20.4.15

Basta de xenofobia sul-africana!

Confesso que nunca gostei da África do Sul, nem antes, nem depois do apartheid. Tenho muitos familiares que por lá passaram, tenho sobrinhos que lá trabalham, mas nunca tive aquele país como lugar ideal para passear ou estar. Coisa pessoal e sem explicação plausível. Só para ter uma ideia: como homem entrei naquele território menos de cinco vezes. Naturalmente passo de viagem pelo Aeroporto de Joanesburgo, mas não considero isso ir à África do Sul. Detesto o país e o carácter violento dos sul-africanos. Fui criado num ambiente eminentemente religioso, anglicano, onde tudo o que é violência é proibido, é coisa do Satanás. Na minha adolescência briguei com dois jovens da minha idade a ponto de chegarmos a vias de facto, sendo que fomos obrigados a uma reconciliação que, na minha tradição, passa por beber água do mesmo copo, de pau com um carvão a brasa. Até hoje não consigo explicar, mas é assim como as “grandes” brigas terminam ou terminavam na minha terra. Com os dois continuámos amigos até que cada um seguiu o seu rumo. Aquilo que está a acontecer com os nossos concidadãos na África do Sul não só não é admissível como é condenável a todos os títulos. Não é preciso recordar aos sul-africanos o papel de Moçambique para a libertação daquele país do sistema do apartheid. Ainda que não tivéssemos jogado nenhum papel, existe o princípio de convivência entre pessoas, entre humanos, independentemente das diferenças entre as pessoas. Perseguir, violentar, matar e decepar partes do corpo de uma pessoa e exibir são coisas que devem colocar o governo da África do Sul no tribunal dos direitos humanos. Basta de boas relações políticas que só servem para as elites políticas, quando os povos desses países estão desavindos. Discordo com a forma “mansa” como o nosso Governo lida com este dossier. É preciso responsabilizar os sul-africanos e o respectivo Governo. É preciso avançar-se para a acção de boicote a vários níveis, incluindo impedí-los de cá virem. É verdade que ganhamos com o turismo, mas se a nossa terra é espaço preferencial para o turismo, outros utilizadores cá virão. Outros compreenderão as nossas razões e nos apoiarão, porque, acima de tudo, estão em causa os direitos humanos mais elementares, o direito à vida. As diferentes organizações da sociedade civil e contrariando o Governo devem denunciar estes Reflexão (245) de: Adelino Buque Basta de xenofobia sul-africana! assassinatos bárbaros e hediondos. Devemos todos colocar os sul-africanos no seu devido lugar. Os investimentos da África do Sul não crescem em Moçambique porque somos simpáticos, isso sucede porque ganham fabulosos lucros com os negócios. É preciso que se sintam afectados através do boicote total aos produtos e bens daquele país. Temos muitas alternativas, mas, também, com o que está a acontecer, as instituições governamentais devem reflectir sobre o que fazer para que cresçam postos de trabalho em Moçambique e boa parte dos cidadãos fique a trabalhar no país e se ache livre desses sanguinários. Definitivamente, devemos condenar os actos xenófobos com toda a energia que temos, devemos lutar por levar os sul-africanos e respectivo Governo à barra do Tribunal e, se calhar, isolar nas relações com outras sociedades do mundo. Na verdade, diz o velho ditado africano que cada um chora a sua mãe, mas na África do Sul não são somente os moçambicanos que estão a ser vítimas de xenofobia. São todos aqueles que não são nativos e que vivem nos subúrbios que, aos olhos dos nativos, roubam-lhes espaços de prosperarem, como se para prosperar bastasse ser nativo e não pelo trabalho. Estes cidadãos nunca foram preferência das grandes companhias mineiras para trabalharem porque são preguiçosos. A ida dos moçambicanos, mesmo no tempo do apartheid, não era por mera simpatia, era para colmatar o deficit de mão-de-obra que as mineradoras precisavam para o trabalho, por isso esses cidadãos que os alojamos e por eles sofremos bombardeamentos do apartheid são esses ingratos que hoje nos decepam cabeças, retiram-nos intestinos, matam-nos e pilham parcos recursos que ganhamos. Basta de XENOFOBIA! Adelino Buque, Correio da Manhã, Maputo

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