22.5.13

Bissau: quando realidade e ficção se entrelaçam

Calvin Dexter, do Projecto Cobra, de combate ao tráfico, e dois cabos do Regimento Britânico de Pára-quedistas chegaram a uma cidade de Bissau quase inteiramente às escuras, como é habitual, desde há muitos anos. Instalaram-se os três no Hotel Malaika; e, escassas horas depois, alguém matou o Presidente (Nino Vieira). Assim escreve Frederick Forsyth no livro The Cobra, de 447 páginas, na edição da Gorgi Books. O homem que disparou sobre o Presidente era amante da "mulher do velho tirano, muito mais nova do que ele. E a meio da manhã ambos tinham desaparecido no mato, para nunca mais os voltarem a ver. A solidariedade tribal iria protegê-los, como se nunca tivessem existido". É assim que os acontecimentos são ficcionados . pelo autor de "O Dia do Chacal" e de "Os Cães de Guerra". O Presidente era de etnia papel (afirma Forsyth, para que não restem dúvidas de que está mesmo a falar de Nino); a mulher e o amante dela eram balantas. O Exército também era essencialmente balanta e não tinha a intenção de perseguir um dos seus. Para além disso, o Presidente não era muito popular. O comandante do Exército e Chefe do Estado-Maior é que detinha o verdadeiro poder. Nessa altura, muitos transportadores de cocaína aproximavam-se por via marítima, mas nunca chegavam ao pequeno porto de Bissau, antes transferindo a sua carga nos canis existentes por entre as ilhas. Outras cargas chegavam por via aérea, sendo lançadas à água perto de um barco de pesca que as aguardava. Ou desembarcadas no interior. A luta pela independência deixara perto de 50 pistas no meio do mato. Algumas vezes os aviões da coca descarregavam aí antes de seguirem para o aeroporto (Bissalanca, entenda-se), vazios, para serem reabastecidos. Isto é apenas uma amostra do bestseller em que o jornalista e escritor britânico autor de uma boa dúzia de romances fala da cocaína que vale milhares de milhões de dólares por ano aos cartéis da droga que a espalham pela sociedade ocidental. Tendo em conta que no livro se fala, entre outras coisas, da Guiné-Bissau, de Lisboa e dos voos da TAP, é muito de estranhar que ainda nenhuma editora portuguesa tivesse resolvido lançar uma tradução. E que nem sequer as edições inglesa ou castelhana estejam à venda na capital portuguesa, sendo necessário encomendar a obra ao estrangeiro. (Foi isso o que acabei por fazer, depois de mais de dois anos de esperança vã de conseguir encontrar este trabalho nos escaparates portugueses). JH PS - Não esquecer que, tal como o pretenso Dexter, Forsyth estava realmente em Bissau na madrugada em que mataram Nino Vieira, tendo então dito que fora ali para se documentar melhor para a obra que andava a redigir. Estranho, não é?

Nenhum comentário: