1.10.13

Bissau: Uma hierarquia de "impostores"

Os militares que hoje se armam em donos do país são gente que nem fez a guerra de libertação. O António Indjai tem 50 anos e não pode ter participado. O Daba na Walna, que é o disparatento-mor do Estado-Maior, tem quarenta e tal anos e também não pode ter feito a luta de libertação. Por isso pergunto, então, como é que pode ser general? Como é que essa gente pode ter a pretensão de querer falar em nome dos combatentes da luta de liberta ção e reclamar para si privilégios que resultam dessa condição, se nunca, como militares, fizeram nada pelo país? Então, o mito dos grandes guerrilheiros que habitualmente se associa às Forças Armadas guineenses não passa, hoje em dia, de uma mistificação? Os grandes guerrilheiros guineenses acabaram por ser todos mortos nesta última década e meia. Estou a falar do Ansumane Mané, do Tagma na Wai, do Tchambú Mané, do pró prio Nino Vieira e de vários outros . Uns morreram na guerra civil que se seguiu ao golpe de Estado de 1998, outros acabaram por ser eliminados nas sucessivas intentonas que ocorreram depois. Foram sendo mortos um por um, e estes que lá estão agora não passam de impostores . Quer dizer que a actual instituição militar guineense não pode ser considerada herdeira do que durante muito tempo foi designada como “as gloriosas FARP” (Forças Armadas Revolucionárias do Povo), do tempo de Amílcar Cabral e dos primeiros anos da independência? Não. Os que pertenceram às “gloriosas FARP” estão todos sete palmos debaixo do chão. A actual hierarquia militar é formada por impostores, que chegaram ao poder porque pegaram em armas e derrubaram os antigos. Tomaram de assalto a instituição militar, e estão a estragar o nome da tropa guineense. MISSANG era acto de gratidão “E quando se viu que a reforma era mesmo para valer, os problemas começaram a aparecer e alguns militares, com medo de perder o seu protagonismo, ilegítimo porque conquistado à força, e movidos por interesses completamente diversos dos da Guiné-Bissau, começaram a acusar Angola” Esta entrevista, sendo uma conversa de evocações que envolve necessariamente sentimentos e emoções, não pode seguir um rumo linear, e somos obrigados a voltar atrás quando necessário. É o caso agora, porque lhe vou pedir que retome mos a questão da MISSANG. Na sua opinião, o que é que correu mal? A MISSANG resultou de um acordo assinado entre os dois países, e o próprio António Indjai esteve envolvido no processo. Previa a reforma das Forças Armadas, na sequência do fracasso de um general espanhol que a União Europeia mandou à Guiné-Bissau com o mesmo objectivo. Os angolanos chegaram, fizeram um levanta mento e começaram a deitar abaixo quase os quartéis para construírem, de raiz, novas e modernas instalações militares, onde não chovesse dentro das casernas, que tivessem água corrente e que oferecessem condições dignas para a tropa. Para se ter uma ideia da dimensão do projecto, basta dizer que a MISSANG gastava na Guiné-Bissau, só para o funcionamento da própria missão, entre 40 a 50 mil dólares por dia. Até alimentavam os militares guineenses, o que não estava no acordo . É claro que esse dinheiro não era nada para o Estado angolano, uma vez que só o orçamento anual do exército daquele país cobre três anos do Orçamento do Estado da Guiné Bissau. Por isso, quando digo que não existe Estado na Guiné-Bissau, este dado confirma o que digo . Voltando ao assunto da MISSANG, demoliram-se o quartel da marinha e outras instalações militares, e até as instalações da Divisão de Trânsito foram deitadas abaixo para se construir uma nova infra-estrutura . E quando se viu que a reforma era mesmo para valer, os problemas começaram a aparecer e alguns militares, com medo de perder o seu protagonismo, ilegítimo porque conquistado à força, e movidos por interesses completamente diversos dos da Guiné-Bissau, começaram a acusar Angola. As imputações eram que Angola levou armas e outros equipamentos militares, mas tudo o que a MISSANG desembarcou na Guiné estava previsto no acordo, e tudo foi apresentado ao Estado Maior. Mostraram as armas, os tanques e os meios aéreos e navais, e disseram aos guineenses que iam receber formação para operarem aqueles equipamentos que, posteriormente, reverteriam a favor do exército guineense. Havia inclu sivamente helicópteros, e para a sua utilização foi dada formação a pilotos que já não voavam há anos . Do acordo constava igualmente o fornecimento de 8 aviões caça MIG, completamente novos, que seriam entregues ao exército da Guiné-Bis sau. Foi nessa altura que MISSANG teve conhecimento de que se estava a preparar um golpe de Estado, e o embaixador angolano confrontou com essa informação os que viriam a ser os autores . Estes negaram, naturalmente, mas pouco tempo depois aconteceu . Angola já tinha, inclusivamente, avisado o Carlos Gomes Júnior e o presidente Malam Bacai Sagná, na convicção de que este último não sabia de nada, o que não corres pondia à realidade, como se veio a provar. O Cadogo só não se dirigiu à embaixada de Angola para se proteger para não criar mais problemas . Ele permaneceu em casa, deu ordens ao seu corpo de guarda-costas para não reagir se viessem prendê-lo e, assim, evitarem ser mortos, e o golpe aconteceu com as incidências que todos conhecem . E assim morreu a reforma das Forças Armadas guineenses e se abortou a MISSANG . Foi o que aconteceu. E garanto lhe que o que os militares iriam receber como pensão de reforma nem eles tinham ideia. Precipitaram-se e deram o golpe, colocando o país na situação caótica em que se encontra e ficando privados de uma reforma digna e uma aposentação tranquila. (Mais um excerto da entrevista de António Aly Silva ao jornal angolano O País)

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