26.12.13
Bissau: Assembleia Consultiva com nome de Senado?
Urge criar soluções que possam dar à Guiné-Bissau uma nova fase de paz social.
Um país em construção apresenta um grupo de vantagens e, ao mesmo tempo, de desvantagens que reside na fragilidade das instituições do Estado.
No caso da Guiné-Bissau, temos uma identidade coletiva construída em torno de grupos e de etnias, alguns deles transnacionais, cimentada essa identidade nos próprios processos de independência e na construção de uma vontade comum de daí construir um Estado.
No momento presente parece não carecer de grande demonstração a verificação da fragilidade das instituições do Estado guineense.
Da mesma forma as sucessivas lutas, por vezes violentas, entre lideranças políticas demonstra também a inadaptação da aplicação de um modelo político ocidentalizado a uma realidade cultural muito específica.
O desenvolvimento e instalação, nos últimos anos, de rotas de narcotráfico, é "apenas" um dos muitos corolários lógicos correspondentes a um duplo processo que se cruza no tempo:1) Por um lado, as instituições tradicionais, ancestrais e agregadoras do coletivo não só se vão erodindo como não encontram direta cama nem reflexo no Estado ocidentalizado;2) Por outro, as instituições e as lideranças de um modelo político constitucional não conseguiram um lugar na estrutura social que as legitime como óbvias, que as apresente como naturais, que as torne verdadeiramente emanadas e ao mesmo tempo dirigidas para a população.
Neste quadro, urge criar soluções que quebrem este ciclo vicioso podendo dar à Guiné-Bissau uma nova fase de paz social.
Mais que reforço das polícias de administração interna, mais que o reforço das competências do Exército, mais que colaboração de tropas internacionais, torna-se imperativo recriar a ligação da população à sua ideia de nação e ao Estado, criando mecanismos de regulação do poder político e, acima de tudo, de representatividade das instâncias secularmente agregadoras dos indivíduos.
A criação de uma assembleia consultiva que surgisse de dentro das instituições que ao longo dos séculos construíram as diversas identidades da Guiné poderia afirmar-se como um patamar fundamental de recriação de elos entre a população e as suas elites, contornando toda a desconfiança e instabilidade que tem reinado em torno de qualquer processo político guineense.
Nesta assembleia consultiva, que se poderia designar por Senado, deveriam estar representados todos os grupos que possibilitam dar à Guiné a coesão que está para além dos pequenos ciclos políticos, ou até mesmo a continuidade em momentos de revolução.
As lideranças tribais e religiosas afirmam-se desde há milhares de anos como os polos de unidade social e aqui, na Guiné, deveriam ser a base desta instituição onde a representatividade não se obtém pelo voto, mas sim pela identidade coletiva.
Poderiam ter assento neste Senado pelo menos três grupos de indivíduos que se movem num tempo mais longo que o imediato tempo do jogo político:1) líderes tribais;2) líderes religiosos;3) líderes e antigos líderes de câmaras profissionais (comércio, indústria, ordens profissionais, etc.)
Obviamente, a criação de uma instituição como a aqui apontada implicaria o seu sólido estabelecimento no articulado da Constituição, e deveria ter como base do seu processo de estabelecimento um debate nacional que conduzisse a um amplo consenso.
Só num processo que recupere a ligação da população aos seus vectores de identidade se pode dar à Guiné uma porta para que entre o passado e o futuro se construam oportunidades para as novas gerações.
A capacidade cada vez mais sólida das novas gerações deve ser consolidada politicamente através de uma “religação” ao que une as gentes e as torna habitantes de um lugar, ao que dá sentido a um colectivo que vê na comunidade um caminho comum.
Autores: Paulo Mendes Pinto, Rui Lomelino de Freitas e Fernando Catarino
FONTE: PÚBLICO
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