1.4.13

Darfur: 10 anos de conflito

Completaram-se já 10 anos sobre as primeiras notícias de um genocídio, uma terrível limpeza étnica, no Darfur, na parte ocidental do Sudão, e a tragédia prossegue, perante a passividade das consciências adormecidas. Jorge Heitor (na revista Fátima Missionária, Abril 2013) Devido a décadas de fome, de seca e de opressão, o povo do Darfur, território que tem fronteiras com a Líbia, o Chade e a República Centro-Africana, sofre, sofre muito, e necessita da solidariedade do resto da Humanidade. Numa superfície equivalente à da França, habitada por sete milhões de pessoas, a situação é dia a dia, mês a mês pior, se bem que dela já não se esteja a falar hoje em dia com a mesma força, com o mesmo interesse, com que se falava há oito ou nove anos. Mas as revistas missionárias não podem deixar cair no esquecimento este drama, pois que se trata de um autêntico genocídio, de uma verdadeira limpeza étnica, cometida no interior da África. Tendo surgido grupos de milícias que queriam combater pelos direitos de velhos povos sujeitos a secas e a desastres ecológicos, o Governo sudanês enviou em 2003 as suas próprias hostes, muito bem armadas, para esmagar os insurrectos, que não aceitavam por mais tempo submeter-se à vontade de Cartum. Os militares do maior país da África e do Médio Oriente, povoado então por mais de 30 milhões de habitantes, foram financiados pelas receitas do petróleo, que era e é a principal fonte de rendimento de um território onde 70 por cento dos cidadãos eram muçulmanos, 10 por cento cristãos e 20 por cento animistas. Tropas subsidiadas pelo petróleo Mais de 70 por cento dos fundos que as autoridades sudanesas estavam a obter há 10 anos da indústria petrolífera foram canalizados para as suas Forças Armadas, no sentido de tentarem neutralizar os anseios autonomistas tanto do Sudão do Sul como do Darfur, duas zonas profundamente subdesenvolvidas. Grande parte dos campos de petróleo são mesmo do Sul do Darfur, uma terra que sofreu grandes fomes em 1973-1974 e em 1984-1985, tendo registado 100.000 mortos, algo de inimaginável por quem vive no aconchego dos lares europeus. As Nações Unidas pouco têm conseguido fazer quanto aos muitos milhões de africanos que abandonam os seus territórios devido à fome e à seca, que vitimaram mais de 70 por cento das vacas e das cabras que havia no Darfur. E pouco se têm esforçado por atenuar o drama uma vez que tanto a China como a Rússia, que beneficiam do petróleo sudanês, têm direito de veto no Conselho de Segurança. Foi portanto neste quadro de subdesenvolvimento, falta de um sistema alimentar adequado, desertificação e grande fluxo de deslocados que 450.000 pessoas teriam morrido no Darfur durante esta última década e que dois milhões e meio estão a passar fome. Uma crise multifacetada Ao longo de 2003 e 2004, a imprensa europeia e norte-americana foi falando desta crise complexa, mas depois foi começando pouco a pouco a calar-se, enquanto a maior parte dos nómadas do Darfur ia avançando para Sul e se perpetuavam os conflitos entre populações ditas africanas e outras normalmente consideradas árabes. No entanto, há que esclarecer que a guerra não é entre árabes mais ou menos brancos e africanos negros. Isso seria simplificar demasiado as coisas. Todas as partes envolvidas no conflito são de pele escura, tendo as inimizades muito a ver com a escassez de terra e de água. O território dos Fur, mas também de outras etnias, constituiu um sultanato independente durante séculos, até que em 1916 forças britânicas e egípcias o integraram no Sudão, que viria a ser um país demasiado grande para que se conseguisse manter uno. Tal construção artificial não tinha condições para durar muito mais de 95 anos, como já verificámos quando Cartum foi obrigada a reconhecer a independência do Sudão do Sul. Os 493.180 quilómetros quadrados do Darfur são em grande parte áridos e têm picos vulcânicos que chegam a ultrapassar os 3.000 metros de altitude, sendo as principais cidades Al Fashir, Nyala e Geneina. No subsolo existem sinais de um vasto lago, que teria secado há milhares de anos, pelo que nunca foi possível que por aquelas bandas se tivesse desenvolvido uma grande e duradoira civilização. Apenas foi uma potência do Sahel durante a dinastia Keira, fundada na transição do século XVI para o século XVII. E logo em 1875 sucumbiu ao governante egípcio que se instalara em Cartum. As duas milícias Nesta última década, a que hoje em dia mais nos interessa, surgiram a milícia Libertação do Sudão e o Movimento Justiça e Igualdade, tendo os rebeldes começado a atacar Al Fashir e outras localidades; mas ninguém sabe muito bem dizer quantos soldados é que o poder central mobilizou para neutralizar o descontentamento geral e o espírito de revolta. Entretanto, o nome de Janjaweed, que alguns dizem significar "Diabo a cavalo, armado com uma arma automática", tem sido dado às forças de defesa popular e a outros grupos que alinham com o Governo para combater as milícias tribais. Segundo o general Mohamed Zeinelabdin Mohamed Hamad, antigo embaixador sudanês, existem 80 tribos no Darfur, 13 das quais encavalitadas entre o Sudão e o Chade, como é o caso da Zagawa, de grande importância no actual conflito, aquele de que aqui estamos agora a assinalar o décimo aniversário, fazendo o seu balanço; e recordando-o, para que ninguém esqueça. O livre movimento de populações entre o Sudão e o Chade, como aliás entre outros países africanos, que não têm fronteiras firmes, bem delineadas, influencia a política e a segurança de um e outro lado, ninguém podendo evitar que os casos do Sudão, do Sudão do Sul, do Chade e da República Centro-Africana estejam interligados. Isto é uma coisa que teremos de ter sempre presente, para compreender uma África onde o quotidiano é bastante diferente do europeu. Aliás, a ideologia de supremacia árabe divulgada na Líbia pelo coronel Muammare Khadafi também teve os seus reflexos no Darfur, com o Governo sudanês a armar as milícias árabes Janjawees, contra o que seriam os anseios de determinados grupos étnicos ou tribais. E assim se chegou a um dos mais graves desastres humanitários a que nos foi dado assistir nos 13 anos que vão decorridos do século XXI. Tentativas de sobrevivência Perto de dois terços da população do Darfur tenta sobreviver em aldeias remotas, sem qualquer protecção contra as investidas das milícias. As armas enviadas para o interior da África durante o período da Guerra Fria continuam por lá, sem que ninguém as consiga controlar; e por isso as populações vivem aterrorizadas. Como os estrangeiros não visitam em geral a enorme região, com um tamanho parecido ao da Espanha ou da França, apenas algumas organizações não governamentais se atrevem a lá entrar e a tentar perceber o que é que na verdade se passa, com populações marginalizadas para as quais não tem o mínimo sentido a palavra globalização, tão usada nas chancdelarias ocidentais. Um Acordo de Paz para o Darfur foi assinado em 2006 entre o Governo de Cartum e o Movimento de Libertação do Sudão, de Minni Minnawi, um dos grupos rebeldes; mas o Movimento Justiça e Igualdade rejeitou-o, pelo que o conflito prosseguiu, com aquelas paragens abertas a toda a espécie de criminosos e de redes terroristas. E o próprio movimento de Minnawi se retirou em Dezembro de 2010 do acordo. Tem sido admitida a organização de um referendo sobre a autonomia do antigo sultanado, mas nada indica que tão depressa ele possa ocorrer, nem que a médio prazo o deswfecho possa ser algo equiparável ao que se verificou com o Sudão do Sul, que conseguiu alcançar a sua independência. Por enquanto, o que existem são cinco estados federados: Darfur Central, Darfur Oriental, Darfur Setentrional, Darfur Meridional e Darfur Ocidental. Aquilo a que normalmente se chama dividir, para melhor reinar. Para que Omar al-Bashir, procurado pelo Tribunal Penal Internacional, para ser julgado por crimes contra a Humanidade, continue a reinar sobre o povo Fur e o outros que com ele partilham uma porção importante do interior da África.

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