1.4.10

O gigante nigeriano

As centenas de vítimas cristãs da tragédia de Março no Estado do Plateau, um dos 36 da Federação Nigeriana, criada há meio século em territórios que haviam sido colonizados pela Grã-Bretanha, vieram reacender a batalha pela verdadeira alma de um país que se encontra perdido nas suas múltiplas contradições.



Jorge Heitor, na revista Além Mar de Abril 2010



Quando os pastores muçulmanos fulas e hauçás desceram sobre as aldeias cristãs dos arredores da cidade de Jos, vingando recontros que as duas partes haviam tido em Janeiro, reacenderam os problemas de um espaço enorme que tem sido um dos mais problemáticos da África, nos seus 50 anos de existência como entidade independente.

A violência étnica e religiosa no centro da enorme Nigéria, perto da capital federal, Abuja, é apenas o mais recente dos múltiplos problemas do país, que já há quatro meses não conseguia ver o seu presidente, Umaru Yar’Adua, por este se encontrar gravemente doente.

A primeira-dama e os conselheiros mais chegados do chefe de Estado nunca aceitaram que ele fosse dado como incapaz e cessasse funções, antes mantendo a ténue esperança de que dentro de mais algumas semanas ele se reabilitasse e voltasse ao lugar para que foi eleito em 2007.

Uma vez que o vice-presidente, Goodluck Jonathan, é cristão, apenas o colocaram a assumir o interinato, mas sem os verdadeiros poderes de um presidente a tempo inteiro, que estes costumam as elites muçulmanas do Norte do território reservar para os seus.



Mulheres e crianças



Foi essencialmente sobre as mulheres e as crianças que se abateu a fúria dos pastores nómadas que desceram das colinas e procuraram novos pastos, nas terras lavradas por pobres camponeses cristãos.

Um dos países mais corruptos do mundo e um dos grandes produtores de petróleo africanos, a Nigéria está agora perante o fantasma de, uma vez mais, como algumas vezes no passado, cair sob a alçada das suas Forças Armadas, sempre prontas a assumir o comando quando os políticos não se entendem ou não sabem estar à altura das circunstâncias.

Violência étnica no Centro, agitação no Sueste, entre as populações do delta do Níger, vítimas da exploração petrolífera, embate entre facções políticas, aproximação de um período eleitoral, previsto para daqui a um ano, tudo isto se conjuga para fazer da Nigéria um autêntico barril de pólvora.

As eleições de 2007 foram manchadas por uma gigantesca fraude, que deu ao Partido Democrático Popular (PDP) 60 por cento dos deputados federais e 75 por cento dos governos dos Estados. E na Presidência ficou um homem que se revelaria muito doente, dos rins e do coração, talvez para que na sombra o seu antecessor, Olusegun Obasanjo, continuasse a exercer um certo poder.

Os militares têm procedido a execuções sumárias, grupos de milícias procedem a raptos, há tortura, violação e outros tratamentos desumanos de detidos, conforme no dia 11 de Março denunciou o Departamento de Estado norte-americano.

Pessoas são detidas arbitrariamente e ficam tempos infindos a aguardar julgamento, restringe-se a liberdade de expressão, as mulheres são discriminadas.



Grande nau, grande tormenta



Costuma-se dizer que quando há uma grande nau também há uma grande tormenta; e é este precisamente o caso no mais populoso dos países africanos, aquele que até já assistiu, durante alguns anos, ao separatismo de uma parte do seu solo, que se proclamou unilateralmente República de Biafra. Foi um dos períodos mais dolorosos da história africana do fim da década de 1960; e aqueles que o testemunharam jamais o poderão esquecer.

A agitação destes últimos anos, no delta do rio Níger, é precisamente o fantasma de que outro Biafra poderá vir a acontecer, se acaso os políticos nigerianos não se conseguirem entender e organizar quanto antes, de forma ordeira, as suas próximas eleições gerais; eleições que alguns até gostariam de ver antecipadas.

Milhares de pessoas encontram-se deslocadas no delta do Níger, perto da fronteira com os Camarões. E em alguns Estados setentrionais verificou-se no ano passado a revolta do grupo extremista islâmico Boko Haram, segundo o qual «a educação ocidental é um pecado».

Seja qual for o ângulo pelo qual encaremos a Nigéria, o do confronto Islão-Cristianismo, o das tensões étnicas, o das redes terroristas que procuram instalar, o panorama não é de modo algum animador.

Por isso, é de louvar que ainda haja revistas capazes de se preocuparem com isto, quando tantas rádios e televisões só têm olhos para o Iraque, o Irão, a Coreia do Norte e meia dúzia de outras regiões do mundo, esquecendo de um modo geral o que se passa a sul do Sara.

De Sokoto e Kano a Port Harcourt há um mundo imenso a descobrir e a noticiar, mundo que porventura só o bom espírito missionário esteja interessado em trazer ao conhecimento do maior número possível de cidadãos.



50 Anos



A Nigéria é um daqueles muitos países africanos que se tornaram independentes entre 1957 e 1962, mas que infelizmente ainda não conseguiram atingir a maturidade que seria própria de quem já chegou aos 50 anos. Há que notar, porém, que os países demoram muito mais tempo a amadurecer do que os homens. E que Portugal necessitou de uns bons três séculos para se solidificar desde o Minho ao Algarve, começando a estender as suas ramificações aos Açores e à Madeira.

Roma e Pavia não se fizeram num dia, diz o velho ditado popular. E oxalá que isto nos possa servir um pouco de consolo quando reflectimos sobre as tremendas dificuldades por que a Nigéria está a passar. Se Deus quiser, talvez os nossos piores receios nunca se cheguem a concretizar.

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