. Podemos esperar que, um dia, a estabilização e o desenvolvimento desses países normalizem os fluxos populacionais, como acabou por acontecer entre o México e os EUA, depois do êxodo mexicano dos anos 90. O que não se pode é abolir simplesmente o problema: integrar toda a gente sem dificuldades, ou fechar a porta a toda a gente sem consequências. A realidade raramente faz esse tipo de favores. Rui Ramos, Observador

Nenhum comentário: