27.5.13
O ano de 2030, segundo a CIA
De quatro em quatro anos, no início de cada novo mandato presidencial nos Estados Unidos, o National Intelligence Council (NIC), organismo de análise e de antecipação geopolítica e económica da Central Intelligence Agency (CIA), publica um relatório que automaticamente se torna uma referência fundamental para as embaixadas de todo o mundo. Apesar de conter, como é óbvio, uma visão muito parcial (a de Washington) produzida por uma agência (a CIA) cuja principal missão é defender os interesses dos Estados Unidos, o relatório estratégico do NIC tem um indiscutível interesse, que resulta da partilha – revista por todas as agências de informações norte-americanas – de estudos elaborados por especialistas independentes de várias universidades, em diferentes países e regiões (Europa, China, Índia, África, América Latina, mundo muçulmano-árabe, etc.).
O documento confidencial que o presidente Barack Obama encontrou no seu escritório da Casa Branca a 21 de Fevereiro último, quando iniciou o seu segundo mandato, acaba de ser publicado com o título Global Trends 2030. Alternative Worlds (Tendências globais para 2030. Mundos alternativos) [1]. Que diz este documento?
A sua principal constatação é o declínio do Ocidente. Pela primeira vez desde o século XVI, os países ocidentais perdem poder perante a ascensão das novas potências emergentes. Começa a fase final de um ciclo de cinco séculos de dominação ocidental do mundo. Os Estados Unidos continuarão a ser uma das principais potências planetárias, mas perderão a sua hegemonia económica em benefício da China e deixarão de exercer a «hegemonia militar solitária» que os caracteriza desde o fim da Guerra Fria (em 1989). Caminhamos para um mundo multipolar em que novos actores (China, Índia, Brasil, Rússia, África do Sul) estão vocacionados para constituir sólidos pólos regionais e para disputar a supremacia internacional a Washington e aos seus aliados históricos (Reino Unido, França, Alemanha, Japão). Para se ter uma ideia da importância e da rapidez da desclassificação ocidental que se anuncia, basta sublinhar estes números: a parte que cabe aos países ocidentais na economia mundial passará dos actuais 56% para 25% em 2030… Em menos de vinte anos, o Ocidente vai perder mais de metade da sua preponderância económica. Uma das principais consequências disto é que os Estados Unidos e os seus aliados provavelmente deixarão de ter meios financeiros para assumir o papel de polícias do mundo. De modo que esta mudança estrutural, agravada pela profunda crise económica actual, pode ter sucesso naquilo em que a União Soviética e a Al-Qaeda falharam, isto é, no enfraquecimento duradouro do Ocidente.
Segundo este relatório da CIA, a crise na Europa vai durar pelo menos uma década, ou seja, até 2023… Também segundo este estudo, não é certo que a União Europeia consiga manter a sua coesão. Enquanto isso, a emergência da China confirma-a como segunda economia mundial, que em breve se tornará a primeira. Simultaneamente, os outros países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) instalam-se numa segunda linha e entram em concorrência directa com os antigos impérios dominantes do grupo JAFRU (Japão, Alemanha, França e Reino Unido). Na terceira linha aparecem agora várias potências intermédias com demografias em alta e fortes taxas de crescimento económico, chamadas a tornarem-se, também elas, pólos hegemónicos regionais e com tendência para se constituírem como grupo de influência mundial – o CINETV (Colômbia, Indonésia, Nigéria, Etiópia, Turquia, Vietname).
Até 2030, no novo sistema internacional, algumas das maiores colectividades mundiais já não serão, contudo, países mas comunidades reunidas e ligadas entre si pela Internet e pelas redes sociais. Por exemplo, a «Facebooklândia» terá mais de mil milhões de utilizadores e a «Twitterlândia» mais de 800 milhões. A sua influência no jogo dos tronos da política mundial pode vir a ser decisiva. As estruturas de poder vão disseminar-se devido ao acesso universal à Internet e à utilização de novas ferramentas digitais.
A este respeito, o relatório da CIA anuncia o aparecimento de tensões entre os cidadãos e certos governos, tensões essas que vários sociólogos classificam como «pós-políticas» ou «pós-democráticas». Por um lado, a generalização do acesso à Internet e a universalização do uso das novas tecnologias vão permitir que os cidadãos alarguem o campo das suas liberdades e que desafiem os seus representantes políticos (como aconteceu nas «Primaveras árabes» ou na crise dos «indignados»). Mas, ao mesmo tempo, segundo os autores do relatório, estas mesmas ferramentas digitais vão dar aos governos «uma capacidade sem precedentes de vigiar os seus cidadãos» [2].
«A tecnologia», acrescentam os analistas de Global Trends 2030, «vai continuar a ser o grande critério de diferenciação dos Estados, mas os futuros imperadores da Internet, semelhantes aos do Google ou do Facebook, vão possuir verdadeiras montanhas de dados e vão manipular em tempo real muito mais informações do que os Estados». É por isso que a CIA recomenda à administração dos Estados Unidos que se prepare para enfrentar as grandes empresas privadas que controlam a Internet, activando o Special Collection Service [3], um serviço de informações ultra-secreto que depende conjuntamente da NSA (National Security Service) e do SCE (Service Cryptologic Elements) das Forças Armadas, e que é especializado na captação clandestina de informações de origem electromagnética. Se um grupo de empresas privadas viesse a controlar a massa de dados que circula na Internet, poderia vir a condicionar o comportamento de uma grande parte da população mundial, ou mesmo das entidades governamentais. A CIA receia também que o terrorismo jihadista seja substituído por um ciberterrorismo ainda mais atroz.
O relatório leva este novo tipo de ameaça ainda mais a sério porque, em última análise, o declínio dos Estados Unidos não foi provocado por uma agressão externa, mas antes por uma causa interna: a crise económica surgida em 2008, na sequência da falência do banco Lehman Brothers. Os autores consideram que a geopolítica contemporânea deve ter em conta novos fenómenos, que não têm forçosamente carácter militar. Porque, mesmo que as ameaças militares não tenham desaparecido – como se vê pelos confrontos armados na Síria, pelas ameaças relativas ao Irão ou pela recente gesticulação nuclear da Coreia do Norte –, os principais perigos que hoje ameaçam as sociedades são de tipo não-militar: alterações climáticas, conflitos económicos, crime organizado, guerras electrónicas, novas pandemias, esgotamento dos recursos naturais…
Relativamente a este último aspecto, o relatório assinala que um dos recursos que está a esgotar-se mais rapidamente é a água doce. Em 2030, 60% da população mundial passará por problemas de abastecimento de água, o que poderá dar origem a «conflitos hídricos»… Em contrapartida, no que se refere aos hidrocarbonetos a CIA mostra-se muito mais optimista do que os ecologistas. Graças às novas técnicas (muito poluentes) de fracturação hidráulica, a exploração do petróleo e do gás de xisto deverá atingir níveis excepcionais. Os Estados Unidos serão já auto-suficientes em gás e sê-lo-ão em petróleo em 2030, o que faz baixar os seus custos de produção manufactureira e encoraja a relocalização das suas indústrias. No entanto, se os Estados Unidos, principais importadores mundiais de hidrocarbonetos, deixarem de importar petróleo, os preços do barril vão colapsar. Quais seriam nessa altura as consequências para os actuais países exportadores?
No mundo de amanhã, 60% das pessoas viverá em cidades, algo que acontece pela primeira vez na história da humanidade. Por outro lado, como consequência da redução acelerada da pobreza, as classes médias tornar-se-ão dominantes e triplicará o número de pessoas que as compõem, passando de mil milhões para 3 mil milhões. É uma revolução colossal. Entre outras consequências, isso vai provocar uma mudança geral dos hábitos culinários, em particular um aumento do consumo de carne à escala planetária. Por sua vez, essa mudança agravará a crise ambiental, porque será necessário aumentar consideravelmente a criação de gado (bovino, ovino, porcino) e de aves. Isso implicará uma explosão do consumo de água (para produzir as forragens), de energia e do uso de fertilizantes, com efeitos negativos em termos de efeito de estufa e de aquecimento global.
O relatório prevê igualmente que, em 2030, o planeta terá 8,4 mil milhões de habitantes, mas que o aumento demográfico cessará em toda a parte menos em África. Haverá, portanto, um envelhecimento geral da população mundial. Em contrapartida, a relação entre o ser humano e as «tecnologias proféticas» vai acelerar a entrada em funcionamento de novas gerações de robôs e o aparecimento de «super-homens» capazes de proezas físicas e intelectuais inéditas.
O futuro raramente é previsível. Mas isso não implica que se deixe de o imaginar em termos de prospectiva, nem que não nos preparemos para agir em função de diversas circunstâncias possíveis, das quais só uma se concretizará. Mesmo que, como já o dissemos, a CIA possua o seu próprio ponto de vista subjectivo sobre o rumo do mundo, e que este ponto de vista seja condicionado pelo imperativo da defesa dos interesses dos Estados Unidos, este relatório constitui uma ferramenta de trabalho extremamente útil. A sua leitura ajuda-nos a tomar consciência das rápidas evoluções em curso e a reflectir sobre a possibilidade que cada um de nós tem de intervir e agir para inflectir o rumo das coisas. A fim de contribuir para construir um futuro mais justo.
quarta-feira 22 de Maio de 2013
Ignacio Ramonet/Le Monde Diplomatique
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