10.9.14

Luanda vai ter um Metro de superfície

A notícia não é propriamente nova. A foto da maquete que anuncia a grande novidade, estimula a imaginação. Os mais optimistas já visualizam a paisagem futura. Luanda vai ter um metro de superfície. Ou seja, um sistema de transporte de massas eficiente, rápido e isolado. Fantástico!
O projecto, segundo os sites noticiosos, insere-se no Plano Nacional de Desenvolvimento 2012/2017. O Plano vai ainda estabelecer e implementar um programa de reordenamento do sistema de transportes nas outras províncias e inclui a extensão da rede de táxis a todo o país.
Projecto interessante. Simpatizo com ele. A problemática dos transportes, uma das mais arreliantes do país e, particularmente, de Luanda, tem parte da solução esboçada. Engarrafamentos monumentais, esperas desesperantes em paragens apinhadas de gentes, longas caminhadas e todos transtornos em torno da maka dos transportes vão diminuir consideravelmente.
Habituada a noticiários onde o anúncio de grandes projectos se sobrepõe à realidade, muito embora esses também se possam considerar factos, no âmbito do “vai acontecer”, confesso que não prestei muita atenção aos detalhes relativos ao metro de superfície. Tudo por causa do entusiasmo.
Bastarão apenas duas chuvadas, com as conhecidas consequências destruidoras, para refrear a minha simpatia e aguçar a objectividade. Intrigada, procurei na net mais detalhes sobre o projecto divulgado há sensivelmente três meses. A informação é escassa.
Uma rápida reflexão dá lugar a dezenas de perguntas. Quantas pessoas vai servir e que garantias existem para o funcionamento desse meio de transporte numa cidade que é também sinónimo de problemas recorrentes como a falta de energia. Ou vai funcionar a vapor? A pergunta pode parecer absurda, mas não entendo nada de metros, sejam eles de superfície ou subterrâneos.
Em todo caso, indiscutivelmente, o nosso metro de superfície vai contribuir para colmatar deficiências mil. Quando é que isso vai aconteceu é algo que não se sabe porque nem sempre os prazos de execução são cumpridos à risca. Dito de outro modo. Vamos só esperar tranquilamente pelo tão sonhado dia.
Porque a vida é hoje, os verdadeiros metros de superfície de Luanda têm o azul como tom predominante. Tão necessários quanto abominados, quebram todas as regras de trânsito e de civismo. Contribuem para que a circulação rodoviária em Luanda seja esse cenário dantesco de quebrar os nervos de aço.
Os veículos que garantem o transporte de boa parte dos luandenses circulam a pouquíssimos metros de distância das outras viaturas. Provocam, riscam carros alheios, exasperam e colocam em risco a segurança de passageiros e transeuntes. Enriquecem o linguajar angolano com os seus “termos técnicos” como “emagrece” (afasta, dá espaço a mais um passageiro). Mas, ao fim do dia servem vários milhares de pessoas. São eles. Os candongueiros. Aliás, táxis.
Os metros de superfície da actualidade passam por lugares esquecidos desta cidade que se constrói a altos contrastes. As suas rotas incluem buracos “normais” e crateras que são ponto único de passagem para pessoas que, de outro modo, teriam como única forma de locomoção as próprias pernas.
Geralmente vencem percursos intransitáveis para automobilistas comuns. Vários troços desafiam a imaginação. Num deles, em determinado momento, o carro dá a impressão de ter sido engolido pela terra, tão grande é a inclinação. É mesmo só impressão porque alguns segundos depois a parte da frente emerge. Coragem dos passageiros que correm riscos, perícia do motorista, necessidade de apresentar contas certas ao patrão ou tudo isso?
A luta pela sobrevivência é diária. Ninguém a ganha em casa. Enquanto o projecto não sai do papel, a operação tapa buracos poderia mudar o retrato de Luanda. Em tempo de chuvas que transformam as estradas esburacadas em passarelas para a “dança” de carros com prazo de validade precocemente encurtado, o azulinho continua a ser o metro de superfície para os luandenses. Luísa Rogério

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