6.10.13
"Sinto-me traído por ter chorado Xanana"
Luís Osório – Sol, opinião - 3 de Setembro, 2013
É possível que tenha sido sempre assim. Na história dos nossos avós e do passado que ouviram contar, existem personagens que se julgavam grandes e não passavam de anões, gente com uma ideia deformada de si própria e os que, renegando o passado, passaram a ser traidores no seu campo de batalha e ‘cristãos-novos’ nas novas barricadas.
Somos estes e não outros. Somos assim, voláteis, ambiciosos, cegos tantas vezes por nos convencermos de uma verdade que só nós vemos. Em todas as gerações encontramos sempre os que poderiam ser tudo, mas que se condenaram à derrota ou, ainda pior, que acabaram por incendiar o seu tempo, como Nero a sua Roma amada.
É possível que tenha sido sempre assim, mas também não me admiraria que este tempo, o nosso, supere todos os outros no gosto pelo ridículo. Dou-lhe três exemplos – somente os que me lembro, sem esforço, deste quente Agosto.
Primeiro, Xanana Gusmão. Soubemos por um jornal russo, numa notícia não desmentida (pelo menos até ao momento em que a escrevo), que Timor aceitou entregar o voto à Rússia para que a Expo em 2020 se realize em Moscovo. O voto depositado no Bureau International d’Expositions terá sido entregue a troco da edição de um livro de poemas do actual primeiro-ministro e figura maior da revolução timorense, Xanana Gusmão.
Ao ler a notícia passei para outra. Censurei-a mentalmente, apaguei-a sem pensar mais no assunto. Horas depois voltei ao ‘lugar do crime’, reli-a, procurei desmentidos ou desenvolvimentos.
Sinto-me traído por ter chorado Xanana na sua primeira visita a Portugal, por lhe ter acenado e dito aos meus filhos que, se ainda existiam heróis, ele era um deles. O que resistira, o que dera a vida em nome de um ideal, o que se sacrificara, afinal ao fim de um pouco mais de dez anos no poder, transformou-se numa versão barata dos políticos que tanto execrou – gente que se vendia por lugares, protagonismo ou dinheiro. Xanana, com crescentes e evidentes tiques nos últimos anos, fez ou pactuou com um crime moral ainda pior: vendeu o país à sua própria vaidade. Ofereceu o direito de escolha da sua pátria em troca da edição de um livro de poemas (Meu Mar). O jornal (Novaya Gazeta) citou documentos de diplomatas russos.
A ser verdade não há pior do que sermos enganados por quem nos levou a acreditar que o mundo era um lugar de luz e esperança.
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