2.12.11

Raúl M. Braga Pires, em Rabat

(www.expresso.pt)

Segunda feira, 28 de novembro de 2011

A ida às urnas é tão importante quanto o acampamento em Tahrir

Foi há precisamente 1 ano, a 28 de Novembro que decorreram as últimas eleições legislativas no Egito, às quais concorreram o Partido Nacional Democrata (PND) de Hosni Mubarak e de seu filho Gamal, o qual era o Secretário-Geral do Comité Político.

Os acontecimentos da última semana e meia no Egito, comprovam que o que se tem passado neste país desde janeiro, em nada corresponde a uma "Primavera Árabe", mas sim à tentativa de um golpe de Estado militar. Nem tão pouco se tratou de um levantamento popular expontâneo, já que o Movimento 6 de Abril tem vindo a receber formação do Movimento Estudantil Otpor (Resistência) da Sérvia, há cerca de 3 anos. O Otpor foi em parte um grande responsável pela queda de Slobodan Milosevic, tendo sido também financiado por George Soros.

Quanto aos militares, há muito que se digladiavam com Mubarak e seu filho, a propósito da eleição do próximo Presidente, prevista para setembro de 2011. Em finais de agosto, aparecem cartazes no Cairo e em Alexandria com a cara de Gamal Mubarak e as seguintes mensagens: "Gamal Mubarak, o sonho dos pobres", "Gamal Mubarak, o país espera por ti" e "Gamal Mubarak, a esperança de uma geração". Em resposta, no início de setembro, aparecem outros cartazes, mas desta vez apresentavam a cara de Omar Suleiman com óculos escuros e a fazer continência. O chefe dos Serviços Secretos egípcios apresentava-se assim ao país sob o mote "Omar Suleiman, a verdadeira alternativa como Presidente da República", isto numa quinta-feira, enquanto acompanhava o Presidente Mubarak e o seu filho, em Washington, para o reatar das negociações entre israelitas e palestinianos.

Há um ano, o PND "limpou" completamente o Parlamento egípcio, elegendo 420 deputados em 508 possiveis, garantindo-lhe uma maioria de 3/4 necessária para a eleição do seu candidato presidencial, já que este é eleito pela Assembleia do Povo Egípcio e não directamente pela população. Para ser ainda mais claro quanto à dimensão desta monumental chapelada eleitoral, a qual não teve direito a observadores internacionais, nem se quer a controlo pelos magistrados locais, a Irmandade Muçulmana perdeu os seus 88 deputados eleitos como independentes em 2005, desistindo na 2.ª volta em sinal de protesto pois só conseguira eleger um único deputado na 1.ª volta e, o segundo partido mais votado, o New Wafd (Nova Delegação), conseguiu eleger 6 deputados!

Para os militares, o futuro Presidente nunca poderia ser um ultra-liberal como Gamal Mubarak, o qual certamente teria um largo projecto de privatizações, o que colidiria com os esquemas económicos dos generais, para além de se tratar de um civil que nem se quer terminara o serviço militar obrigatório. Por outro lado, Omar Suleiman, o qual chegou a ser Vice-Presidente de Mubarak durante 13 dias, já este ano, geria o dossiê "Processo de Paz israelo-palestiniano" há mais de 10 anos, sendo o seu nome também consensual entre israelitas, o que oferecia garantias de estabilidade para o país e toda a região.

Todos os dados apontavam para um 2011 agitado no Egito, tendo a auto-imolação de Mohamed Bouazizi em Sidi Bouzid e a queda de Ben Ali na Tunísia, servido de catalizador dos acontecimentos, não apanhando, no entanto, ninguém desprevenido.

A importância das eleições de hoje, 28-11, parecem-me serem até mais cruciais para o futuro do mundo árabo-muçulmano, do que para o próprio Egito, embora também o sejam para estes, naturalmente. O exemplo de resistência a esta tentativa de golpe militar, simbolizado pelos acampamentos em Tahrir, são cada vez mais inspiradores para todos. O Movimento 6 de Abril tem seguido o roteiro traçado durante os contactos que teve com o Otpor, sendo que a base deste é a resistência pacífica, a não violência e a desobediência civil, ensinamentos do académico americano Gene Sharp. Por outro lado, é fundamental que as eleições sejam transparentes como o foram na Tunísia, já que o alcance deste exemplo no mundo árabo-muçulmano será tremendo, inspirando a rua a exercer mais pressão sobre o Poder e obrigando este a perceber que governar é negociar e que a democracia é conflito.

Os egipcios já o perceberam, tendo vivido na semana passada um déjà vu enquanto escutavam o discurso do Marechal Tantawi à nação. Foi consensual o paralelo estabelecido com o discurso de Mubarak em janeiro, o que lhes assegura que estão no bom caminho e que enquanto mantiverem as tendas montadas, o Conselho Militar vai ter que continuar a ceder. Mas também é preciso votar.

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