3.10.13
Bissau: Eleições nunca antes de Março 2014
O importante, para as Nações Unidas, é que se realizem eleições presidenciais e legislativas na Guiné-Bissau "quanto mais depressa possível"; mas já toda a gente percebeu, e até o próprio representante especial do secretário-geral Ban Ki-moon o reconheceu, que elas nunca poderão ser antes de Março ou Abril de 2014, na melhor das hipóteses. Não há minimamente condições para isso. "Espero que no prazo de cinco a seis meses, para restabelecer a ordem democrática e uma estratégia de recuperação do país", disse José Manuel Ramos-Horta numa entrevista à agência noticiosa IPS. Acontece, porém, que ainda não se fez qualquer recenseamento, que não existem cadernos eleitorais e que não há o dinheiro necessário para apressar o processo; de modo que, os cinco ou seis meses de que fala o antigo Presidente timorense poderão muito bem arrastar-se para lá de Abril do próximo ano; para lá do segundo aniversário do presente estado de coisas. Nenhum Governo ou organização internacional importante reconheceu o sistema saído do golpe de estado de Abril do ano passado, mas os Estados Unidos e o Reino Unido dialogam com ele, a Espanha manteve o seu embaixador em Bissau e a França tem lá um encarregado de negócios. Assim se vai tentando sobreviver. O Presidente formal deste regime de transição, Manuel Serifo Nhamadjo, conseguiu até a proeza de o terem autorizado há pouco a discursar na Assembleia Geral da ONU, oportunidade que aproveitou para elogiar a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e até mesmo Timor-Leste, que por sinal está a atravessar um período bem difícil, por entre muitas denúncias de que a prostituição e a pedofilia são aí prática corrente. Nhamadjo, que a maioria da população guineense nunca elegeria para a chefia do Estado, deixou bem claro que o sistema político a que pertence se dá muito melhor com a França e com a CEDEAO do que com Portugal ou com a generalidade da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). Independentemente de Cabo Verde se ter já disponibilizado para dar apoio técnico à realização de eleições presidenciais e legislativas num país a que se sente ligado por uma luta comum pela independência, as ditas eleições, repita-se, nunca poderão acontecer antes do primeiro trimestre de 2014; e mesmo que acontecessem ninguém poderia garantir que iriam servir de grande coisa. Ao contrário do optimismo que José Ramos-Horta sempre tem procurado aparentar, ele a quem o próprio povo recusou um segundo mandato, a Guiné-Bissau vive mergulhada na pobreza extrema, apresenta péssimos indicadores sociais, não consegue ter figuras que lhe garantam qualquer estabilidade política e encontra-se refém dos cartéis latino-americanos da droga, sendo um dos países mais infelizes ao cimo da Terra. Em flagrante contraste com o que tem vindo a dizer o mesmo Ramos-Horta, que não cessa de procurar branquear a situação, os cidadãos guineenses estão a ser vítimas de um narco-estado e de um grupo de militares que, enganosamente, se pretendem herdeiros dos que fizeram a luta pela proclamação da independência. Estes oficiais de hoje em dia, pessoas de 48 ou de 55 anos, eram crianças ou adolescentes quando se deu o 25 de Abril e a causa de Amílcar Cabral saiu vitoriosa, pelo que, como afirmou recentemente o jornalista guineense António Aly Silva, não passam muitas vezes de impostores, quando se querem apresentar como émulos de Nino Vieira, de Chico Té, de Manecas Santos, de Pedro Pires e de outros que de facto lutaram, no mato, para que a independência se tornasse realidade. Por tudo isto, pelo completo descrédito da maior parte dos militares e até de muitos políticos, é que apareceu recentemente um jovem, de seu nome Azibo Berta, a lançar aos quatro ventos um Movimento para que...a Guiné-Bissau seja colocada sob a tutela das Nações Unidas. Quatro centenas de pessoas já subscreveram a petição no sentido de que, por assim dizer, volte tudo à primeira forma, como se estivéssemos agora no início da década de 1960. Ou seja, o país seria colocado sob tutela da ONU, que encarregaria um Estado com boas credenciais, de preferência nórdico, conforme afirmou Berta, de o preparar para realmente ser independente. Essas propostas poderiam ser consideradas extremamente líricas, se não fosse a triste realidade a que todos nós assistimos nos últimos 40 anos, desde o assassínio de Amílcar Cabral e a proclamação precipitada e unilateral da independência das terras da Guiné-Bissau, que não estavam de forma alguma preparadas para erguer em algumas décadas um Estado minimamente viável a partir de um conglomerado de povos, como o balanta, o fula, o mandinga e o manjaco. O que aconteceu então nas Colinas do Boé foi um grande equívoco.
Publicada por Jorge Heitor no Lusomonitor
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