Se na Líbia a intervenção da Força Aérea dos países da NATO foi fundamental para conseguir que os rebeldes entrassem em Tripoli e de lá escorraçassem o coronel Muammar Khadafi, na Síria poderá ser qualquer outra intervenção militar estrangeira, nomeadamente turca, a fazer com que se cumpram, entre outros, os desígnios dos Estados Unidos e da União Europeia: que o Presidente Bashar al-Assad seja afastado do poder.
As intervenções estrangeiras poderão ser significativas no desenvolvimento daquilo a que se convencionou chamar a Primavera Árabe, o movimento surgido no início deste ano com o objectivo aparente de democratizar os países que se situam entre Tunes e Damasco. Correr de lá com autocratas e permitir a recomposição da paisagem política, muito mais de acordo com os valores prevalecentes na maior parte da Europa e das Américas.
Os Estados Unidos, a Turquia e Israel gostariam muito de ver afastado Bashar al-Assad, aliado da República Islâmica do Irão e patrocinador do grupo armado libanês Hezbollah, uma das faces menos agradáveis do Islão contemporâneo, uma comunidade composta por mais de mil milhões de seres humanos, mas que apresenta numerosas facetas.
O actual Presidente e seu pai, Hafez al-Assad, totalizam 41 anos de governação sobre um vasto território que se estende a sul da Turquia e a leste do Mar Mediterrâneo, do Líbano e de Israel. Os Al-Assad levam quase tanto tempo de poder quanto o tiveram o coronel Khadafi e os filhos que ele foi criando para o perpetuarem à frente do seu sonho, hoje praticamente transformado em pesadelo.
Quatro décadas é demasiado tempo para que uma só família domine um espaço que é duas vezes o de Portugal e que, a sul e a leste, faz fronteiras com a Jordânia e o Iraque. Daí que muita gente, dentro e fora da Síria, esteja ansiosa por uma mudança de regime, mesmo que a curto prazo isso possa significar o caos cívico e político. Numa terra onde a oposição poderá estar, se possível for, ainda mais desorganizada do que aquela que na Líbia se congregou sob o nome de Conselho Nacional de Transição.
Um complexo mosaico
Se a maioria da população da Síria é árabe, também lá há curdos, arménios, assírios (de língua aramaica e religião cristã), beduínos e uma pequena minoria muçulmana oriunda do Cáucaso e para ali transferida durante o Império Otomano; império esse de que a Turquia actual ainda tem saudades.
Do lado islâmico, os sírios dividem-se em sunitas, alauítas, druzos, ismaelitas, xiitas e até mesmo yézidis, aos quais algumas pessoas menos informadas chamam "adoradores do diabo". E na parte cristã, que representa 13 por cento da população, há gregos católicos ou melquitas, católicos sírios, maronitas, caldeus, latinos, gregos ortodoxos, arménios gregorianos, sírios ortodoxos, nestorianos e protestantes.
Como se vê, um conjunto bastante heterogéneo, que até poderia ter constituído uma forte riqueza civilizacional se a família política dirigente tivesse procedido a reformas na devida altura, sem deixar as coisas chegar ao que chegaram, com a perspectiva da eventual derrota dos alauítas de Al-Assad significar um imenso caos, de Alepo a Palmira e de Hama e Homs até Damasco e Kuneitra.
Estes alauítas que estão no poder, do Partido Baas, ou Baath, significam apenas 12 por cento da população; e só lá se conseguiram aguentar com o apoio das Forças Armadas, das quais poderá depender agora o seu descalabro, se acaso em algumas unidades se desenvolver algo de equiparável ao movimento de capitães que culminou em Portugal no 25 de Abril de 1974.
Processo longo
Apertada entre as pressões da Turquia, da Arábia Saudita e do Irão, a questão síria poderá levar ainda muito tempo a resolver, não se tornando as coisas muito líquidas antes do fim deste ano. Até porque primeiro, talvez, terá de se ver bem como é que estão a evoluir a Tunísia, o Egipto e a Líbia, os três primeiros patamares da Primavera Árabe de 2011, uma Primavera que tarda em dar frutos minimamente apetecíveis.
Se daqui a alguns meses caírem os pilares alauítas do regime de Bashar al-Assad, a Síria (tal como o Bahrein o está a ser) poderá transformar-se a médio prazo num enorme campo de batalha entre os xiitas iranianos e os sunitas sauditas, tão queridos da Casa Branca e do Pentágono.
O carácter autoritário do Estado sírio acentuou-se nos últimos tempos, quando muitos dos simpatizantes da causa democratizadora teriam esperado reformas, as reformas ansiadas e até mesmo prometidas desde a altura em que Bashar sucedeu a Hafez al-Assad. E assim se está a malograr mais uma experiência que poderia ter sido interessante, há alguns anos, quando a estrada de Damasco era uma via segura para o nacionalismo árabe e para o apoio à resistência palestiniana contra a ocupação israelita da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
O médico oftalmologista Bashar al-Assad não teve visão suficiente para evitar o levantamento popular que está a acontecer, deixou que a Armada do seu país bombardeasse inclusive um acampamento de refugiados palestinianos, dos palestinianos que a Síria sempre disse ajudar, e arrisca-se agora a ter um fim bem triste.
As forças progressistas que têm sido assinaladas em países muçulmanos, desde a Tunísia ao Médio Oriente, ainda terão um longo caminho a percorrer, um caminho de muitos anos, até que os seus anseios democráticos se possam enfim concretizar. Será que algum dia isso irá acontecer? Insha'Allah! (Deus queira)...
JH http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFEZyVuVFZJTOZpyKA
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário