Um ano decorrido sobre o início da agitação, a Síria continua sem uma solução à vista. E todos devemos ter em conta que se trata de um país mesmo à beira da União Europeia, uma vez que do seu território ao de Chipre, que é "um dos nossos", um dos 27, medeiam uns escassos 110 quilómetros.
Jorge Heitor
Terminados 12 meses de levantamento popular e uma série de sessões da Liga Árabe e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o mundo continua sem saber como é que será o futuro imediato do martirizado povo sírio.
Uns bons 6.000 mortos depois, não se conseguiu acabar com a repressão exercida sobre os contestarários nem abrir caminho para uma saída pacífica do Presidente Bashar al-Assad, tal como Ben Ali saiu o ano passado da Tunísia.
Tunisinos, líbios, egípcios, iemenitas, sírios e outros povos árabes têm vindo a trilhar caminhos substancialmente diferentes uns dos outros para alcançar metas que na sua essência são muito parecidas: sociedades melhores, onde não haja um só partido com a parte de leão do verdadeiro poder; mas antes uma série de forças, políticas e religiosas, a trabalhar em conjugação para se alcançar o bem geral.
O Qatar, outros países da Liga Árabe, os Estados Unidos, o Reino Unido e a França queriam que Assad entregasse quanto antes a chefia do Estado a um vice-presidente, que se encarregasse de organizar a transição para um sistema francamente mais aceitável tanto pelo próprio povo como pela comunidade internacional. Só que a Rússia, com uma base militar na Síria, à qual fornece armas, se opôs tenazmente a esse projecto, que iria diminuir a sua influência no Médio Oriente.
Depois de se ter visto que a neutralização do coronel Muammar Khadafi não melhorou de forma alguma, até mais ver, o quotidiano do povo líbio, também há por aí fora quem se interrogue sobre se o simples facto de Assad sair seria um passo muito significativo para a democratização do respectivo país. Serão acaso os vice-presidentes da República e os demais dirigentes do ramo sírio do partido Baas (Ressurreição) pessoas muito mais aceitáveis do que o oftalmologista que sucedeu a seu pai, Hafez al-Assad?
Muita cautela
A verdade é que se terá de actuar sempre com extrema cautela, sem precipitações, para que depois não se diga que foi pior a emenda do que o soneto, como tantas vezes acontece quando se pretende remover alguns escolhos do caminho e se acaba por tropeçar em problemas ainda maiores.
Se acaso as forças mais conservadoras e aguerridas da América do Norte, do Reino Unido e da França recorressem às armas para derrubar Bashar al-Assad, corriam o risco não só de um confronto com a Rússia e a China como com a própria República Islâmica do Irão, a caminho de se dotar de capacidade nuclear.
Ninguém se deve esquecer dos desaires verificados nos últimos 21 anos com intervenções externas na Somália, no Iraque e no Afeganistão, pois que é sempre muito difícil acabar com uma situação ditatorial sem ter uma garantia mínima de que se possa descambar para a anarquia, com consequências quiçá bastante graves.
A NATO, que bombardeou as forças de Khadafi, decerto gostaria muito de também dar cabo das estruturas do ramo sírio do Baas, bem como do Hezbollah libanês e do Hamas palestiniano; mas não o deverá fazer se isso acaso acarretar o risco de um confronto ao mais alto nível entre o Ocidente e o Irão. Ou se der cabo do bom entendimento a que nas últimas duas décadas se tem procurado chegar tanto com a Rússia como com a China.
Nada de precipitações
Tendo-se verificado que as mudanças na Tunísia, na Líbia e no Egipto acarretam o risco de dar mais força a radicalismos fundamentalistas, em vez de abrir caminho a forças liberalizantes, é de pensar sempre duas vezes antes de encetar uma grande operação.
O que resta ver, como tem vindo a ser debatido ao longo dos últimos 13 anos, é se na verdade nos convém mais um diálogo de civilizações ou um choque entre elas, com o Médio Oriente ainda mais a ferro e fogo do que já por diversas vezes o tem estado neste último meio século (para já não recuar a tempos mais distantes).
Consolidar primeiro a democratização da Tunísia, do Egipto e do Iémen, por exemplo, é só depois estudar muito bem, com os principais interessados, qual a melhor solução a dar ao caso sírio poderá ser a melhor via para esta Primavera de 2012 que se está a aproximar; de modo a que não alastrem ainda mais cenas pouco edificantes a que temos vindo a assistir nas ruas de Tripoli, do Cairo e de Port Said.
Está decerto em causa o futuro da Síria, mas a diplomacia, uma diplomacia extremamente meticulosa, com punhos de renda, poderá ainda tentar o quase milagre de serenar os ânimos por aquelas bandas, de modo a que se possa assistir a um pouco mais de paz, desde o Mediterrâneo Oriental ao Paquistão.
Os chefes das grandes confissões religiosas e os mais destacados pacifistas deveriam ter uma palavra a dizer, e ser ouvidos com muita atenção, para que os ânimos acalmem no Norte de África e no Médio Oriente, de modo a não tornar ainda mais complicada toda a situação internacional, que tão complexa é.
Todos nós condenamos as violações dos direitos humanos, sejam elas na Síria, na China, na Bielorússia ou na Coreia do Norte; mas não queremos deitar ainda ainda mais achas para a fogueira, desencadeando acções precipitadas que elevem o número de mortos de forma exponencial, passando os mesmos eventualmente de 6.000 para alguns 30.000.
Os Estados Unidos, o Reino Unido, a França, Israel, a Arábia Saudita e a Turquia, entre outros, têm a obrigação de se entender com todas as facções da sociedade síria, de modo a evitar o pior, naquela martirizada região do nosso planeta, onde o ano passado tanto se falou de Primavera sem que tivesse sido possível ver muitas flores a florir.
-- (na revista Além Mar)
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