14.1.12

Ben Ali caiu há um ano

Raúl M. Braga Pires, em Rabat (www.expresso.pt)

Sábado, 14 de janeiro de 2012

O Presidente Moncef Marzouki apresenta-se cada vez mais como um garante de estabilidade no processo de democratização da Tunísia.

Faz hoje um ano, 14 de Janeiro, que Ben Ali e esposa levantaram voo de Tunes, para nunca mais voltarem. Sejamos claros, o processo revolucionário tunisino está a correr bem. Parabéns Tunísia!

A sã e cooperativa cohabitação entre Rachid Ghannouchi, líder do Movimento Islamista Ennahda, no poder, o Primeiro-Ministro Hammadi Jebali e o Presidente laico Moncef Marzouki, terá certamente como base os seguintes factos.

Para além da luta anti-regime, têm em comum as consequências da mesma, o que valeu a Ghannouchi 22 anos de exílio, quase 10 a Marzouki e 15 anos de prisão a Jebali, 10 dos quais em solitária.

Quando o Presidente Marzouki chegou ao Palácio de Cartago, a sua residência oficial, encontrou 8 esculturas na decoração, que no processo de avaliação se revelaram ser do tempo do Império Romano. Foram devolvidas ao Museo. O material médico da sala de urgências do Palácio também foi doado ao Hospital Central de Tunes. Quatro dos restantes palácios presidenciais espalhados pelo país, utilizados cerca de 3 vezes por ano por Ben Ali e família, foram colocados à venda, com o intuíto de angariar dinheiro para o apoio à micro-finança local.

O Palácio de Cartago foi também aberto ao público (às crianças) todos os domingos, incluindo visitas ao gabinete presidencial com direito a uma assentadela na cadeira do poder. Às terceiras sextas-feiras de cada mês, recebe os líderes da oposição para um jantar que se quer informal e, a dia conveniente, serve-se também uma vez por mês um jantar aos intelectuais da Pequena República dos Professores, como ficou conhecida aquando da independência em 1956.

Marzouki, militante dos Direitos Humanos, teve como primeira medida quando chegou a Cartago, promover um inquérito sobre a situação dos detidos e as condições das prisões. Anunciará hoje uma Graça Presidencial extensa, a qual libertará do Corredor da Morte 93 detidos, entre os quais 3 mulheres.

Estes são alguns fait-divers, que no entanto muito querem dizer sobre uma pessoa e a procura pela justiça, tema muito caro aos islamistas.

Mas nem tudo são rosas, naturalmente. Na última semana imolaram-se mais 3 pessoas, duas no centro de Tunes e uma terceira em Gafsa. Motivo, desemprego. A Tunísia tem actualmente 1 milhão de desempregados em 11 milhões de habitantes. Há também notícias de pressões salafistas para serem impostas as suas indomentárias femininas nas universidades. Os futuros turistas também poderão ter algumas restrições no consumo do alcool e na indumentária de praia. De momento, será o tribunal a decidir sobre a liberdade de acesso a sítios web pornográficos, sem bloqueio e/ou sem o utilizador ficar registado numa lista especial.

Um breve parágrafo para referir que os salafistas nada têm a ver com os islamistas do Ennahda no poder e que o Ministro do Interior, Ali Laâryedh, profundo conhecedor das prisões do país, já que foi detido várias vezes pelo regime anterior, não tem tido dó nenhuma com os primeiros. No entanto e em abono da verdade, começa também a suspeitar-se de uma ala salafista no seio do Ennahda.

Por outro lado, o tema que iniciou o debate na Tunísia logo no início do ano, o qual acho de capital importância, foram as declarações do Presidente Marzouki na sua primeira visita de Estado, à vizinha Líbia. A 02 de Janeiro, afirmou ser a favor de uma Ittihad Ach'oub al Arabia al Mostakila, ou seja, uma União do Povos Árabes Independentes, a qual foi traduzida pela media, como a sugestão de uma fusão entre a Tunísia e a Líbia, o que ressuscitou de imediato velhos fantasmas. É que a 12 de Janeiro de 1974, foi de facto assinada uma fusão entre os dois países, para surpresa geral da população, no qual Habib Bourguiba seria o Presidente e o Coronel Muammar Kadhafi o seu Vice! Tudo ficou sem efeito, aquando do providencial regresso à Tunísia do seu Primeiro-Ministro Hedi Nouira, o qual demite o Ministro dos Negócios Estrangeiros Muhammad Masmoudi, um mais que provavel agente de Kadhafi, que se encontrava à época obcecado com a realização de uma União Árabe. O mal estar entre os dois países instala-se a partir de então, potenciado pela crescente corrida ao armamento por parte da Líbia e pela disputa na definição dos respectivos sectores da Plataforma Continental, nos quais seriam mais tarde descobertas importantes reservas de petróleo.

Marzouki, numa entrevista posterior, a 09 de Janeiro, ironizou sobre a ignorância dos jornalistas quanto ao árabe clássico e explicou ser um defensor convicto de uma União do Magrebe Árabe (UMA) efectiva. Cinco países, cinco liberdades. As soberanias serão mantidas, passando a haver a liberdade de circulação no interior do espaço magrebino, liberdade de propriedade, liberdade de trabalho, liberdade de residência e liberdade de participação nas eleições municipais de um cidadão magrebino, num país da UMA, que não o seu.

Será esta a proposta que Marzouki irá levar nas suas próximas deslocações à Argélia, ao Marrocos e à Mauritânia, a de uma União Magrebina à europeia.

http://aeiou.expresso.pt/maghreb--machrek=s25484#ixzz1jQQKOdGi

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