Das ilhas do arquipélago de Cabo Verde às terras do Delta do Níger, quase na fronteira com os Camarões, os narcotraficantes latino-americanos têm circulado com impunidade, nestes últimos sete anos, aproximadamente. Muitos dos regimes existentes são fracos e/ou não dispôem de meios para controlar a circulação de cocaína, chegada normalmente da América do Sul a caminho da Europa.
Países como a Gâmbia, a Guiné-Bissau, a República da Guiné e a Serra Leoa têm constituído uma rota essencial para pessoas sem escrúpulos que, partindo da Venezuela ou da Colômbia, pretendem fazer chegar o seu produto à Península Ibérica, às Ilhas Britânicas, a muitas outras regiões europeias e até mesmo ao Médio Oriente.
O problema da droga na África Ocidental é tão grave que até já serviu para motivo primordial do mais recente livro do romancista britânico Frederick Forsyth, que durante a segunda quinzena de Agosto de 2010 lançou nos Estados Unidos e no Reino Unido o thriller "The Cobra", sobre o comércio internacional da cocaína, que envolve "alguns dos homens mais violentos do mundo".
Quando no início de Março de 1999 o autor de "O Dia do Chacal" estava em Bissau a investigar a passagem de droga sul-americana para a Europa, por vezes através do aeroporto de Lisboa, soube que alguém fizera explodir o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, general Tagme Na Wae, e que horas depois o próprio Presidente da República, João Bernardo "Nino" Vieira, seria assassinado com requintes de extrema malvadez.
O sangue guineense não se ficaria por aí, pois que algum tempo depois caberia a vez ao deputado Helder Proença e ao candidato presidencial Baciro Dabó. Todos eles, segundo é voz corrente entre as pessoas que regularmente acompanham os assuntos daquela região, mais ou menos ligados a negócios muito pouco dignos.
Relações com a Al-Qaeda
Ainda se o problema fosse só o narcotráfico, talvez as chancelarias ocidentais não se preocupassem tanto. Mas a verdade é que os responsáveis pelo combate ao terrorismo estão cada vez mais preocupados com os grupos islamistas que se associam aos cartéis da droga. Nomeadamente com a hipótese de a África Ocidental se tornar uma nova fonte de rendimento para a rede Al-Qaeda, de Osama Bin Laden, que se tem estado a infiltrar pelas terras da Mauritânia, do Mali, do Níger e do Burkina Faso.
Se formos ao site StrategyWorld.com, podemos ler que há alguns anos operacionais daquela rede terrorista começaram a aparecer na Guiné-Bissau, nomeadamente para facilitar a circulação de cocaína, numa terra onde os mais altos órgãos do Estado são incapazes de controlar o que quer que seja.
A ausência de uma Força Aérea bem equipada e de uma Marinha dotada de um razoável número de lanchas rápidas faz com que proliferem as pistas de aterragem e com que atraquem barcos às dezenas de ilhas do arquipélago das Bijagós, alvo dos mais mirabolantes projectos. Ao ponto de Nino Vieira ter chegado a autorizar um projecto do magnate chinês Stanley Ho para construir um casino na ilha Caravela.
Uma ameaça crescente
No dia 1 de Abril de 2010, tropas sob o comando do vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, general António Indjai, foram à representação das Nações Unidas e retiraram de lá, com toda a impunidade, o contra-almirante Bubo Na Tchuto, que aí se encontrava refugiado, por ter um diferendo com o Governo. Depois, juntos, Indjai e Bubo Na Tchuto, afastaram o Chefe do Estado-Maior, almirante Zamora Induta, e remeteram-no para uma cadeia.
Dias depois, a Drug Enforcement Administration, dos Estados Unidos, colocava Bubo na sua lista de pessoas associadas ao narcotráfico na África Ocidental, tal como aliás o fez em relação ao capitão Ousmane Conté, filho do anterior Presidente da República da Guiné, Lansa Conté. Bissau e Conacri eram, desde há anos, duas faces de uma mesma moeda. Nino e Conté haviam sido, durante muitos anos, amigos inseparáveis.
As fracas instituições, a ausência de desenvolvimento e o crime organizado têm sdio um caldo fértil para toda a espécie de aventuras a que alguém se queira lançar desde as imensidões desérticas da Mauritânia até à contestada fronteira entre a Nigéria e os Camarões.
O representante especial das Nações Unidas na África Ocidental, Said Djinnit, tem dito que as perspectivas de realização nessa parte do mundo dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio continuam a ser fracas, sem que a pobreza da maior parte das pessoas diminua.
Namoro a Cabo Verde
A França, país com grandes tradições na África Ocidental, de Dacar a Brazzaville, e os Estados Unidos, ultimamente mais preocupados com a região, têm pensado em atrair para o seu campo a República de Cabo Verde, como um parceiro precioso num combate a todas as espécies de tráfico que passam pela Senegâmbia e pelo Golfo da Guiné. Estratégicamente colocadas na parte oriental do Atlântico Norte, abaixo do Trópico de Câncer, as ilhas podem muito bem servir para, a partir delas, se fiscalizarem as costas da Mauritânia e dos países a sul.
Os comércios de emigrantes que a todo o custo querem alcançar a Europa e das drogas que da América Latina são enviadas para a mesma Europa e para a região do Golfo Pérsico-Arábico passam pelo paralelo 20, que separa e aproxima Cabo Verde na costa e no interior das terras africanas. As rotas de contrabando que passam pelo Sul da Argélia e pelas solidões desérticas do Mali e do Níger são como que o prolongamento ou a duplicação das vias de comércio ilícito que se faz no litoral da Senegâmbia e das duas Guinés vizinhas. De modo que, as ilhas de Cabo Verde poderiam muito bem funcionar como torres de vigia ou bases de lançamento de grupos operacionais que, em acções rápidas, interviessem em certas situações, ao ser decretado o combate generalizado aos tráficos da África Ocidental e do Sahel.
Recordemos que há anos se arrasta a questão do Comando Africano idealizado pelos Estados Unidos e que tem sofrido muitos precalços, uma vez que quase ninguém na África quer fornecer instalações para ele funcionar como deve de ser. A Libéria, uma criação da América do Norte, foi um dos poucos países que admitiu, discretamente, dar uma ajuda ao Pentágono na implementação do referido Africom.
Os liberianos, aliás, também já deram uma ajuda às entidades norte-americanas de combate ao narcotráfico, facilitando a neutralização de alguns dos barões das drogas. Mas eles são tantos que não basta haver apenas um ou dois governos empenhados na gigantesca tarefa.
As polémicas intervenções militares deo Ocidente no Iraque e no Afeganistão, bem como o confronto com o Irão, têm feito esquecer a cruzada idealizada por alguns contra o narcotráfico, as migrações ilegais e a expansão islamista na África Ocidental. Mas um dia esse problema terá de ser encarado mais a sério. Talvez, por exemplo, se a Nigéria, o grande gigante da região, entrar em fortes convulsões,. na sequência dos seus muitos conflitos latentes. A forma como decorrerem as presidenciais de 2011 poderá ser um barómetro para se aquilatar do estado de saúde de uma federação que reivindica um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A degradação do marfim
A Côte-d'Ivoire (Costa do Marfim), onde Fèlix Houphout-Boigny criou uma certa aparência de desenvolvimento, está hoje na prática dividida em duas, a do Norte, sob o controlo das Forças Novas, e a do Sul, a de Laurent Gbagbo, com as eleições da normalização já por tantas vezes adiadas. E é um dos exemplos perfeitos da artificialidade de tantos dos sonhos de 50 anos, quando se concretizaram tantas das independências africanas. Foi da sua fronteira, recorde-se, que em Dezembro de 1989 Charles Taylor lançou, no condado de Nimba, a rebelião que o iria levar ao poder em Monróvia e a partir da qual impulsionou a tenebrosa Frente Revolucionária Unida (RUF), de Foday Sankoh, na vizinha Serra Leoa. Muita gente tem na língua a expressão "diamantes de sangue", mas pouco estarão bem conscientes do autêntico dominó de violência e de instabilidade que nas últimas duas décadas cobriu o espaço que da Costa do Marfim sob à Libéria, à Serra Leoa, a Conacri e a Bissau.
Comércio de armas, fluxo de populações que querem a todo o custo fugir ao inferno das suas terras e dinheiro fácil obtido mediante a cumplicidade com o narcotráfico são facetas várias de uma mesma manta que se estende de Nouakchott ao Delta do Níger, a região africana sobre a qual aui tentámos reflectir.
Alguns países estão a ser mais afectados do que outros, mas quase todos eles têm armas e pobreza a mais, desenvolvimento a menos. Daí que tantos dos seus naturais procurem vir trabalhar para a Europa, trocando inclusive profissões de juízes ou jornalistas por trabalhos como os de segurança ou de ajudante de pedreiro. (Artigo escrito em Agosto de 2010, para o anuário Janus que deveria ter saído no fim desse ano e que sofreu um atraso.)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário