26.5.10

O 27 de Maio de 1977, por William Tonet

No dia 27 de Maio comemora-se o 33º aniversário do que alguns poucos consideram uma alegada tentativa falhada de golpe de Estado, liderado pelo então ministro da Administração Interna da República Popular de Angola, Bernardo “Nito” Alves Baptista.



É esse o tema desta conversa convosco, e não vou ser muito longo, sobretudo, vou tentar ser o mais directo e claro possível. Vejamos os pontos a abordar um por um.





I - Causas do 27 de Maio... Que causas? Causas próximas, remotas, directas e indirectas.




II - Consequências directas, derivadas e indirectas…




III - Problemas de retaliação e de prescrição dos crimes cometidos.

São estes os tópicos principais da nossa dissertação.

Mas antes disso convém definir o que foi exactamente o 27 de Maio.




Na versão oficial, amplamente divulgada pelo MPLA,

os acontecimentos do 27 de Maio de 1977 não passaram de um golpe de Estado, cujo fim era destituir e matar o presidente Agostinho Neto.

A contrário, segundo os conotados “fraccionistas” que escaparam ao massacre,

os acontecimentos do 27 de Maio tinham por objectivo a demonstração da existência duma formidável força popular oposta não ao presidente Agostinho Neto, mas ao governo da República Popular de Angola, constituído por gente incapaz, incompetente e profundamente corrupta.




No seu trabalho sobre o 27 de Maio de 1977, “Purga em Angola”, Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus escolheram como título do capítulo consagrado aos acontecimentos que tiveram lugar nesse dia a significativa expressão do prestigioso historiador britânico, David Birmingham: “Insurreição desarmada de massas”.

De facto, a tese defendida pelos autores da obra aqui referenciada assenta na ideia de que o 27 de Maio, muito mais do que um golpe de Estado armado, teria sido uma tentativa de derrube do governo liderado por Agostinho Neto apoiada por uma grandiosa manifestação de massas (o que não chegou a acontecer, pois a manifestação foi muito prudente e tímida) seguida de um movimento de adesão massiva, ou pelo menos amplamente significativa de todas as forças vivas do Estado, a começar evidentemente, pensavam os mentores desta romântica estratégia, pela adesão das forças armadas à intentona por eles organizada.

Quanto a nós (do Folha 8), pensamos que a palavra de ordem talvez fosse qualquer frase como “Todos, em massa, expulsemos do Governo os corruptos traidores de Agostinho Neto”, talvez, mas também pensamos que, no segredo dos “deuses”, as directivas iam muito mais longe do que isso, e se para uns, não parecia ter defesa a hipótese de Agostinho Neto ficar à frente de um governo escolhido por Nito Alves e o seu grupo, caso estes tivessem as rédeas do executivo angolano. A verdade, para outros é que Nito tinha uma admiração por Neto que o afastava da prudência, exigida na alta esfera da política, onde a ingenuidade paga-se caro.

A acção teria sido mais que provavelmente pensada e organizada para derrubar não só o excessivo poder de Lúcio Lara no governo de Neto, mas também de Neto em pessoa, pela excessiva dependência de um grupo restrito de dirigentes complexados. Por tudo isso é que nos intriga, que já no dia anterior ao levantamento do dia 27 de Maio, medidas preventivas tinham sido tomadas para que assim fosse.







I




Causas remotas

A autocracia




Instituída pelo presidente Agostinho Neto. Um pouco à maneira dos tratamentos de homeopatia, nos quais o próprio veneno da maleita de que o paciente sofre, lhe é inoculado repetidamente, em ínfimas doses, até ele desenvolver no seu organismo os anticorpos que possam opor-se aos malefícios causados pela sua doença.

Nesta alegoria, a doença seria o “fraccionismo”, que de início não era fraccionismo nenhum, mas somente expressão de ideias diferentes das do presidente, e cujo primeiro ícone conhecido, vítima dessa estratégia presidencial, é Viriato da Cruz. As doses homeopáticas são as medidas internas implementadas por Neto, a fim de neutralizar até ao seu desaparecimento total todas as tentativas de reformas propostas pelos camaradas que se opunham à sua linha política.




Seguem por ordem cronológica, os assassinatos de Rodrigues Miguéis e dos comandantes da frente Leste (Paganini, Joaquim Carlos, Roquete e outros) seguidos da Rebelião da “Gibóia”, transformada em Revolta de Leste, encabeçada respectivamente pelo comandante Barreiro Freitas, “Gibóia”, substituído mais tarde por Daniel Chipenda.




Rebelião da “Jibóia”




O acontecimento que desencadeou uma grande violência a partir de Dezembro de 1969, foi a execução sem julgamento dos camaradas PAGANINI, ROQUETE E JOAQUIM, CARLOS, oriundos do Leste de Angola, numa zona comandada militarmente pelo comandante Toca, natural do Norte de Angola. Essa sanção foi considerada como um acto deliberado, visando a eliminação dos quadros da região pelos que vinham de fora.

Recorde-se que em 1965, Agostinho Neto, mandou executar como nunca antes havia sido um seu nacionalista, com dois dedos de testa, pelas autoridades coloniais, ao enterrar vivo, Matias Miguéis então vice-presidente que havia abandonado o MPLA, por desinteligências e filiado-se a FNLA. Com a cabeça de fora do buraco, resistiu cerca de três dias, sendo durante esse tempo, mijado e cuspido na cabeça, pelos seus camaradas.

Acredita-se ter sido por este motivo, que em retaliação, o comandante Gourgel da FNLA, terá morto Deolinda Rodrigues, mesmo a revelia da direcção de Holden Roberto.

Em 1966, Agostinho Neto é ainda apontado, como tendo mandado queimar vivos, numa fogueira, sob acusação de feitiçaria e tentativa de ir a Brazzaville derrubar a direcção do MPLA, o comandante Paganini e outros seus homens direitos, tendo inaugurado esta forma horrenda de eliminar adversários políticos.

POr estas e outras razões é que Barreiro Freitas, também conhecido pelo pseudónimo de “Jibóia” e de “Katuwa Mitwé», encabeçou em Dezembro de 1969 um movimento de contestação de guerrilheiros “mbundu” (Sul de Angola), que largou do Leste com a firme intenção de chegar a Lusaka, mas acabou finalmente por parar na fronteira por causa de divergências que se declararam no seu seio. O líder foi demitido das suas funções de director adjunto do Centro de Instrução Revolucionário (CIR) e passou a ser simples militante. A rebelião do “Jibóia” era pacífica, ao contrário do que viria a acontecer com a acopolação da sua ala política, que iria transforma-la em revolta do Leste.




Revolta de Leste:




De facto, no momento de ira de “Jibóia” e dos seus companheiros, Daniel Chipenda, mandatado pela direcção do movimento para servir de mediador nas discussões com os contestatários, depois de ter tomado conhecimento das suas reivindicações, acabou por as adoptar e as expor no decorrer dos debates organizados pelo «Movimento de Reajustamento». Esta ousadia, foi fatal, pois Neto considerou uma afronta e traição por parte de Daniel Júlio Chipenda. Não obtendo qualquer apoio durante esses debates, por parte de Neto e da direcção do movimento, instalados em Brazzaville e da qual era vice-presidente, Chipenda refugiou-se na Zâmbia, pretextando problemas de saúde. É nesta ocasião que Katwvua Mitwe o catapulta como representante político da rebelião da Jibóia/Revolta do Leste.

Foi na sequência de toda esta confusão que se realizou, em 1974, o Congresso de Lusaka, com o MPLA dividido em três facções:

-Revolta do Leste

- Ala Presidencial e

-Revolta Activa




Revolta Activa:




A “Revolta Activa” nasce, segundo testemunhos de membros da organização, como uma manifestação alimentada por uma parte dos militantes do MPLA contra a autoridade do Dr. Agostinho Neto. Composta essencialmente por jovens “intelectuais” do MPLA, ela acusava o presidente de “presidencialismo”, ao mesmo tempo que o acusava de ter um carácter antidemocrático no seio do executivo do movimento. Segundo Joaquim Pinto de Andrade, membro dessa oposição, a crise entre a tendência política que ele representava e o grupo de Neto seria anterior a 1974, mais precisamente vinha dos primórdios dos anos setenta, entre 1970 e 1972.

Na origem, tinha-se manifestado em alguns dos militantes do movimento, entre os quais Gentil Viana, que estava de regresso da China, a vontade de experimentar no seio do MPLA métodos políticos empregues nas assembleias populares chinesas, baseadas sobre a crítica e a autocrítica. Trata-se na realidade de uma iniciativa de um grupo de intelectuais que, alertados pelo estado escabroso de atomisação do Movimentos tomam a iniciativa de tentar aquilo que ficou designado como Movimento de Reajustamento.

Agostinho Neto, na sua qualidade de líder do MPLA teria dado o seu acordo desde o princípio, considerando nessa altura esta proposta como democrática, sem imaginar qualquer efeito contrário aos seus interesses. Mas a base do Movimento de Reajustamento de imediato viu nos debates políticos a expressão duma nova forma de democracia e aproveitou o ensejo para formular as suas críticas em relação à direcção.

Agostinho Neto não aceitou essas críticas e decidiu pôr um termo a essa experiência democrática, levando o aglomerado de dissidentes a formar o grupo da “Revolta Activa” e a publicar um manifesto assinado por mais de sessenta militantes a denunciar a atitude da direcção do movimento.

Letra morta. E mais uma vez se manifestava a vontade de Agostinho Neto para impor unilateralmente a sua vontade.




O Congresso de Lusaka






Realizado entre o dia 12 e 26 de Agosto de 1974, o Congresso de Lusaka foi precedido de encontros preliminares. O primeiro congregou as três facções do MPLA e os responsáveis políticos de alguns países africanos entre os quais o Congo e a Zâmbia, e daria origem, no dia 8 de Junho desse ano a um acordo fixando as modalidades de um calendário referente ao lugar e à organização de um congresso destinado a reconciliar as três tendências do MPLA, assim como ao número de delegados de cada tendência estabelecido consensualmente da maneira seguinte: 165, para a “ala presidencial”; 165, para a “Revolta de Leste”; 70, para a “Revolta Activa”.

Logo nos primeiros dias do congresso apareceram as divergências. Recusando apresentar o relatório do comité cessante, Agostinho Neto pôs em causa a legitimidade do congresso e sobretudo o facto de haver na sala indivíduos que nunca tinham pertencido ao MPLA e que não sabiam dizer uma só palavra de português, só falavam lingala. Esta declaração teve por efeito imediato a decisão de o governo congolês não reconhecer nenhuma das alas do MPLA e a retirada do seu apoio ao Movimento em caso de fracasso do congresso. Pelo lado Zambiano a reacção foi quase idêntica. As autoridades do país decidiram fechar as suas fronteiras aos companheiros de Agostinho Neto.

Na sequência de ingerências dos Estados vizinhos, nomeadamente a pressão que se exercia sobre a “ala presidencial”, Lúcio Lara, exprimindo-se em nome do MPLA, pediu a alguns países para ajudar o movimento a transferir a totalidade dos congressistas para o interior de Angola, a fim de organizar um novo congresso, longe de influências estrangeiras.

Por seu lado, Daniel Chipenda não se inibiu de criticar publicamente o comportamento de Neto, denunciando o seu “presidencialismo”, ao mesmo tempo que se defendia das acusações de que era alvo a propósito de tribalismo. Além disso, Chipenda reprovava-lhe o facto de ter sempre lutado a partir do estrangeiro e de ter conhecimentos muito limitados a nível da organização interior e, enfim, de ter tentado afastá-lo das instâncias de direcção do MPLA.

O congresso acabou por fechar portas sem ter conseguido a união do MPLA. Pelo contrário, sentindo-se isolado, Agostinho Neto largou da capital da Zâmbia em sinal de protesto, anunciando pela mesma ocasião a organização de um outro congresso do Movimento ulteriormente, numa das zonas libertadas do interior de Angola.

Nessa altura o congresso ainda não tinha terminado os seus trabalhos, e Daniel Chipenda, aproveitando o vazio criado pela retirada de Agostinho Neto à qual se seguiu a da delegação da “Revolta Activa” (excepto 4 dos seus membros que ficaram ao lado de Chipenda), viria pelos congressistas presentes sido eleito presidente do MPLA.




Segundo a opinião da União de Tendências do “EME” (UT – MPLA), o Congresso de Lusaka foi o único verdadeiro do MPLA. O único onde o debate contraditório e a possibilidade duma nova liderança estiveram presentes. Infelizmente, teve consequências desastrosas para o partido, e para o País, que haveria de herdar a sua liderança ao “forceps” na demonstração permanente ao longo de mais de três décadas de vícios de regime autocrático, “reduzindo a crítica ao eco, os críticos ao exílio, os intelectuais ao ostracismo e os diferentes à suspeição permanente”.

A 1ª grande lição do Congresso de Lusaka foi a oficialização da intolerância entre os camaradas. A partir daí, no seu seio nunca foi possível conviver com a diferença, nem tão-pouco com correntes de opinião diferentes. Lusaka foi o embrião emergente das ameaças de violência, assim como o denuncia a auto-exclusão de Agostinho Neto. De facto, o abandono do conclave protagonizado pela sua pessoa e por toda a delegação presidencialista em peso, por saberem que perderiam a liderança, apresentou-se como que uma porta que se abriu para dar entrada ao reino da intolerância.







A marginalização dos comandantes da 1ª Região Militar




O facto de a 1ª região político-militar ter estado isolada de outras regiões e da Direcção do movimento, contribuiu significativamente para o surgimento do fraccionismo. Como se sabe, foi a primeira região política militar do MPLA onde combateram Nito Alves, Bakalof, Sianouk, Monstro Imortal, Ho Chi Min, Bagé e outros dirigentes militares da denominada “intentona” do 27 de Maio.

O então major Bagé, considerado pela máquina propagandista do status quo como o arquitecto e chefe militar no 27 de Maio de 1977, disse que os quadros oriundos da primeira região eram sistematicamente preteridos em favor de outros que se encontravam na retaguarda. Segundo esse oficial, não havia em 1977 um único homem proveniente das matas dos Dembos que fosse comandante de uma região militar.

Considerando-se militares com provas dadas, não percebiam, os correligionários de Nito Alves, Monstro Imortal, Bakalof e outros, por que razão eram literalmente discriminados.










Causas próximas




O MPLA “ajudou” a reforçar nos centros urbanos, essencialmente em Luanda, com a criação de grupos de agitação pró-MPLA, um movimento de amplo debate.

Esses grupos – as Comissões Populares de Bairro (CPB), os Comités de Acção, as Associações de Estudante Universitários de Luanda (AEUL)s, os Sindicatos, as Comissões de Trabalhadores, e mesmo alguns partidos não armados - sabiam até que ponto o MPLA estava dividido e apelavam à unidade e reconciliação.

Mas já nessa altura, no MPLA, reconciliação significava renunciar a ideias divergentes e anuir às teses oficiais do movimento e a unidade só era entendida a partir do momento em que não fizesse perigar a liderança do chefe, o Dr.Agostinho Neto.

E o entusiasmo militante da generalidade dos membros desses grupos levava-os a proferir uma boa quantidade de slogans altamente depreciativos das outras facções ou correntes de opinião do MPLA, como,”fantoches”, “agentes do imperialismo e do neocolonialismo” “reaccionários”, etc. (Mabeko-Tali, “O MPLA perante si próprio”, volume II, pág53, Nzila, 2001).







Mais tarde começaram a aparecer novos comités em nome duma determinada ideologia e radicalizaram-se por obra de uma nova geração de activistas, como foi o caso dos “Comités Amílcar Cabral (CAC)”, os “Comités Henda”, “Ginga” e outros ( Mabeko-Tali, opus idem, pág 52).




Para já convém sobretudo notar que a diversidade de origens, ideologias e concepções de estratégias dos diferentes Comités, contribuíram para a grande complexidade do problema, na medida em que se juntavam numa luta comum em defesa duma mesma organização política, o MPLA, sensibilidades tão díspares como “maoistas”, “trotskistas”, “albanesas” ou “pró-soviéticas” e “de direita”.




De facto, a crise já estava instalada no seio do MPLA.




Os Comités serviram os interesses do MPLA para lá de tudo o que se podia esperar da sua actividade. Organizados por jovens sem nenhum roteiro da direcção, agindo por vezes em detrimento de alguns princípios morais, conseguiram levar para o pecúlio do MPLA grandes ganhos e uma base popular como nenhum outro movimento foi capaz de captar.







Causas directas




Primeiro, a existência de 4 tendências no seio do MPLA;

«tradicionalistas»,

extrema-esquerda “abafada”,

tendência «nitista»,

os pragmatistas.




Às quais se acrescentam as Comissões Populares de Bairro (CPB), Comités de Acção, Associações de Estudante Universitários de Luanda (AEUL)s, Sindicatos, Comissões de Trabalhadores, e mesmo alguns partidos não armados, e, enfim, o subsequente Poder Popular.

Nito Alves dedicou-se a uma estruturação sui generis do país, com base no polémico Poder Popular, filho natural das Comissões Populares de Bairro, o tudo inspirado dos “sovietes” da Revolução Russa de 1917.

Essas tendências, realmente existentes, inicialmente inspiradas e reconhecidas como tal pelo presidente Neto, constituíam uma espécie de manta de retalhos que um véu de fabrico presidencial sempre tentou encobrir, quando verificou que os seus “lugares – tenentes” não eram reconhecidos pelas grandes massas.

Daí que, a alturas tantas não foi possível manter o requerido consenso e o véu dividiu-se em duas partes distintas por acção quer de Agostinho Neto, como do ministro da Administração Interna, em boa parte, como já vimos, e no decorrer do que se poderia denominar o “Caso do Poder Popular.

De recordar que Agostinho Neto e os seus acólitos viam no Poder Popular e nos seus executantes da Organização de Defesa Popular (ODP) simples órgãos de massas sem qualquer poder para exercer influência nas acções de âmbito político e social do governo, quer dizer, instrumentos de mediação entre a sociedade civil e o poder central, enquanto Nito Alves desejava órgãos de poder popular estruturados segundo os modelos dos “Sovietes” da Revolução Russa de 1917, ou seja, estruturas de enquadramento da vida política e social do país.




A 5ª Reunião Plenária do Comité Central de 20 de Maio de 1977




Profundamente chocados com a situação, os incriminados José Van Dúnem e Nito Alves, ambos membros do Comité Central, subscreveram um pedido de abertura de inquérito para determinar quem tinha e quem não tinha razão nesta querela. Confortado com a ideia, o Comité Central decidiu criar uma Comissão, presidida por José Eduardo dos Santos, membro do Bureau Político. Paralelamente, foram tomadas algumas medidas preventivas, como dissolução de órgãos de imprensa considerados pró-nitistas, “limpeza” das bases por via de expulsão de alguns elementos, nomeadamente Sita Valles e os seus companheiros, que foram excluídos do DOM nacional, reforçou-se a decisão de só os angolanos terem direito ao cartão de militante do MPLA, foi retirada a legitimidade aos órgãos que tinham sido eleitos no mês de Maio, cujos estatutos tinham sido aprovados pela Lei do Poder Popular, restringiram-se drasticamente todas as possibilidades de efectuar de futuro escrutínios desse género, Nito Alves e José Van Dúnem foram afastados temporariamente dos seus cargos e o Ministério da Administração Interna foi suprimido




Reunião do Comité Central de 23 a 29 de Outubro de 1976




No dia seguinte ao Congresso aconteceu, isso é certo, o anúncio oficial, perante o mundo e os angolanos, da exclusão de Nito Alves e José Van-Dúnen do Comité Central do MPLA, ambos acusados de actividade fraccionista.

Aconteceu na Cidadela Desportiva no decorrer duma Assembleia de Militantes que tinha sido agendada para esse dia.

O Pavilhão da Cidadela estava a abarrotar de gente. Na tribuna, «da esquerda para a direita, viam-se Lúcio Lara, Ambrósio Lukoki, Rodrigues João Lopes (Ludi), José Eduardo dos Santos, Lopo do Nascimento e Agostinho Neto (Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, ibidem, pág. 79)».

Quem fala é Agostinho Neto, e ao tentar levar o seu discurso para a desdramatização do caso em questão (o fraccionismo no MPLA), graceja, refere-se às críticas de que são alvo por parte dos nitistas os seus homens de confiança, diz que sim, que “Iko” Carreira é bom comandante, mas um pouco preguiçoso, que “Dilolwa” é bom economista, mas tem deficiências físicas, que os pequeno-burgueses lêem em demasia obras marxistas e têm a mania de que sabem muito, e que tudo isso sendo pacífico, o que mais importava no momento era combater com afinco o fraccionismo. «Não pode haver fracções dentro do MPLA. Ou se é do MPLA ou não se é do MPLA. Quem não está de acordo sai».

E então, precisamente depois desta tirada, o “guia imortal” debita uma verdadeira pérola da linguagem política, uma frase que lhe fugiu da boca para a verdade, «esta é uma ditadura (sic) e se for preciso tomar medidas mais duras, nós vamos tomar medidas mais duras (...) Quem comanda é o MPLA (Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus,ibidem, página 79)».







Causas indirectas




A guerra fria, com as dissonantes intervenções, subsídios financeiros, armados, de formação militar no terreno e incremento de intrigas por parte das duas potências mundiais, URSS e Estados Unidos da América, com outras nações a ver Angola como um campo de experiências internacionalistas (Cuba), regionais (África do Sul e Zaire, neo-colonialista (Portugal)

II

Consequências imediatas




O 27 de Maio teve como consequência imediata a detenção de milhares de pessoas em todo o País. Ora essas detenções em massa, foram provocadas em grande parte por um caso que ainda não foi completamente esclarecido: “O mistério dos mortos da ambulância”.

O “GOLPE” do 27 de Maio, de facto, limitou-se, no seu fundamento, a uma manifestação de rua. E, enquanto essa manifestação ia tomando corpo nas cercanias do Palácio Presidencial e em redor da Rádio Nacional de Angola, em outras zonas da cidade a tentativa de tomada de poder pelos nitistas tomava contornos muitíssimo mais graves, não no que diz respeito ao número de vítimas que até essa hora se podiam contar, mas em relação ao altíssimo estatuto de um punhado de militantes do MPLA que foram alvos de uma acção concertada e explicitamente organizada de assassinatos selectivos, actos cujas consequências, incalculáveis nessa altura, foram as chacinas que se seguiram desde esse dia até Setembro de 1979




No dia seguinte, sábado, 28 de Maio, foram encontrados num jipe e numa ambulância, na zona da Boavista, os corpos carbonizados de oito pessoas:




– Eugénio Veríssimo da Costa (Nzaji), membro do Comité Central do MPLA e da Segurança das FAPLA;

- José Gabriel Paiva (Bula), chefe adjunt do Estado-Maior General,

– major Saydi Mingas (Lutuima), membro do Comité Central e ministro da Finanças,

- Paulo Silva Mungungu (Dangereux) membro do Comité Central e do Estado-Maior Geral;

– comandante Eurico Gonçalves, membro do Estado-Maior General,

– Dr. António Garcia neto, direcrto da cooperação internacionasl;

– Cristino Santos;

– João Rodrigues.




Teria escapado Ciel da Conceição (Gato), que teria conseguido fugir.

A norte de Luanda, numa praia, apareceram também os cadáveres carbonizados de um grupo pessoas não claramente identificadas. Talvez cúmplicesda matança dos homens encontrados na ambulãncia.




Numa primeira abordagem, perante as caracterísicas pessoais das vítimas e o seu posicionamento político, somos tentados a aceitar a versão oficial segundo a qual os dirigentes e os quadros presos foram em seguida assassinados pelos nitistas, o que foi confirmado por alguns detidos, só que isso aconteceu manifestamente sob tortura, o que anula a validade da confissão.

Uma segunda versão admite que se possa tratar de “excessos incontroláveis. Mas como provar que eram incontroláveis? Quem controlava? Quem eram os controlados?...

Enfim, existe uma terceira versão, que nos chegou por intermédio de uma certo João Kalanda, antigo militar da FAPLA e, ao mesmo tempo, funcionário da DISA. A sua história é digna de atenção e de respeito, pois obedece aos rigorosos critérios da coerência lógica.

Kalanda afirma que a polícia política tinha infiltrado um elemento seu no seio dos considerados fraccionistas. Essa “toupeira” seria um chamado Tony Laton, que participou activamente nesta embrulhada, não foi preso nem morto e acabou por ser nomeado assessor de Onambwé.

No dia 26 de Maio de 2001, João Kalanda concedeu uma entrevista ao Bissemanário Folha 8, na qual, entre outras coisas), declarava que «(...) era necessário dar uma imagem de um golpe de Estado e o que havia até àquele momento não passava de uma simples manifestação e da tomada da Rádio Nacional de Angola».

Portanto, seguindo o raciocínio de Kalanda, era preciso fazer qualquer coisa para encurralar os nitistas numa posição, digamos, sem saída. Ora, precisamente, esse “qualquer coisa” existia, porque, segundo Kalanda, a DISA tinha preparado pelo menos dois planos para aniquilar os fraccionistas: um Plano A, que era de levar os nitistas para rua; um Plano B, que seria matar alguns políticos e comandantes militares, de maneira a justificar uma repressão brutal. Neste caso, o Plano B ajustava-se como uma luva. De resto, ainda segundo Kalanda, previa não só a diabolização dos políticos e militares, mas também a sua morte e posterior carbonização.







Fuga de Sita Valles.




A detenção e assassinato de Nito Alves.




Tudo indica que, depois de se tornar evidente que o plano de tomada de Poder havia fracassado, Nito Alves se tivesse posto em fuga para norte, mais precisamente, rumo ao seu Piri natal, aglomeração do Bengo, para se juntar aos seus.

Nisto, existem indicações de que os Americanos, postos ao corrente da chegada iminente a Piri do comandante, teriam tentado salvá-lo, estabelecendo contactos com Holden Roberto para que este movimente e as suas tropas o pudessem resgatar. Segundo testemunhos sérios da própria aglomeração berço de Nito Alves, um destacamento da ELNA ter-se-ia dirigido para aquela aglomeração a fim de recuperar o comandante, no fito, diga-se, de servir-se da sua áurea na sua luta contra o MPLA.

Mas Nito Alves encontrava-se numa situação de impasse: ir para a frente, arrastando consigo o rastilho da morte, engrossado pelas exacções perpetradas pela DISA que lhe seguia o trilho, ou abandonar a luta. Essa era a preocupação maior, e face à chacina que estava a ser levada a cabo pela DISA junto das populações do Piri, decide então entregar-se para evitar a morte de gente inocente, fazendo falecer a ajuda americana de o salvar das garras assassinas da polícia política de Neto.




Detenção arbitrária de entidades de renome ligadas nem que fosse por simples conhecimento dos cabeças dos “fraccionistas”.










Consequências derivadas

Durante os dez meses seguintes, milhares de angolanos “desapareceram” e enquanto isso acontecia, estavam sob custódia das forcas armadas os fiéis ao presidente Neto. Muita gente foi torturada. Outras foram mortas sem terem sido julgadas. Outras ainda executadas por ordem dum tribunal militar nomeado especialmente para esse efeito, que se reunia em segredo, não proporcionando qualquer garantia de julgamento justo e imparcial.

Contam-se como vítimas dessas perseguições anárquicas entre 30 e mais de 80 mil mortos.

Na reflexão suscitada por tanta crueldade, instala-se na mente uma questão muito pertinente. Como é que todo este imbróglio começou? Como é que o “fraccionismo” pôde criar tanta crueldade.




Problemas de retaliação e de prescrição dos crimes cometidos.




Os crimes do regime da Alemanha Nazi, nunca foram prescritos e ainda no início deste milénio, cerca de 60 anos depois do Holocausto que vitimou mais de 6 milhões de judeus, por serem judeus e sem outra qualquer razão, os algozes responsáveis por essa chacina continuam a ser procurados para serem julgados em foro próprio e se forem culpados cumprirem as penas sentenciadas em tribunais públicos, internacionalmete reconhecidos como competentes.

Do mesmo modo, o que se passou no dia 27 de Maio de 1977 e nos dez meses que se seguiram, não está prescrito. Impõe-se fazer luz e apurar responsabilidades dos factos, mesmo que elas possam ser de antemão considerados como amnistiados.

As organizações nacionais e internacionais dos Direitos Humanos, como a Amnistia Internacional compilaram listas de centenas de pessoas presas e torturadas e/ ou “desaparecidas” após a denominada tentativa de golpe de Estado de Maio de 1977; receberam testemunhos de ex-prisioneiros, que contaram como outros encarcerados desapareceram quando, noite após noite, durante os dez meses seguintes, ambulâncias e outros veículos cheios de prisioneiros saíam das prisões de Luanda e de outras cidades, para não mais voltarem com vida.

Segundo prisioneiros que foram enviados para o campo de “reclusão” em Kalunda no Moxico, muitos foram sumariamente executados, outros morreram á fome ou foram alvejados ao tentarem fugir pelas plantações de mandioca que cercavam o campo.

A última execução em massa, de 150 pessoas presas, por suposta ligação com a tentativa de golpe, teria ocorrido no dia 23 de Março de 1978. Alguns dos prisioneiros foram condenados á morte ou a prisão por um tribunal especial, que se diz não ter feito julgamentos imparciais, cujos juízes eram os membros da Comissão de Lágrimas.




Conferência sobre o 27 de Maio




É por esta razão que se recomenda ao Governo que o meio mais eficaz para se acabar com os ressentimentos das pessoas, injustamente, abusadas, presas e mortas, seja a realização de uma grande “Conferência de Audição da Família do MPLA”, para que todos se oiçam e façam penitência, impedindo desta forma a continuação, no presente de abusos contra os direitos humanos.

Seria ainda importante que se façam declarações públicas e explícitas das altas autoridades políticas e militares, afirmando que não serão tolerados violações de direitos humanos.

As autoridades judicias devem desempenhar um papel independente e activo no julgamento e na punição das violações dos direitos e liberdades fundamentais, agindo de acordo com os princípios básicos sobre a independência dos órgãos judicias, adoptado pelo 7º congresso da ONU, sobre a Prevenção de Crimes e o tratamento de Infractores.

Recomenda-se ainda a criação de uma comissão de independência e imparcialidade comprovadas, com plenos poderes para conduzir as investigações sobre todos os excessos cometidos pelas partes.

A investigação teria benefícios práticos, sobretudo para mulheres que receberiam as certidões de óbito ou de óbitos supostos, o que permitiria que voltassem a contrair matrimónio e obter paternidade.

Os objectivos de tal inquérito seriam assegurar que os familiares dos mortos fossem oficialmente informados que pudessem colaborar para se verificar o paradeiro dos que “desapareceram”, cuidar para que as vítimas de torturas e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes recebam assistência médica e/ou psiquiátrica e recomendar-se providências para garantir que no futuro não venham a ocorrer o “desaparecimento” de prisioneiros.

Em 10 de Abril de 1992, o Governo angolano negou alegações de que mais de 60 mil pessoas haviam “desaparecido” durante os anos de 1977 e 1979, admitindo no entanto, a ocorrência de “excessos” lamentáveis ” e declarou compartilhar a legítima preocupação das famílias das vítimas, interessadas em saber o que acontecera aos seus parentes; o governo disse ainda que talvez fosse criada uma comissão para tratar do assunto.

A Reconciliação não pode ser alcançada sem se tomar em conta os Direitos Humanos.

Por isso, se continua a apelar a que o executivo implemente um programa para o aumento a protecção ao direito à vida. Para fazer justiça ao seu nome, o MPLA precisaria de delinear uma estratégia para construir a confiança e a tolerância.

Deveria começar por introduzir a salvaguarda e a garantia de que os assassinatos deliberados e arbitrários do passado não voltem a acontecer. Deveria também, iniciar um processo para se confrontar e lidar com os assassinatos do passado, pois “a verdade precisa de ser exposta e é necessário que se tomem medidas em relação àqueles responsáveis”.



William Tonet

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