Desde que ao Presidente da Guiné Equatorial, o General Obiang Nguema Mbasogo, lhe deu para ter mais cargos e poderes do que os que já tinha – a saber, Chefe de Estado, presidente fundador do Partido Democrático da Guiné Equatorial, Primeiro Magistrado da Nação, Tenente General do Exército, primeiro desportista da nação, etc., etc. – nós, os que sabemos que a sua forma de entender a governabilidade se ajusta aos típicos estereótipos bantu e, mais particularmente, Fang, soubemos que não estaria contente por ter apenas as funções atrás mencionadas, mas que iria tentar escalar o mais alto que consiga para mostrar aos súbditos do país que, por desgraça, lhe tocou governar com um poder que realmente vem de Deus, como disse um jornalista uma vez na única estação de televisão. Nós, os que entendemos o caráter do típico Nkukuma Ayong (chefe de tribo), um forte caráter egocêntrico, superpoderoso e autoritário, soubemos que as suas intenções de encher-se de mais coroas iriam em crescendo.
Uma vez, neste país onde todos nos conhecemos, mantive uma conversa com uma pessoa que conhece e vive o dia-a-dia do ambiente do General Obiang. Essa pessoa dizia-me, com tom arrogante, que, dentro da Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC), após a morte do Presidente do Gabão, Omar Bongo, havia uma luta pelo lugar do chefe de todos os chefes dentro da comunidade dos países da África Central, e que, segundo a delegação guinéu-equatoriana, deveria ser, indubitavelmente, Obiang, porque nenhum outro presidente tinha mais experiência em assuntos de gestão de um Estado.
Visto tudo o anteriormente mencionado, não havia nenhuma dúvida de que Obiang treparia para a ascensão a Presidente da União Africana e que estaria disposto a desperdiçar quanto dinheiro fosse possível para fazer do seu sonho uma realidade, em detrimento da sua população, que mantém na miséria, ignorância e na mais absoluta falta de liberdades.
Numa das suas últimas viagens aos Estados Unidos, em Houston, Texas, num encontro que manteve com empresários do sector petrolífero, transmitido, aquando do seu regresso, pela Televisão Guiné Equatorial, não duvidou em mencionar orgulhosamente que, graças aos seus irmãos africanos, havia sido eleito Presidente da União Africana. Ele vai e faz tal declaração no primeiro país do mundo, milhões de anos-luz à frente dele em termos de formação e com grandes conhecedores da atualidade africana. Como se estivesse no seu povo, Akokam, falando com crianças de quatro anos.
Então, os que realmente conhecem a Guiné Equatorial, deveriam conhecer a situação atual deste país africano, ao escutarem os meios de comunicação quando todos os Chefes de Estado africanos se deslocarem ali para assistir à Cimeira da União Africana.
À partida, é chover no molhado, porque basta a Wikipedia para se poder conhecer a situação desastrosa do povo da República da Guiné Equatorial. Mas atrevo-me a fazer finca-pé da situação geral da Guiné Equatorial quando receber os Chefes de Estado africanos na cimeira da União Africana.
Senhores Chefes de Estado:
Muita desta gente que irá ao aeroporto para os receber não estará ali de vontade própria. Além disso, estarão muitas horas ali sem comer, sob pena de prisão se não se apresentassem a esse lugar.
No vosso caminho entre o aeroporto e Sipopo, constatareis que, na nova auto-estrada que acabam de construir, há duas desmesuradas praças com fontes. Essas fontes só jorrarão água enquanto por lá passardes, porque, imediatamente depois da vossa saída, nunca mais voltará a sair água dessas fontes. Na mesma auto-estrada, vereis árvores plantadas com um cariz decorativo. Estas árvores plantaram-se a dois meses da vossa chegada e bastaria um empurrão do meu filho de cinco anos para as derrubar com muita facilidade, porque neste país as coisas se fazem assim, precipitada e desorganizadamente.
Sem vontade de sair desta auto-estrada, passareis perto da famosa prisão de Guantánamo, onde, no momento da vossa passagem, existirão mais de cinquenta cidadãos e cidadãs nacionais e estrangeiros (militantes de partidos políticos, sacerdotes, trabalhadores que quiseram pedir mais dignidade numa empresa cujo dono é uma pessoa influente do regime, moças que se negaram a sair com um general, algum bêbedo que quis falar de temas políticos porque ganhou coragem para isso depois de duas cervejas, etc., etc.), todos eles detidos arbitrariamente e em condições de saúde lamentáveis, submetidos à tortura e a tratos inumanos e degradantes, porque assim funciona este país e a liberdade da sua gente vale muito pouco. As prisões arbitrárias são uma moeda corrente e legal. Exactamente onde hoje existe esta auto-estrada, havia guinéu-equatorianos com porções de terreno que lhes foram arrebatadas sem a devolução de um só franco por parte do Governo. Não mencionando sequer as casas que aí estavam construídas e os desalojamentos forçados a que foram submetidos os que ali moravam, sem pagamento nem justificação alguma, porque os desalojamentos forçados ocorrem na Guiné Equatorial todos os dias.
Porque acredito que esta auto-estrada será centro de atenções, quero detalhar o melhor que possa sobre cada uma das coisas que tereis a oportunidade de ver e visitar.
Passareis por uma zona residencial chamada Boa Esperança. Essas casas foram construídas pelo Governo, mas repartem-se de modo arbitrário. Para conseguir uma, ter-se-á de conhecer a alguém dentro do sistema governamental, alguém influente, porque um cidadão comum como eu não pode ter acesso a elas. Estas mesmas casas consomem a eletricidade de uma pequena estação de geração de energia elétrica, porque em Malabo não há luz. A empresa que gere a luz de Malabo mostra-se incompetente há muito. São muitos os bairros que passam mais de três meses na obscuridade, naquele que é o terceiro país produtor de petróleo de África.
A Universidade Nacional da Guiné Equatorial é um puro refúgio para nós, filhos de pais pobres com vontade de seguir os estudos e animados por ter uma licenciatura. Os professores não são qualificados e muitos são companheiros que acabaram a licenciatura no ano passado. Temos de levar assentos de uma sala para outra, porque há demasiada procura estudantil e as salas não chegam para todos. O próprio reitor não tem um perfil de investigador nem estudos académicos dignos da sua posição. Não tem publicado qualquer trabalho científico nem um artigo escrito numa revista ou numa página, como este texto que eu escrevo agora.
O movimento das pessoas está restringido. Levamos mais de sete meses com sérias dificuldades para nos movermos de Malabo a Bata e vice-versa e com milhares e milhares de barreiras policiais dentro do país.
Falta de tudo. Água potável. As pessoas têm de formar filas até cem metros apenas para conseguir pão. Não há salas de cinema nem de ócio. O tráfico de droga é quase legal. A situação da educação está na pior.
-Poderia encher um livro inteiro, mas, para reservar a vossa energia, vou concluir por aqui. Esta é a lamentável situação na que está a Guiné Equatorial no momento da chegada dos Chefes de Estado para a cimeira da União Africana. E esqueci-me de mencionar que, se passardes pelo meu bairro, New Bili, sabereis exatamente do que vos falo, mas duvido muito que vos levem aí.
Cesar Augusto Iyanda Mitogo
Terceiro ano de Direito
Universidade Nacional da Guiné Equatorial
Tradução por Ana Lúcia Sá do original em espanhol “Cómo es la realidad del país al que vienen los jefes de estados africanos a la reunión de la Unión Africana". Documento que me foi facultado por Raúl F. Curvêlo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário