27.10.13

R. B. Pires escreve sobre Moçambique

O recente ataque da FRELIMO à base RENAMO em Satungira, Distrito da Gorongosa, na Província de Sofala, é o culminar de cerca de 3 ou 4 meses de tensão entre ambos os partidos, por via de reiterados ataques armados a postos de controlo e viaturas que circulam na principal estrada que atravessa a Província e que liga o Maputo ao Rovuma. A RENAMO culpa a FRELIMO pelos mesmos, enquanto que a FRELIMO culpa a RENAMO. Um clássico, com mortos envergando a farda de quem se quer acusar. De forma resumida, pode-se dizer que o Presidente Armando Guebuza se fartou das constantes ameaças do rival Afonso Dhlakama, as quais surgem constantemente em anos eleitorais, o que aliás se trata duma estratégia pessoal do líder da RENAMO, para continuar à frente dos destinos do partido. Caso queiramos ser mais profundos na análise, é pegar precisamente nesta eternização de Dhlakama à frente da RENAMO. O momento ideal para este passar a pasta, teria sido durante as Autárquicas de 2008, para o jovem Daviz Simango que aderira ao partido em 2003, ganha o Município da Beira no mesmo ano e, em 2006, é galardoado como o Melhor Presidente de Município no Moçambique, pela Professional Management Review-Africa! O ego de Dhlakama não aguentou tal competência, nem a possibilidade da RENAMO se renovar e ver a "Geração da Paz" fazer melhor que a "Geração de Guerra", à qual pertence e, impede a recandidatura deste jovem promissor nas Autárquicas de 2008, o que cria uma enorme ruptura no "Partido da Perdiz". Quanto a Simango, movido por uma vaga de fundo que obedece a uma série de cisões e expulsões no seio da RENAMO, candidata-se como Independente, ganhando a Cidade da Beira por expressivos 61,6%, com a agravante de a RENAMO ter perdido nestas eleições de 2008, os restantes municípios que detinha, para a FRELIMO. Ou seja, 5 anos depois e com eleições Autárquicas marcadas para o próximo dia 20 de Novembro, o líder da RENAMO vê-se confrontado com a cruel realidade de uma mais que certa nova razia eleitoral. Por isso mesmo, o partido propositadamente não entregou as listas de candidatos às próximas autárquicas até à data limite, o passado dia 06 de Agosto, querendo agora negociar com a FRELIMO novas regras de jogo (entretanto já disseram que não participarão, na sequência deste ataque). Pior, a dinâmica que Dhlakama desencadeou de forma involuntária ao eliminar Simango das suas opções políticas, reforçando assim a vitória deste, teve como resultado a criação do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) em 2009, o qual é sobretudo constituido por dissidentes da RENAMO e por jovens "independentes", que nunca se reviram na habitual bipolaridade política moçambicana. O MDM, liderado por Daviz Simango, orfão de Celina e do Reverendo Urias Simango (dissidentes da FRELIMO executados extra-judicialmente pelo partido, nas purgas que se seguiram à independência), ao apresentar-se como uma Terceira Via no Moçambique do Século XXI, meteu medo a toda a gente durante as Legislativas e Presidenciais de 2009, sobretudo ao "Partido-Estado", o qual apenas lhe permitiu concorrer a 4 de um total de 13 círculos eleitorais. Apenas conseguiram eleger 8 deputados, contra 51 da RENAMO e 191 da FRELIMO. Ou seja, tendo a possibilidade de concorrer à totalidade dos 13 círculos eleitorais nas legislativas programadas para Outubro de 2014, o MDM poderá passar a ser o novo maior partido da oposição, reduzindo a RENAMO a um grupo armado sem financiamento e militarmente obsoleto. Perante este cenário, compreendem-se as fugas para a frente sempre efectuadas por Afonso Dhlakama, as quais aliás têm agradado à FRELIMO, já que uma RENAMO afonsina tem sido sinónimo dum Moçambique frelimista. Os "Empresários de Sucesso" agradecem! FRELIMO O "Partido-Estado" está tranquilo e por cima, nesta contenda. O Presidente Guebuza encontra-se aliás em campanha eleitoral precisamente por Sofala, podendo aqui facturar o crédito de aparecer perante as populações como garante de tranquilidade e segurança. Nem mesmo o facto de a RENAMO ter denunciado o Acordo Geral de Paz de 1992, para o qual Guebuza foi um dos pricipais negociadores, o preocupa. Sem financiamento nem potenciais financiadores, muito provavelmente com o mesmo material bélico e de comunicações dos tempos da Guerra Cívil, mais o cenário político acima descrito, a opção do Estado-Maior moçambicano em atacar a base da RENAMO, entra naquilo que poderemos considerar de lógico e racional em termos militares e políticos. Mais, do ponto de vista internacional, ninguém tem interesse em apoiar a própria FRELIMO numa escalada militar, o que iria ser profundamente disruptivo para a "Nova Angola", conforme referiu Rui Newmann, jornalista da Portuguese News Network (PNN), atento e experimentado observador das realidades lusófonas, em contacto telefónico efectuado. Sobretudo agora com gás e petróleo à vista. Por último e, o que deverá ser o verdadeiro sumo a retirar no futuro deste cenário de escaramuças e posterior negociação, poderá ser o de uma alteração constitucional, que permita ao PR Armando Guebuza a possibilidade de um 3º mandato. O assunto não é novo, tem-se aventado a gosto para o debate público durante os últimos 2/3 anos, no sentido de se sentir a temperatura popular. Porquê? Porque os males da FRELIMO são exactamente os mesmos da RENAMO. Ou seja, a inevitavel crise geracional. A sucessão na FRELIMO assume-se como o actual grande desafio do partido, dividido entre a velha guarda legitimada pelos cabelos grisalhos da luta pela independência e a chamada "Geração da Paz". Seus filhos e netos, portanto. Uns mais competentes e outros mais mimados, mas todos com o sentimento de que a sua hora continua a ser adiada. Movimento Democrático de Moçambique O MDM continua assim a marcar a diferença, ao apresentar-se como um partido jovem e homogénio do ponto de vista geracional, formado por civis e não por ex-militares, cujos quadros anteriormente viram a criatividade ser constrangida pelo ideológico, quer pertencessem a partido político, ou não. Por outro lado, Simango vale votos como candidato presidencial (8,6% em 2009) e mais valerá caso Dhlakama, ou outro qualquer candidato RENAMO, decidir não aparecer a jogo. Um cenário de ausência da RENAMO nas Presidenciais de 2014, até poderá ser propositado, como forma de dificultar a vida ao rival FRELIMO e ajudar Daviz Simango a vingar a execução dos pais. Quanto à guerra, parece-me não haver condições, nem interesse maior na existência duma escalada, sobretudo por uma rejeição total da população face a tal cenário. Quanto a escaramuças, irão certamente continuar, o que provocando um clima de tensão e de alguma insegurança, beneficiará a FRELIMO, ajudando a confirmar a necessidade de um Guebuza III até 2019. Raúl Braga Pires http://expresso.sapo.pt/mocambique-guebuza-versus-dhlakama=f837095#ixzz2iukLDOHJ

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