4.4.14

No dia da morte de Kumba Ialá

Na madrugada de hoje, depois de longos anos de intriga e de muito consumo de bebidas alcoólicas, faleceu na Guiné-Bissau o antigo Presidente Kumba Ialá, um dos maiores agitadores que o país até hoje conheceu e um dos principais causadores dos seus males. Apesar de ser o mais antigo dos Países Africanos de Língua Ofical Portuguesa (PALOP), com a sua independência unilateralmente proclamada pelo PAIGC em 24 de Setembro de 1973 e reconhecida por Portugal em 10 de Setembro de 1974, nem por isso a República da Guiné-Bissau é de forma alguma o mais consistente. Antes pelo contrário; a avaliar pelo número de presidentes, de governos e de golpes e intentonas que tem registado. Quando se tornou independente, nas colinas de Madina do Boé, no sueste do país, junto à fronteira com a República da Guiné (Conacri), quando ainda o PAIGC se encontrava em luta contra a administração colonial portuguesa, o seu primeiro Presidente foi Luís de Almeida Cabral, que João Bernardo Vieira (Nino) se encarregaria de derrubar em 14 de Novembro de 1980, remetendo-o para a cadeia e para o exílio, sucessivamente em Cuba e em Portugal, onde ficou até ao fim dos seus dias. De 7 a 14 de Maio de 1999 o território guineense foi dirigido por uma Junta Militar chefiada pelo brigadeiro Ansumane Mané, enquanto Nino Vieira, por ele derrubado, partia para o exílio no Norte de Portugal, de onde só regressaria seis anos depois. De 14 de Maio de 1999 a 17 de Fevereiro de 2000 esteve como Presidente interino Malam Bacai Sanhá e dessa última data a 14 de Setembro de 2003 o folclórico “homem do barrete encarnado” hoje falecido, Kumba Ialá, entretanto derrubado por um golpe de Veríssimo Correia Seabra, que em Outubro de 2004 viria a ser morto numa das várias escaramuças militares que tem havido na Guiné-Bissau. De 28 de Setembro de 2003 a 1 de Outubro de 2005 foi Presidente interino Henrique Rosa, que cedeu o poder a Nino Vieira, entretanto regressado à chefia do Estado por força do voto, mas que acabaria por ser assassinado, tal como o então Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, general Tagma Na Wae. Quanto a Amílcar Cabral, irmão mais velho de Luís Cabral e figura maior da luta pela independência, fora assassinado logo em 20 de Janeiro de 1973, na República da Guiné (Conacri), por alguns dos companheiros de guerrilha, sem ter tido sequer tempo de ver realizado o seu sonho. E, tal como ele, o primeiro-ministro que houve no país, Francisco Mendes, “Chico Té”, também foi morto, em 7 de Julho de 1978, aparentemente devido a divergências no seio do próprio Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que sempre se tem caracterizado por grandes tensões internas. Ou seja, uma longa história de violência e de agitação, que ninguém garante que possa terminar agora com o funeral de Kumba Ialá e com a realização, a partir de 13 de Abril, de eleições presidenciais e legislativas sobre as quais ele se pronunciara muito claramente. Não se sentindo já com forças de protagonizar novas aventuras, nos últimos meses de vida colocou todo o seu peso carismático no apoio ao candidato presidencial independente Nuno Nabiam, como forma de travar o caminho ao representante do PAIGC nesta corrida à chefia do Estado: José Mário Vaz, que foi ministro das Finanças no último Governo de Carlos Gomes Júnior (Cadogo Júnior). Nesta hora em que Kumba Ialá se encontra em câmara ardente no Hospital Militar de Bissau, resta-nos formular o desejo de que nos tempos mais próximos não surjam no seu país novas figuras tão perniciosas quanto ele o foi, pelo menos nestes últimos 15 anos. E que um dia os guineenses venham enfim a conseguir tudo aquilo que Amílcar Cabral para eles sonhou. Jorge Heitor

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