26.10.12

Guiné-Bissau há um século: a conquista do Óio por Teixeira Pinto

Transcrevemos a seguir uma passagem do livro "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936), René Pélissier, Editorial Estampa, 2001, que dão uma explicação sobre o que foram as grandes batalhas pela conquista do Óio de 14 de Maio a 6 de Junho de 1913, como a batalha do Morés a 30 de Maio, ou a conquista de Mansodé a 5/6/1913, embora tenhamos a lamentar a má qualidade da tradução. "Os Mandingas islamizados são cada vez menos favoráveis à resistência, mas os Soninquês mais do que nunca. A sua ameaça contra o Posto de Mansoa pode pois ressurgir do norte. É no que quer acreditar Teixeira Pinto, que vai servir-se deste pretexto especioso para justificar a sua invasão do Oio. Perguntamo-nos mesmo se ele não ultrapassa as ordens do seu governador, de quem não gosta e que pensou impedir-lhe as manobras, proibindo-lhe as razias de auxiliares. Ora Teixeira Pinto só pode manter-se com eles e prefere-os amplamente aos soldados regulares. Não hesitaremos em invocar aqui o factor psicológico: o capitão quer entrar na história e, sozinho quebrar a lenda da invencibilidade dos Soninquês. Tendo experimentado o valor de Abdul Injai e dos seus homens, mas também o dos Fulas Forros do Sancorlá, comandados pelo seu régulo (Boram Jame?) que estão à sua volta, decide portanto, sacrificar a quantidade à qualidade, ao deixar para trás todos os seus oficiais e, evidentemente, as embarcações. Joga ao póquer ao internar-se no Oio, sem trem, sem metralhadora, simplesmente com um canhão de 70, um sargento, quatro artilheiros brancos e dois soldados indígenas, mais outro sargento branco e duas praças africanas. E, evidentemente, Abdul Injai e os seus lugar-tenente, que parecem ter reagrupado filhos de chefes fulas decididos a criar uma reputação de guerreiros. Mas, no total, isso não representa mais que 400 auxiliares enquadrando carregadores balantas. Mesmo o impulsivo Graça Falcão não entrara pelo Oio, em 1897, sem dez a vinte vezes mais homens. E com os resultados que sabemos! Em caso de desastre, o Exército não poderá imputar-lhe grandes perdas, pois que não toma auxiliares em conta, mas o Oio e, de qualquer modo, um grande bocado para pão pouca gente; uma aposta muito imprudente que este chefe de estado-maior se comprometera com dez soldados, lá onde ele pretende - sem razão - que Biker conheceu meia derrota em 1902. Não sabemos claramente se o Oio enfraqueceu em onze anos, mas de modo nenhum temos essa impressão. No entanto, a 14 de Maio de 1913, a pequena tropa sobe para norte, sem provisões, acabando por carregar as munições Balantas requisitados à força. Sabendo cada um com o que contar, as coisas não se arrastam. A 15 de Maio, em fila indiana, os invasores são atacados numa daquelas armadilhas de verdura, da qual se salvam com fogo vivo, para cairem sobre a tabanca fronteiriça de Cambajo, tomada de assalto e incendiada. O combate é um dos mais difíceis alguma vez conhecidos na Guiné, se Teixeira Pinto tivesse menor talento para se valorizar ou, na sua falta, um revolver a seu lado, este caso teria passado à posteridade. A peça disparou 44 vezes, mas 40.000 cartuchos foram consumidos em Cambajo, o que num só combate é enorme nos anais luso-africanos. Teixeira Pinto não deplora senão três mortos e treze feridos entre os auxiliares, o que se explica talvez pelo alcance das Kropatchek, que lhes estão confiadas. Como quase sempre com os Portugueses, as baixas dos Soninquês serão desconhecidas durante toda a campanha. Constituída em quadrado, a coluna é atacada novamente a 16 de Maio, durante hora e meia, mas inflige pesadas perdas aos Soninquês. Obrigado a comer milho miúdo, acomodado à carne dos porcos (!) que vêm devorar os cadáveres, a expedição está, apesar de tudo em bastante mau estado e tem de enviar um destacamento a Porto Mansoa, em busca de reabastecimento. Por seu lado, os Soninquês estão realmente decididos a resistir e multiplicam os fossos nas pistas. De uma maneira geral batem-se não nas tabancas, que depressa abandonam, mas na floresta onde armam emboscadas e metralham o quadrado. Se bem que um certo desânimo seja perceptível nas suas fileiras, os duros levam ainda a melhor e envenenam sistematicamente os poços. Ainda que se esteja na estação das chuvas, a sede vai ser um dos obstáculos a esta penetração. Durante este bloqueio, no norte do Oio, Calvet de Magalhães decide enganar os Soninquês, que o esperam em Gindu. Parte para Farim, atravessa ali o rio por volta de 17 de Maio e destrói imediatamente a tabanca de Bafatá do Oio, tomada de surpresa. A partir desta testa de ponte, varrerá mais seis tabancas de 23 a 30 de Maio, na região já batida em 1897 e em 1902. As coisas importantes desenrolam-se, evidentemente, ao sul onde, a 24 de Maio, a coluna é reabastecida em Cambajo pelo destacamento que, via Bissorã, atravessar o bloqueio defeituoso dos Soninquês. Destes últimos, não compreendemos bem a táctica mas, segundo parece, só se concentram excepcionalmente, senão como explicar que, em florestas tão cerradas e picadas tão estreitas, pequenos grupos pesadamente carregados e constantemente flagelados pudessem livrar-se sem feridos? É Inútil seguir as reptações da coluna, de tabanca em tabanca, não sendo algumas aliás referenciáveis. Basta dizer que Teixeira Pinto parte de Cangajo, a 26 de Maio, para ocupar Unfarim. O posto de Bissorã não fornece reforços, simplesmente água e homens de Malam Bá, o que confirma que Teixeira Pinto não quer partilhar a vitória com nenhum outro oficial. Apostou tudo em Abdul Injai, do qual tem as capacidades operacionais em estima, como não se encontra em nenhum outro oficial português, quando se trata de fazer um juízo profissional sobre um chefe de auxiliares africanos. É um caso único de entendimento e mesmo de quente cumplicidade entre um quadro do activo e um senhor da guerra indígena. A 27 de Maio, a serpente armada volta a partir, derriba outras tabancas, enrola-se (29 de Maio, em Maqué), muitas vezes atacada, mas nunca verdadeiramente ameaçada. Em Sansabato destrói uma "grande mesquita onde se sagram os fidalgos do Oio". Continuam sem eco os apelos à rendição, o avanço prossegue para Morés, já visitada por Graça Falcão em 1897. Aborda-se ai o coração da resistência do Oio (cf. a guerra de libertação) e os Soninquês concentram no seu caminho uma potência de fogo que faz vacilar os artilheiros europeus e os Fulas de Sancorlá. No entanto, Morés cai, por sua vez, a 30 de Maio. O problema da sede é cada vez mais preocupante, mas Teixeira Pinto, inflexivel, não quer repetir o erro de Biker. São todas as tabancas do Oio que quer tomar e, principalmente, Mansodé que desempenha o papel de capital da resistência. Entre Mansodé e Morés, tendo os Soninquês cortado a pista com trincheiras e árvores abatidas, Teixeira Pinto usa a astúcia e decide progredir para o alvo, por uma pista mais a leste (via Mamboncó), sempre reabastecido sem dificuldade por Porto Mansoa (a simplesmente quatro horas de marcha). Paliçadas, emboscadas, nada os detém. A 3 de Junho, a coluna transpõe todos os obstáculos entre Morés e a pista destinada a conduzi-la a Mansodé. Água e munições chegam bastante regularmente de Porto Mansoa e , a 5 de Junho a marcha final continua para Mansodé. A coluna já só tem 320 irregulares, mas conservou os seus seis soldados europeus e quatro africanos intactos. Mamboncó é tomada. Chegado a este ponto, o mal-estar aumenta na coluna. Mansodé tem fama na Guiné, de ser invencível, a tal ponto que os seus defensores se gabam de não a terem fortificado, bastam os seus peitos para a defenderem. Pela primeira vez tomados pelo terror dos poderes ocultos ou da valentia atribuída à gente de Mansodé, os lugar-tenentes de Abdul Injai recusam-se a marchar. Tão perto do objectivo é o atoleiro. Para dali sair, Teixeira Pinto, que conhece a sua gente, tê-la-ia galvanizado teatralmente, fazendo avançar a peça para o norte, acompanhando-a sozinhos Abdul Injai e ele próprio dizendo aos guerreiros indóceis: "que os cobardes podiam voltar para trás, porque eu e Abdul iamos morrer em Mansodé". Reviravolta e entusiasmo veemente bastam: Mansodé cai e desfaz-se em fumo no mesmo dia 5 de Junho de 1913, depois de uma resistência enérgica, mas breve. Desde então, dissipados os encantamentos, a campanha está militarmente terminada ao sul." Publicado em 21/05/2006, e revisto em 01/06/2007 por Carlos Fortunato Transcrição de passagens do livro "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936), René Pélissier, Editorial Estampa, 2001

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