18.10.11

Angola perante o vespeiro guineense

As últimas notícias vindas da Guiné-Bissau indicam um cenário em que a diplomacia angolana, no âmbito da presidência da CPLP, terá de se empenhar com toda a inteligência requerida para que Bissau não volte a cair num clima de instabilidade.
Angola tem na Guiné um dos seus desafios na lógica da sua afirmação como país promotor da estabilidade no continente. Claro que a estabilidade depende mais dos próprios guineenses que da boa vontade angolana. E é aí que está o problema.
Nada na Guiné parece claro. Trata-se de um país onde, aparentemente, os desentendimentos pessoais, as raivas e os desejos de vingança entre ex-camaradas de trincheira parecem sobrepor-se à lógica dos interesses do Estado. Na Guiné parece nem haver espaço para o cinismo político, é tudo a ferro.
Neste momento, Sebastião Isata é o único angolano a trabalhar em busca da estabilidade na Guiné, isso como representante da União Africana. Os militares angolanos que irão ajudar na reforma do exército guineense ainda não foram nomeados. Enquanto isso, em Bissau a intriga corre, destapando medos e colocando alguns num estado de alerta que poderá descambar num “antes matar que morrer. Esse é o grande risco.

Zamora Induta é mesmo culpado?

As últimas notícias dizem que, citando relatório atribuído ao (então) Procurador-Geral da República, Amin Sad, Zamora induta terá sido o autor dos assassinatos do Presidente Nino Vieira e do general Tagme na Waye que ocupava o cargo de Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas.
É verdade que Zamora Induta, na sequência de tais assassinatos, auto promoveu-se para o cargo de Tagme, ficando com o país nas mãos. Porque matar Tagme? Tanto Induta como Tagme eram homens de Ansumane Mané, o general que havia deposto Nino Vieira. Zamora poderia até ter razões para matar Nino (depois de ter ajudado a depô-lo e a força-lo a sair para o exílio, tê-lo de novo como Presidente e como Comandante em Chefe, poderia não ser coisa que Induta engolisse. Mas porque matar Tagme? Apenas para ser chefe das tropas?
O tal relatório atribuído a Amin Sad diz que Induta teria (ou o afirmou aos militares que foram executar as mortes, no dia 2 de Março) que o mandante dos crimes era o Primeiro Ministro Carlos Gomes Júnior. Gomes júnior, dizem os guineenses, foi uma criação de Nino Vieira, que lhe teria permitido tornar-se num próspero empresário. Há quem diga que Gomes júnior foi uma espécie de representante dos negócios de Nino Vieira. Que razões teria Gomes Júnior para matar o Presidente Nino Vieira? Gomes Júnior não se candidatou ao lugar de Nino, apoiou, antes, a candidatura de Malan Bacai Sanhá, como candidato do PAIGC, o mesmo partido que Nino Vieira derrotou nas urnas. Ao contrário de Carlos Gomes Júnior, Nino Vieira era um histórico do partido, do tempo da luta pela Independência, o facto de concorrer como independente não apagava a sua trajectória no PAIGC e na história da Guiné.
Pode-se dizer que com as mortes de Nino Vieira e de Tagme na Waye, Carlos Gomes Júnior passou a ter maior protagonismo, sem a sombra de um histórico na presidência, com a agravante de ter sido já Presidente até ter sido deposto por militares e de ter voltado e reconquistado o lugar nas urnas. Haveria aqui uma legitimidade reforçada e um sinal de que os guineenses teriam preferido o passado a outras experiências. Por seu lado, Zamora Induta via-se livre de Nino Vieira e consumava o seu afastamento definitivo, “não concluído na guerra de Ansumane Mané ; ocupava a chefia das forças armadas e obteria o verdadeiro poder na Guiné. Nos meses em que chefiou o Estado Maior, foi a impressão com que se ficou. Era Induta quem ditavas as regras no país.
Mas Induta e Tagme tinham um ponto mais a uni-los. Ambos teriam sido “afastados pelo general Veríssimo Seabra, depois deste ter morto Ansumane Mané e ter deposto o Presidente Kumba Yalá (PRS), entretanto eleito nas urnas contra Malan Bacai Sanhá (PAIGC). Veríssimo tinha estado com Ansumane na guerra contra Nino Vieira. Só quando Tagme assumiu a chefia do exército, depois da morte do general Veríssimo Seabra é que Zamora Induta recuperou algum protagonismo.

O narcotráfico e os suspeitos

Tagme na Waye não parecia ter ambições políticas. Não tinha carisma e também não tinha, na sua etnia balanta, o suporte de Kumba Yalá, por exemplo, que agora se converteu ao islão, um grupo religioso também muito forte na Guiné. Malan Bacai Sanhá também é muçulmano. Tal como o era Ansumane Mané. Nino Vieira e Veríssimo Seabra não eram muçulmanos.
Mas foi na chefia militar de Tagme e com a presidência de Nino Vieira, que surgiram as mais alarmantes notícias sobre o papel do território na rota do narcotráfico (Tagme dizia querer combater o narcotráfico). Também surgiram nomes associados. António Indjai e Bubo na Tchutu constavam da lista. Indaji era um militar do estado maior, um dos vices. Na Tchutu era o comandante da Marinha de Guerra.
A pressão internacional fez com que o Presidente Nino Vieira começasse a falar em combater o narcotráfico.
Tagme na Waye também se pronunciou. Ambos foram mortos.
As mortes de Nino e de Tagme abriram caminho a Bacai Sanhá, para a presidência, ganha nas urnas, e a Induta para a chefia militar, autoimpondo-se e ultrapassando generais melhor colocados na linha de sucessão. Estava ditado o seu destino.
Induta procurou fazer do combate ao narcotráfico a sua divisa. Viu escapar-se-lhe Bubu na Tchtu que fugiu para o Senegal mesmo antes de ser detido, acusado de envolvimento no narcotráfico. E a acusação não era apenas de Zamora Induta, os Estados Unidos da América já tinham publicado um relatório em que constavam os nomes de Bubu na Tchutu e de António Indjai. Entretanto, Baciro Dabó, antigo candidato presidencial e o ex-ministro Carlos Proença, foram assassinados em 2009.

As confissões de Zamora Induta

Zamora Induta, segundo as mais recente notícias, teria confessado, na prisão onde está, a autoria das mortes do Presidente Nino Vieira e do general Tagme na Waye. Induta foi detido no dia 1 de Abril de 2010. Quem o deteve foi o seu adjunto no estado maior, António Indjai, que se apressou a libertar Bubu na Tchutu que, entretanto, regressado a Bissau estava refugiado nas instalações das Nações Unidas. Tanto Bubu na Tchutu como o seu “libertador António Indjai, são os tais citados pelos norte-americanos como estando envolvidos no tráfico de drogas. Ambos aprisionaram Zamora Induta e o Primeiro Ministro ,Carlos Gomes Júnior.
Gomes Júnior foi salvo pelo povo que se manifestou farto das golpadas militares e exigiu nas ruas a sua libertação. Indjai ainda ameaçou matar o Primeiro Ministro e disparar contra a multidão. Em viva voz. Zamora Induta não teve a mesma sorte.
Não se sabe bem o que pensa Malam Bacai Sanhá.
É o actual Presidente que “aceitou Zamora Induta como chefe dos militares, aceitou a sua prisão, empossou António Indjai como Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e nomeou e deu posse a Bubu na Tchutu para o lugar de chefe do Estado Maior da Armada. Há que perceber se o fez por mera manobra de sobrevivência política e física, ou se porque mexe os cordelinhos. Entende-se que tenha contas a ajustar com Gomes Júnior, o Primeiro Ministro, que o derrotou na corrida à liderança do PAIGC e que as tivesse também com Zamora Induta cujo poder, o real, como chefe da tropa, suplantava o seu como Chefe do Estado.
Não está claro se tinha mais simpatias por Nino Vieira, a quem substituiu na presidência quando deposto por Ansumane Mané, ou se por este último.
Não se sabe ainda se vai ou não aceitar e como agirá na sequência do relatório atribuído a Amin Sád. Também não se sabe se considera legal a prisão de Zamora Induta. Se não é legal, as ditas confissões não são válidas.

Os outros …

Henrique Rosa, um presidenciavel, e que aguentou o país como interino nos momentos de vacatura, está remetido ao silêncio. Francisco Fadul, outro presidenciavel e que já foi Primeiro Ministro, também em tempo de vacatura foi agredido quase até à morte e recusa-se a envolver-se outra vez na política guineense. Kumba Yalá foi deposto da presidência, tem influência sobre os balantas mas está em silêncio, depois de derrotado nas urnas.

Os perigos para a diplomacia angolana

Em primeiro lugar, há a imprevisibilidade de novas vinganças. Depois, há a influência muçulmana e dos vizinhos Guiné Conakry e Senegal (sempre procuraram influenciar a situação em Bissau para seu proveito).
Os apoios para Angola poderão surgir das Nações Unidas, da União Africana, da CPLP e dos Estados Unidos da América. Uns porque querem a estabilização da Guiné, e outros porque querem combater o narcotráfico que pode financiar acções terroristas.
Com a fragilidade do Estado guineense, entretanto, Angola terá de agir na diplomacia, por um lado, e na economia, por outro. Os militares guineenses precisam de condições de vida, e os guineenses também.

José Kaliengue "O País" Luanda (mesmo que tenha sido escrito há já algum tempo, este artigo continua a ter interesse para quem queira perceber a Guiné-Bissau)

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