23.12.13

Bissau: Guiné, país de muitos tráficos

A comissão de inquérito ao incidente que se verificou com um voo da TAP no qual 74 sírios viajaram com passaportes falsos de Bissau para Lisboa concluiu que foi precisamente o ministro do Interior do Governo de Transição, António Suka Ntchama, a pessoa que “exigiu” o embarque dos passageiros, que já antes tinham passado por Marrocos. De acordo com o relatório da comissão de inquérito, só parcialmente divulgado, “houve de facto uma intervenção directa” do ministro, que alegou “motivos de segurança interna”, não especificados, para a saída dos sírios do território guineense, pelo qual têm passado tráficos de vária espécie. Segundo o documento, algo contraditário, “não houve (porém) coacção nem física nem armada em relação à tripulação da TAP, nem ao chefe de escala” da companhia aérea. A ordem do embarque dos 74 sírios teria sido dada pelo director-geral de escalas das delegações da TAP em África, a partir de Lisboa, possivelmente para que o aparelho não ficasse retido no aeroporto de Bissalanca. Na sequência deste incidente, que representa a falta de um Estado de Direito na Guiné-Bissau, a TAP suspendeu os voos para esse país, com grande transtorno para largas centenas de pessoas. O próprio ministro da Justiça, Saido Baldé, que presidiu à comissão de inquérito, reconheceu que o Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, em Bissalanca, a alguns quilómetros de Bissau, está a ser utilizado "por uma rede internacional" de tráfico de imigrantes. Mas disse que os guineenses vão pedir à TAP que retome os voos directos para território guineense. Este episódio, numa altura em que o recenseamento eleitoral se está a processar de uma forma muito lenta, nada indicando que possa terminar dentro de três ou quatro semanas, levanta sérias dúvidas sobre a possibilidade de na Guiné-Bissau se gerar um ambiente propício a que haja mesmo eleições presidenciais e legislativas no mês de Março de 2014. Nem os militares que têm a última palavra sobre tudo o que se passa em solo guineense, nem o Presidente interino Manuel Serifo Nhamadjo nem o Governo de transição, chefiado por Rui Barros, parecem minimamente interessados em que antes de quatro meses o povo possa escolher livremente quem é que o deverá dirigir. O próprio dr. José Ramos-Horta, representante especial do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, desistiu do tom esperançoso que há meses colocava nas suas intervenções, mostrando-se agora claramente céptico quanto à hipótese de eleições gerais serem concretizadas entre Março e Abril. O antigo Presidente timorense confessou há dias a sua impotência, ao reconhecer que a ONU está demasiado preocupada com outras situações, como a da Síria ou a da República Centro-Africana, para se ralar demasiado com o que acontece na Guiné-Bissau, uma espécie de quintal ignorado pela maior parte dos executivos mundiais. Enquanto assim for, enquanto não houver um punhado de guineenses de boa vontade que tenha a firme determinação de acabar com o actual estado de coisas, e que consiga meios para o fazer, o pequeno país criado há 40 anos pelo PAIGC vai continuar refém de umas Forças Armadas eivadas de defeitos e de um lote de políticos ambiciosos e corruptos que pouco mais vêem do que o seu próprio interesse. O mais provável, portanto, é que durante os próximos quatro meses continuemos a não ter notícias particularmente boas da Guiné-Bissau. Jorge Heitor

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