7.7.14

A grande vergonha que é a Guiné Equatorial

A lei da subserviência

e da permissividade

Há dias, com palavras entusiásticas e
pretextos nobres, festejaram-se por
aí os 800 anos da Língua Portuguesa

(um número simbólico e não exacto,

já foi dito e redito). Agora, a pretexto

dessa mesma língua, vamos assistir a um dos

mais vergonhosos actos de submissão que a

nossa história já registou: a admissão oficial da

Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa, vulgo CPLP. Os que se lhe

opuseram, fizeram-no brandamente. Era óbvio,

pelo correr dos meses e pela insinuação dos

interesses, que tal aconteceria, mais tarde ou

mais cedo. Brasil e Angola estavam de acordo.

E Portugal, conformado à sua inamovível

pequenez (honra seja feita aos que, no Governo

ou em Belém, tentaram resistir), lá segue atrás,

dobrando a espinha a tamanha desfaçatez.

Porque não é possível levantar alto a

A admissão da Guiné Equatorial na

CPLP tem muito a ver com o mísero

conceito de diplomacia que temos

bandeira da Língua e, de seguida, rojá-la na

lama de interesses que lhe são de todo alheios.

Esta atitude dúplice tem a ver com o mísero

conceito de diplomacia que temos, que é

por um lado a diplomacia da concórdia e do

apaziguamento e por outro a da subserviência

e da permissividade. Que ninguém tenha sido

capaz, a plenos pulmões, de dizer “basta” a

esta farsa que tem por único objectivo dar um

rosto “humano” e “internacionalizável” a uma

ditadura que só deveria merecer condenação

e desprezo, é deveras sintomático do estado

a que chegámos. E que mostra que a partir

daqui tudo será válido e que há-de ser possível

descer ainda mais baixo.

É fácil antever o cenário. Teodoro Obiang

precisa de credibilidade. Arranjou-a como

sabe, através de amigos. Estes procuraram

outros amigos. O cerco foi montado desde

2002, já lá vai uma boa dúzia de anos, sem

que o seu regime tenha dado provas (para lá

de pouco consistentes promessas) de reais

mudanças. Para os que já estavam dispostos

a recebê-lo, tanto fazia. Uns apadrinharamno

logo, outros vieram em sua defesa. Como

diz hoje ao PÚBLICO, desassombradamente,

Murade Muragy, secretário executivo da

CPLP, “ninguém tem a folha limpa, ao fi m e

DOMINGOPÚBLICO



ao cabo”. Este argumento vem inquinado

pela ideia de uma irresponsável diluição de

princípios. Mas também essa tem resposta.

Recordemos as declarações do antigo

responsável pelas Relações Exteriores

do Brasil, Celso Amorim, quando Lula

apoiou a candidatura de Obiang: “Negócios

são negócios”. Certamente que negócios

são negócios, e que a CPLP caminhará

(as palavras são ainda de Murargy) no

sentido de se tornar uma organização de

“conteúdo económico”. Mas isso justifica

o branqueamento de actos contra os seus

próprios princípios? Há-de haver quem pense

que sim, embora o cale. Obiang tem um

historial de violação dos direitos humanos?

Teodorin, o seu filho, tem um mandado

de captura da Interpol sob a acusação de

práticas criminosas? E isso que importa?

No meio disto, Portugal move-se a medo.

Como se o velho colonizador tivesse, para

expiar antigos pecados, de comportar-se

como colonizado. Um preço alto, que não

nos livra do peso da vergonha. Mudem, ao

menos, a sigla para CPNP: Comunidade dos

Países dos Negócios Permanentes. Assim

ninguém se espantará e podemos, enfim,

deixar a Língua Portuguesa em paz.

(editorial do jornal PÚBLICO)

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