A lei da subserviência
e da permissividade
Há dias, com palavras entusiásticas e
pretextos nobres, festejaram-se por
aí os 800 anos da Língua Portuguesa
(um número simbólico e não exacto,
já foi dito e redito). Agora, a pretexto
dessa mesma língua, vamos assistir a um dos
mais vergonhosos actos de submissão que a
nossa história já registou: a admissão oficial da
Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa, vulgo CPLP. Os que se lhe
opuseram, fizeram-no brandamente. Era óbvio,
pelo correr dos meses e pela insinuação dos
interesses, que tal aconteceria, mais tarde ou
mais cedo. Brasil e Angola estavam de acordo.
E Portugal, conformado à sua inamovível
pequenez (honra seja feita aos que, no Governo
ou em Belém, tentaram resistir), lá segue atrás,
dobrando a espinha a tamanha desfaçatez.
Porque não é possível levantar alto a
A admissão da Guiné Equatorial na
CPLP tem muito a ver com o mísero
conceito de diplomacia que temos
bandeira da Língua e, de seguida, rojá-la na
lama de interesses que lhe são de todo alheios.
Esta atitude dúplice tem a ver com o mísero
conceito de diplomacia que temos, que é
por um lado a diplomacia da concórdia e do
apaziguamento e por outro a da subserviência
e da permissividade. Que ninguém tenha sido
capaz, a plenos pulmões, de dizer “basta” a
esta farsa que tem por único objectivo dar um
rosto “humano” e “internacionalizável” a uma
ditadura que só deveria merecer condenação
e desprezo, é deveras sintomático do estado
a que chegámos. E que mostra que a partir
daqui tudo será válido e que há-de ser possível
descer ainda mais baixo.
É fácil antever o cenário. Teodoro Obiang
precisa de credibilidade. Arranjou-a como
sabe, através de amigos. Estes procuraram
outros amigos. O cerco foi montado desde
2002, já lá vai uma boa dúzia de anos, sem
que o seu regime tenha dado provas (para lá
de pouco consistentes promessas) de reais
mudanças. Para os que já estavam dispostos
a recebê-lo, tanto fazia. Uns apadrinharamno
logo, outros vieram em sua defesa. Como
diz hoje ao PÚBLICO, desassombradamente,
Murade Muragy, secretário executivo da
CPLP, “ninguém tem a folha limpa, ao fi m e
DOMINGOPÚBLICO
ao cabo”. Este argumento vem inquinado
pela ideia de uma irresponsável diluição de
princípios. Mas também essa tem resposta.
Recordemos as declarações do antigo
responsável pelas Relações Exteriores
do Brasil, Celso Amorim, quando Lula
apoiou a candidatura de Obiang: “Negócios
são negócios”. Certamente que negócios
são negócios, e que a CPLP caminhará
(as palavras são ainda de Murargy) no
sentido de se tornar uma organização de
“conteúdo económico”. Mas isso justifica
o branqueamento de actos contra os seus
próprios princípios? Há-de haver quem pense
que sim, embora o cale. Obiang tem um
historial de violação dos direitos humanos?
Teodorin, o seu filho, tem um mandado
de captura da Interpol sob a acusação de
práticas criminosas? E isso que importa?
No meio disto, Portugal move-se a medo.
Como se o velho colonizador tivesse, para
expiar antigos pecados, de comportar-se
como colonizado. Um preço alto, que não
nos livra do peso da vergonha. Mudem, ao
menos, a sigla para CPNP: Comunidade dos
Países dos Negócios Permanentes. Assim
ninguém se espantará e podemos, enfim,
deixar a Língua Portuguesa em paz.
(editorial do jornal PÚBLICO)
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